Croniketa da Burakera #6, por Ruben G Nunes
… a tardemansa vai preguiçando neste final de 2015. Dezembro, 30, quarta-feira. Tô aqui, no clube de
uisk do Cais 43, barzão de responsa, pendurado nos penhascos da Ponta do Morcêgo, Praia do Meio,
Natal/RN, Brasil/Esquina.
O Dj-do-Cotovêlo, entidade-pestinha, que zoa os perdidos-de-amor, os amores-perdidos, e os amores-xifrados,
joga no telão das Emotions o sambinha porretinha Vai Doer, do mossoroense Nazareno e o parceiro Pena Branca,
que bombava, nos anos 70, nas rádios, buates e cafofos potiguares.
“Vai doer quando o sol do amanhã me acordar”
E a dor-de-cotovêlo vai chegando.
Abro dois parêntesis. [Seguinte, velha-guarda: os perrengues morais e cornais, enganchados nas gamations,
xifrations, separations e recordations – ou seja, na dor-de-xifre mesmo – no espremer do limão da saudade
vira suco de fossa-e-arrêgo. Daí o Dj-do-Cotovêlo atacar com musiquinhas de lascar as arritmias. E tome de
pedra na Geni! – nénão velho-Chico!?]
[os puristas que esperneiem, mas é xifre com “x” simsinhô – pois, trata-se de xifre humano que tem a ver com
xanas, xotas, xereca, xibiu…e até ximbas… enganadoras e enganadas; já o chifre com “ch” é coisa de
animais e gramáticos pé-duro]. Fecho os dois parêntesis rapidinho.
Tô aqui, no Cais-43, eu e meus caboclos, orixás, daímons, bugs, sonhos e solidão. Solidão-pessoal desse
outono-inverno, na chegança sem volta da velhitude.
Mas também solidão-social. Que transborda das net-virtuais pelos feicebuques e zap-zapis. A galera fica lá,
cara-enfiada, nos esmartes-fones, ifones, ipadis, ébuques. O mundo que se réie. Tecnologia da solidão, amigo.
“… e ao meu lado eu não te encontrar..
… pode ser que eu acabe chorando…”
A Ponta do Morcêgo avança mar a dentro como proa de navio. Tudo aqui, no Cais 43, lembra cais do porto e
navio ancorado. Numa das mesas de entrada dois bonecos parecem vivos. Um comandante de farda azul-escuro,
botões dourados, quépi, galões, num gestual de papo animado com a loura classuda, ar sedutor, fumando longa
piteira, pernas generosamente cruzadas no curto vestido vermelho e salto alto. Os garçons vestem uniformes de marujo;
de caxangá e tudo.
Tem até num dos paredões da varanda trecho do poema Ode Marítima de Fernando Pessoa :
“Ah!Todo cais é uma saudade de pedra!”.
E também poemas de escritores de nossa terrinha potiguar: Ney Leandro de Castro, François Silvestre, Iaperi Araujo.
Aliás é ótima ideia essa dos bares e restaurantes darem uma força divulgando nossa Literatura.
Sem discriminações. Sem frescurinhas. Nem igrejinhas.
O clube de uisk, no mezanino, é acolhedor e tranquilaço. Decoração sóbria. Colonial rústico. Pelas paredes, escaninhos
numerados dos sócios, com o uísque nosso de cada sexta-de-pé-grande.
Seis janelões, de largos parapeitos, se abrem para perspectivas da cidade: a avenida, carros, prédios, praias, coqueiros,
gaivotas, barcos, horizontes.
Lá longe, céu-nuvens mergulham no marmassaplenaprofunda num emplastramento brancoverdeazulrosa de cirrus e
estrias. Que, lentimoventes, vão vermelhando a tarde em nesgas de reflexos furta-cor. Como um caleidoscópio.
De tirar o fôlego.
Quase irreais, quase flutuantes, quase místicos, os passos lentos da tardemansa penetram em nós. Como um arrastão
de beleza assaltando sonhos antigos. A alma se estica-revoando nas asas das gaivotas e das lembruxas.
Hora de quase ninguém no mezanino. Zé Maria, garçom de mil bares navegados, se achega:
– Boa tarde, chefia! O de sempre?
– Diga aí, Zé Maria, velho! Traga meu JonnyWalker, com gelo e água mineral com gás. Traga também queijo coalho
assado.
– É pra já, chefia! – Zé Maria vai ao meu escaninho de sócio e traz o JonnyWalker 8 anos.
“… Vai doer, eu saber que essa noite se foi…
… e o acaso que uniu nós dois…
… terminou e acabou te levando…”
A primeira dose é pros caboclos, pros orixás, pros meus dáimons e meus bugs. E saúdo os MistériosInfinitos da
solidão real e da solidão virtual, em suas ambiguações, desambiguações e espalhamentos.
Evohé Baco! Shalom! Axé! Optchá! Saravá! Odara! Odoiá! Sursum corda! Kyrie eleison! Dominus vobiscum!
