#CaminhosdeNatal: a Praça Augusto Severo cobriu o pântano da Ribeira

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A primeira referência documental de cessão de terras na atual Praça Augusto Severo, data de 5 de outubro de 1703, cujo beneficiário foi o alferes Antônio da Silva Carvalho, “começando pelo primeiro (mangue) do Salgado até os morros da Fortaleza”. O primeiro mangue do Salgado, corresponde ao terreno atualmente ocupado pela referida praça.

Entre o final do século XVIII e o primeiro quartel do século XIX, seis outras pessoas foram favorecidas com doações de terras na atual Praça Augusto Severo. As cartas de doação feitas pelo Senado da Câmara de Natal, faziam sempre referência ao alagado, ou ao aterro da Ribeira.

Em 1º de setembro de 1791, Caetano da Costa de Almeida requeria terras “místicas ao aterro da Ribeira”. Em 23 de setembro de 1809, José Joaquim Pereira recebia terras “no princípio do aterro, que vai desde a Cidade para a Ribeira, da parte do nascente”. Em 2 de dezembro de 1815, foi a vez de Antônio José de Souza Caldas: “uma parte de terra, alagada das marés de águas vivas”. O último registro de concessão de terras naquela área, data de 13 de agosto de 1825, cujo beneficiário foi José Joaquim Raposo, “no pé do aterro, da parte do leste”.

Observa-se que, até o final do século XIX, a área correspondente à atual Praça Augusto Severo, não passava de um terreno pantanoso, alagado em grande parte por um braço do Rio Potengi.

Na 3ª década do século XVIII, foi construída uma ponte que seria o único elo de ligação entre a Cidade Alta e a Ribeira, cujo percurso era feito através da atual avenida Câmara Cascudo.

Para a edificação da referida ponte, o Senado da Câmara do Natal contratou o mestre de pedreiro Antônio Correia. O mestre contratado deveria seguir as recomendações do Senado da Câmara do Natal, constantes do termo de vereação de 18 de março de 1732: “e fizesse duas paredes de pedra e cal de quatro palmos de alto e quatro palmos de largo, ou que for necessário, em forma que assim fiquem em boa ordem para se fazer por cima uma ponte de madeira, no boqueirão do baldo, que vai desta Cidade para a Ribeira, dando-lhe-se, por tudo fazer perfeitamente dez mil réis, e escravos e materiais para o fazer’’.

A ponte existiu até, pelo menos, o último quartel do século XIX, pois encontra-se assinalada em um mapa da Cidade, elaborado em 1864. A ponte apresentava uma extensão de cerca de 120 metros.

O presidente da Província Casimiro José de Morais Sarmento, no seu discurso de 7 de setembro de 1847, referiu-se ao “pântano da Ribeira”, informando da necessidade de dessecá-lo das “águas impregnadas de matérias vegetais putrefatas, causando enfermidades”, e que fosse desbastado o denso bosque de coqueiros que circundava o bairro.

Na década de 70, foi realizado um trabalho de saneamento na referida área. Em novembro de 1878, o chefe de polícia, Joaquim Tavares da Costa Miranda, informou o estado em que se encontrava o terreno, antes do início das obras: “no bairro da Ribeira… há um descampado, onde o oceano se espraia sobre plantas rasteiras, capim, algas, ficando ali as águas estagnadas como uma massa lodacenta”.

Informou ele ainda, que no istmo de união dos bairros da Cidade Alta e Ribeira, havia uma ponte sobre um canal de água salgada que alagava uma extensa área até “o canavial”. O mencionado canavial corresponde ao terreno atualmente ocupado pelo Colégio Salesiano.

Joaquim Tavares de Miranda também descreveu a área, atualmente ocupada pela praça Augusto Severo, como sendo coberta de ervas e aglomerado de matos, o que dificultava o escoamento das águas ali depositadas.

Praça Augusto Severo

Com o saneamento da área, foi criada uma pequena praça que recebeu a denominação de praça da República. Em 14 de maio de 1902, a Intendência mudou o topônimo para praça Augusto Severo, em homenagem ao eminente norte-rio-grandense, pioneiro da Aviação.

A Praça Augusto Severo é um dos mais importantes logradouros públicos do Centro Histórico de Natal e o mais belo recanto da Ribeira.

No entorno da praça encontram-se os históricos e imponentes prédios do Teatro Alberto Maranhão (antigo Carlos Gomes), o antigo Grupo Escolar Augusto Severo, a Secretaria Estadual de Saúde (antiga Escola Doméstica) e o Colégio Salesiano (antigo palacete de Juvino Barreto).

O mártir da ciência

A atual denominação da praça representa uma justa homenagem ao norte-rio-grandense, mártir da Ciência, Augusto Severo.