Êpa babá! Êh! Êh! Ogunhê, mizifio! Xanavá!…Sapralá!
Sei lá! Vamutomáuma pra todas as entidades! Nunca se sabe, mano, com quantas-e-quais eternidades e
net-eternidades os deuses-uivantes cascaviam os MistériosInfinitos – némesmo?
Uisksorvendo. Uisktragando. Começo a argumentar com os caboclos escoceses do JonnyWalker, com aquele raro
sabor de madeira velha.
Uiskdivagando. Tempo Tempo Tempos… sons, luzes, sombras dançando… lembruxas, sentires… mergulhando
agora…Entro em uiskmeditation.
A alma desembesta céu-mar a dentro. Safa da proa, marujo!
Zé Maria traz o queijo coalho assado. Beleza! Garçons, meus campanhas, são entidades pós-metafísicas
que protegem as madrugas, as buraqueiras, as safadezas, e o chororô dos corações destrambelhados.
Uma quase-missão. Pódicrê, mano!
Desde que inventaram bares-e-garçons, para cada xifrância e dor-de-cotovêlo há sempre na lentamadruga
aquele ombrão-amigãozão do último garçom. E, claro, o implacável DJ-do-cotovêlo zoando as buraqueiras do
coração.
“Vai doer, porque tudo que é bom depois dói…
… quando o sonho a verdade destrói…”
Conheci Zé Maria, como garçom da buate Mustang, do gaúcho Ney, que bombava no final dos anos-60, meados-70,
na antiga-estrada de Ponta Negra: Natal/RN: Brasil-Esquina. Lá tocavam Impacto-5, The Jetson’s, Sambão do
Orestes e outras bandas porretas.
Lá dançavam-sarravam, matrizes, franquias, filiais, doidinhas, vampiris, zumbis, pleibóis, pintas, lobos-da-madrugada.
Enfim: todas as zelites-e-fuleragens das madrugasvadias, nos curruchios e tronchuras de seus amores bandidos.
Naquele tempo, Ponta Negra era deserta. Quase virgem. Nem residências, nem prédios, nem casas de praia, nem shopings,
nem Via Costeira. Nem mesmo o forró-da-quartuda. Tudo mato, quebradas mocosiadas, e danações variadas.
Ah, sim! – havia mais duas buates na velha estrada: Piri-Piri e Hippie Drive Inn. Havia também o moderninho Motel Tahiti.
Onde nas madrugas, pós-saideira, e pós-sarrinho-arrochado, empaudurecendo-entre-coxas, ao som de She made me cry,
dos Pholhas, a galera ia aliviar bagos, grêlos e cotovêlos-inchados. Te safa, marujo!
o tempora ! o mores!
o burakera! o xavecagens!
o xupationis!
o fornicationis!… só saudade fica machucando…
Há em nós, meu camarada, um tempo-interior e um tempo-exterior enganchando-se-escarafunchando como lutadores
de MMA. Em enredamentos acochados de presentes-passados-futuros. Mix-remix de sonhos-e-resonhos.
Tempo Tempo Tempos…que pulsa em nós a Música da Vida
Seres do Tempo – nós. Tempo que nos junta-separa e segue além…
Tempos dentro de Tempos dentro de Tempos dentro de Tempos…
Dou repeteco na uiskdose. Uisksorvendo. Uiskmeditando ainda.
Vejo os deuses-uivantes, em largas gargalhadas, embaralhando as Cartas dos Destinos, tirando onda com a gentalhada
criada-re-criada. Barra pesada, mano-velho! Magia e cambalacho. Qual o jogo da deusalhada, cumpadi? Tim Maia,
chama o síndico!
Quero dizer é que, às vezes, quando o olhar se alonga nas madrugas de uiskmeditations, e o Dj-do-cotovêlo ataca forte,
me pego jogando esse jogo-da-saudade e esse jogo-dos-Mistérios. Jogos-do-Tempo. De ontem. De hoje…
Tempos dentro de Tempos… viajando lembranças perdidas-achadas e de novo perdidas… nas esquinas, lares, bares
e cafofos. Enquanto a deusalhada-uivante se coça e cria mais, mitigando a eterna solidão. Fazer o quê, meu santo, nas
eternidades? Senão criar-recriar-e-recauchutar. Senão matar o Tempo?
Mas não é isso que também fazemos, nós, os escribas? À imagem e semelhança…
Abro então a gaiola dos lembrares-e-sentires. Dos curruchios e sufocos. E os deixo esvoaçar nos pios das gaivotas, pela
tardemansa. Desgarramento dos Tempos.
“… mesmo assim, foi tão bom teu amor conhecer…”
Lembro uma noitevadia. Anos 60. Buate Mustang. Velha estrada de Ponta Negra. Rolava um papo muito doido
com Belinha, amigona de fé. Belinha era mesmo toda belinha nas conjunturas e estruturas. Principalmente, a vasta
e empinada bunda sartreana.
Digo sartreana pois lembro Sartre, o filósofo existencialista. Em certo momento de seu encanto pour les fesses,
soltou arretado mantra dos rabos universais: “A pátria, a honra, a liberdade, nada existe: o universo gira em torno
de um par de nádegas”.
E ponto. Sartre e sua filosofia do rabo em-si e para-si!
Nosso sociólogo Gilberto Freyre, de “Casagrande e Senzala”, em ensaio cult-social (“Bunda – Paixão Nacional”,
1987), confirma Sartre citando a bunda como paixão nacional. A bundona tipo violão, farta-ondulante-torneada
era, no Brasil Colonial da portugalhada, não só padrão ideal de beleza – mas, no andar descarado, era movimento
inebriante, que provocava um “furor afrodisíaco”, nas palavras da época, segundo Freyre.
Portuguesada malandra, mano! Mas vamos em frente, na moral.
A gente fruía – eu e Belinha – daquela amizade colorida da época. Confidências íntimas, transas a miúdo, sexo a
três com outra mina, por aí… Belinha era bi, tri, o escambau. Não dava pra qualquer um, como a Gení. Era seletiva.
Mas aprontava. Nossos papos e safadezas eram curtição e camaradagem, sem ciúmes tolos.
Rolava a terceira dose. Belinha na vodka-com-crush. Eu na cuba-libre. Daí Belinha me confidenciou estrambótica
experiência. Seguinte, bro: ela saiu com um militar que tava na cola dela. Da Aeronáutica. Foram prum barzinho.
Ele pediu cerveja. Ela disse que também aceitava.
“Não, você só vai tomar coca-cola, por favor”, disse com simpatia o bofe.
Ela aceitou por delicadeza. Ele fumava muito. Ela, na quarta coca. Conversa animada. Ele tinha papo.
“Mais uma coca!”, disse ele. “Agüento não!”, respondeu Belinha.
Ele carinhou o cabelo dela: “Só mais uma, toma só uma!”. E pediu ao garçom mais coca e uns canudinhos que
guardou no bisaco dele.
– Empachada de coca, fomos prum “recurso” – me disse Belinha.
Ainda não havia motel em Natal. O Motel Thaiti, moderninho, só surgiu algum tempo depois. Mas havia uns
“arrumadinhos” pra hora do vamuvê. Eram os “recursos”. Um quebra-galho fulêra da época. Um último “recurso”…
Todo “recurso” tinha um kit funcional de asseio – o pitoresco carapicú. Que era um traste de metal leve, circular, com
pouco mais de 1 metro de altura, com 3 prateleiras, onde se ajustavam uma jarra com água, duas bacias e toalhinha.
“… e por estes momentos viver…”
Na burlesca assepsia do carapicú, dependendo da kamasutreana safadeza da transa, você lavava a cara, a pica, ou
o cú. E vamunessa, Geni!
Aí, – continuou Belinha – ele me botou de quatro na beira da cama. Daí, pensei que ia fazer anal comigo… cê sabe…
sinto o maior tesão anal… daí empinei os quartos e relaxei”.
Belinha continuou, baixinho, como segredo de delação premiada: “Aí, mano, senti tipo um tubo fininho entrando
no rabo”. “Arre égua!- pensei – nunca vi rola tão fininha!”. Ele dizia: “Aperta bem o estomago, aperta bem!”.
Pedimos novas doses – Belinha e eu. Vodka-crush e rum com coca.
Belinha prosseguiu: “Fiz o que ele pedia. Ma’tava tão entupida de coca que não aguentei. Saiu uma pá de gases
barulhentos, sem parar. Que vergonha! Ia pedir desculpas. Daí, olhei de viés no espelho da parede.
– Mano, que porra era aquela! O lesado tava com o canudinho enfiado no meu rabo e a outra ponta na boca, e ficava
lá tragando o gás de coca saindo da minha bunda! Já pensou?!
Muito doidão insistia: “Aperta mais, minha filha! Aperta mais! Vai… vai!”.
“Porra!, não ia ser enrabada… ia ser fumada pelo cu! Nojeira! Me deu um pití de vingancinha sacaninha. Daí me
arreganhei mais… e mandei ver!”
“Ele nem aí… pitava e se masturbava mais. Um maníaco! Gozava com peido-cola!
Lembrei o comercial da coca… Isto faz um bem!.. daí eu ria, ria, e mais gás saía,
e mais ele curtia, o safado!” Peidófilo o abestalhado! – disse Belinha, riscando a
tardenoite dos anos 60, em casquinante vodka-risada.
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Tempos…
Aqui-agora, no Cais 43, a tardemansa vai virando noitevadia… “y tiritan azules los astros a los lejos”, diria Neruda.
– Zé Maria, traga gelo!
Chamo outra dose do velho-JonnyWalker pra cascavilhar mais a uiskmeditation.
As entidades dos Mistérios começam a dançar e a jogar o Jogo do Tempo.
Abro meu netibuque. Começo a escrever sobre a delação anal de Belinha…