Augusto Severo de Albuquerque Maranhão nasceu em Macaíba RN, em 11 de janeiro de 1864. Era filho de Amaro Barreto de Albuquerque Maranhão e Feliciana Maria da Silva e Albuquerque.

O menino Augusto estudou as primeiras letras em Macaíba, com o professor Manuel Fernandes de Oliveira. Concluiu com brilhantismo o curso secundário de humanidades, em um colégio da Bahia.

Após os estudos preparatórios, Augusto Severo matriculou-se na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, em 1880. Abandonou o curso de Engenharia, no segundo ano, por ter sido acometido de uma grave enfermidade, que o obrigou a voltar para o Rio Grande do Norte.

Em 1882, Augusto Severo associou-se ao seu irmão Pedro Velho, fundando o Ginásio Rio-Grandense, ocupando então os cargos de vice-diretor e professor de matemáticas. Na ocasião ele iniciou as primeiras pesquisas sobre aeroplanos, orientado pelas experiências do aeronauta paraense, Júlio César.

O Ginásio Rio-Grandense fechou em 1883. No ano seguinte, Augusto Severo dedicou-se à vida comercial, no Porto de Guararapes.

Em 1888, com sua transferência para Natal, envolveu-se completamente nas agitações políticas da época, participando da Campanha Abolicionista iniciada por Pedro Velho, e na propaganda republicana, revelando na oportunidade seus dotes de orador e jornalista.

No mesmo ano, casou-se com Maria Amélia Teixeira de Araújo, falecida no Rio de Janeiro, em 1896. Após a proclamação do novo regime político, Severo abandonou a vida pública. Foi ele eleito Deputado Local, em 1892, sendo sucessivamente reeleito até sua morte.

Simultaneamente, Augusto Severo abandonou seus estudos sobre a dirigibilidade dos balões. Em 1893, ele conseguiu do Governo Federal, autorização e ajuda financeira para construir um pequeno balão. Seguiu então para o Rio de Janeiro, onde construiu em Realengo, o dirigível “Bartholomeu de Gusmão”. Um dos varões de alumínio que sustentavam a barquinha quebrou, provocando a queda do balão e causando um grande susto no aeronauta.

Embora frustrado, Augusto Severo não desanimou, e em 1901 seguiu para Paris, sonhando construir, com recursos oriundos de donativos generosos dos seus amigos, um aparelho capaz de provar a viabilidade da sua descoberta. “Já estou vendo meu aeróstato, vencedor das tempestades, pairando sobre o mundo como um sinal de paz universal’’.

O novo balão denominava-se PAX, medindo 30×12 metros. O PAX, com uma capacidade de 2.000 metros cúbicos, possuía três hélices de propulsão colocadas na proa e popa, duas hélices na frente e atrás da barquinha, que possibilitavam sua direção, e outra no meio. Possuía dois motores, um deles com 20 cavalos (160 quilos) e o outro, com 16 cavalos (100 quilos).

A barquinha foi confeccionada com hastes de bambu ligadas por fios de aço, apresentando ainda, algumas partes de alumínio.

Augusto Severo realizou sua primeira experiência com o PAX, no dia 2 de dezembro de 1901, a 3.000 metros de altitude, atingindo uma velocidade de 200 km/h.

O PAX foi concebido dentro das normas técnicas e o emprego dos materiais disponíveis, de acordo com os recursos do seu inventor. Augusto Severo preparou com dedicação sua exibição oficial, marcada para 12 de maio de 1902.

“Se por grande acaso eu vier a cair, os senhores me verão em pedaços, porque não tenho medalha milagrosa. Creio na Ciência unicamente e não na proteção divina”. Finalmente, a 12 de maio de 1902, sob os céus de Paris, o dirigível PAX, que havia subido obedecendo ao comando do seu inventor, explodiu o motor, a 400 metros de altura, produzindo incêndio na aeronave, o que provocou a sua queda em plena avenida Maine, nas proximidades do Cemitério de Montparnasse. O mecânico Sachet morreu carbonizado e Augusto Severo, com a cabeça e o tronco quase intactos, e os sapatos atravessados pelos ossos das pernas, faleceu cinco minutos após o impacto.

Falecido Augusto Severo, em Paris, seu corpo foi embalsamado e transportado para o Rio de Janeiro, em um caixão envolvido com as bandeiras do Brasil e da França. Chegando ao Brasil em 15 de junho, o corpo foi sepultado no Cemitério de São João Batista, naquele mesmo dia.

Estátua e homenagem

Os conterrâneos de Augusto Severo iniciaram, no mesmo mês, uma campanha popular visando arrecadar recursos para a confecção de uma estátua em homenagem ao ilustre filho da terra. A referida estátua seria colocada na Praça Augusto Severo. A referida praça, sob a denominação de Praça da República, já existia desde os meados do século XIX, embora apresentando menores proporções, devido à invasão provocada na área pelas grandes marés.

Em 1853, Antônio Francisco Pereira de Carvalho já demonstrava a conveniência da construção da praça. Ordenou então, por ocasião da abertura da Assembleia Provincial, que a Câmara Municipal proibisse ali as edificações particulares.

Em 11 de junho de 1904 o Governador do Estado, Tavares de Lira, contratou o arquiteto Herculano Ramos para projetar e realizar obras de aterro e ajardinamento da Praça Augusto Severo. Tamanha foi a satisfação natalense, que logo todos passaram a colaborar com a obra. O negociante Silvestre Alves Pereira ofereceu duas belíssimas palmeiras oriundas do Pará; o Capitão Manuel Joaquim do Amorim Garcia, três oitizeiros; o Coronel Avelino Freire ofereceu duas palmeiras imperiais.

Os serviços foram imediatamente iniciados. O sistema de galerias para escoamento das águas, custou 13:378$618 (treze contos, trezentos e setenta e oito mil, seiscentos e dezoito reis). Em seguida foram calçadas as ruas que contornam a praça pelo norte e poente, sendo gasta com esse serviço a quantia de 18:265$940 (dezoito contos, duzentos e sessenta e cinco mil, novecentos e quarenta reis).

A ponte

Em 29 de setembro de 1904, Herculano Ramos informava ao público da necessidade de interromper o trânsito de carros e cavalos, no trecho entre a Estação da Estrada de Ferro e a casa do Comendador José Gervásio, visando a construção de uma pequena ponte. As pessoas que transitassem a pé, poderiam utilizar uma ponte provisória de madeira que se achava no local.

Em outubro de 1905 foi assentada na praça uma fonte de ferro fundido, de alto valor artístico, confeccionada na Europa. Em 15 de novembro de 1905, a praça foi entregue à serventia pública.

O antigo pântano havia sido transformado em um dos mais belos recantos de Natal. A praça ocupava então uma vasta área, hoje bastante reduzida. Apresentava alamedas formadas por oitizeiros e palmeiras imperiais. Havia um canal de cimento e pedra que circulava toda a praça, como uma serpentina, com um constante movimento de água de conformidade com as marés.

O canal era cortado por três pontes rústicas, muito pitorescas. Posteriormente o canal foi aterrado. Embora sem qualquer serventia, ainda existe uma pontezinha de alvenaria e concreto, que substituiu a primitiva executada por Emídio Florentino, imitando bambu oriental.

Próximo à casa da viúva de Juvino Barreto, o atual Colégio Salesiano, havia um caramanchão com uma cobertura de quatro águas, envolvido por belas trepadeiras. Havia também um grandioso coreto com estrutura de ferro.

Em 19 de março de 1911 foi inaugurada na praça Augusto Severo um medalhão de bronze, em homenagem a Nísia Floresta. A estátua de Augusto Severo foi finalmente inaugurada, em 12 de maio de 1913, dia do 11 º aniversário do desaparecimento do homenageado. A estátua, que atualmente encontra-se em frente ao antigo Grupo Escolar Augusto Severo, era contornada por quatro belíssimos postes ornamentais.

Em 28 de maio de 1930, Augusto Severo recebeu uma grande homenagem do piloto Hugo Eckner, que sobrevoando a cidade, pilotando o dirigível Graff Zeppelin, atirou um ramalhete de flores sobre a estátua.

Descreve lvanaldo Lopes, que o ramalhete caiu mansamente no sítio de dona Inês, a uns 15 metros do local da estátua. “Um menino galgou o muro com habilidade e, e trouxe a homenagem para o sopé da estátua”.

A praça continua homenageando o glorioso Augusto Severo, um norte-rio-grandenseque jamais deve ser apagado da memória dos seus conterrâneos.


ILUSTRAÇÃO: Arianne Constantino

Jeanne Nesi

Jeanne Nesi

Superintendente do IPHAN-RN, Sócia efetiva do Instituto Histórico e Geográfico do RN, e Sócia correspondente do Instituto Histórico Geográfico e Arqueológico de PE. Fundou a Folha da Memória, com periodicidade mensal. Publicou cinco livros, sendo dois como co-autora. Publicou folhetos, folders e cordéis e mais de 300 artigos sobre o assunto em uma coluna semanal no jornal Poti, na Folha da Memória e em revistas do IHGRN.
Atualmente aposentada, mas sempre em defesa do patrimônio histórico.

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