Boas práticas cervejeiras: 2 dicas de como (não) servir sua cerveja

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Olá, cervejeiros! Saudações!

Sem querer parecer um “beer chato” ou um “beer snob”, na coluna de hoje, trataremos de um tema correlato às cervejas: como deve ser feito o serviço do líquido precioso que arregimenta as multidões.

Beber cerveja não é apenas um evento cotidiano e corriqueiro (claro que também o é, mas é mais que apenas isso) e como se serve a cerveja é algo importantíssimo para a manutenção da sua qualidade.

Beber e degustar cervejas envolve algo mais litúrgico, e é nesse ponto que entra a questão de como a bebida é servida: isto é, vertida no copo ou acondicionada nos growlers (sobre esse tópico em específico, clique aqui).

Assim sendo, buscando trazer mais esse componente cultural que envolve o “ritual” de análise cervejeira trarei no texto de hoje duas situações que envolvem boas práticas cervejeiras, que são simples, mas, ou muitas vezes passam despercebidas por descuido, ou simplesmente são ignoradas pela pessoa que está efetuando o serviço.

Não obstante, as boas práticas sugeridas podem – e devem – também ser seguidas por quem está bebendo tranquilamente sua cervejinha no conforto do seu lar em tempos de pandemia.

As duas boas práticas que serão alvo de debate são: a correta higienização do copo ou taça, para que não se formem “bolhas” nas paredes do receptáculo, e a questão da “chuchada” (ato de inserir o bico da cervejeira dentro do copo a ponto de encostar no líquido servido) ao se encher growlers ou servir “chopps” em geral (embora seja possível se cogitar quem consiga tal façanha até mesmo com cervejas em garrafa… tudo é possível).

Então vamos aprender um pouco mais sobre essas boas práticas e como elas, sendo seguidas, incrementam ainda mais a análise sensorial da degustação cervejeira.

O famoso “copo sujo”

O tema de hoje parece ser algo deveras “básico”, ou totalmente despiciendo para quem é despretensioso na arte da degustação cervejeira.

Tais adjetivos parecem soar ainda mais triviais quando se fala que uma das boas práticas a serem abordadas tratam da questão do “copo sujo”, como se lavar um copo fosse algo muito complexo ou “extremamente relevante”. Complexo, talvez, não seja… mas, relevante, isso realmente é.

Culturalmente, é possível se dizer que “copo sujo” é uma entidade boêmia do folclore cervejeiro nacional, o “curupira” dos bares de calçadas. Tanto é que vários botecos e demais estabelecimentos pouco pomposos recebem a alcunha de “copo sujo”, sem que isso soe agressivo ou depreciativo. Certamente, são locais aconchegantes, onde a camaradagem do garçom e as dúvidas sobre a higiene do local são duas constantes indubitáveis.

Superando a simpatia do prosaísmo e o imaginário popular, a representação visual e mais forte que se pode ter de um “copo sujo” é quando o líquido sagrado é vertido no copo e em suas paredes várias bolinhas são formadas e a elas se agregam.

Existem alguns elementos que contribuem para a formação desse fenômeno “cervejeiro”, mas, em regra, são cadeias lipídicas que ficam envoltas do gás carbônico desprendido da cerveja e acabam se depositando nas paredes do copo (mas também podem ser os pelinhos da toalha que enxuga os copos, então, não se deve, nunca, enxugar o copo por dentro com a toalha ou pano, o correto é deixar secar naturalmente, emborcado de cabeça para baixo).

Dito em português claro e direto: é a gordura contida no copo que acaba grudando nas paredes do copo, dando um aspecto embotado ao líquido que se forma.

São vários os problemas de um “copo sujo”, mas o mais claro e evidente é relativo à defectividade na formação e na retenção da espuma. Há uma má formação na espuma pela agregação do gás carbônico aos lipídios contidos no copo, o que faz com que o gás acabe por não subir devidamente, ficando adstrito ao fundo ou às paredes do copo, lugares aos quais ele não pertence.

Essa situação acaba por impedir a correta formação de espuma, o que por sua vez gera problemas na sua retenção, pois se o gás não se dissipa como deveria, toda a espuma fica comprometida, dando um aspecto irregular ao líquido, como se ele estivesse “mal formado”. Já que o correto seria que as bolhas sempre subissem em direção à espuma.

Além do aspecto visual, a cerveja servida em um copo sujo acaba sendo acometida de problemas de contaminação, já que a cadeia lipídica pode ser originária de restos de alimentos que ficaram no copo, bem como também pode ser advinda de resquícios de detergente que foi utilizado para “lavar” o copo, mas não foi devidamente retirado. Em ambos os casos, tanto o aroma quanto o sabor da cerveja tendem a ser muito afetados por essas partículas.

O correto, portanto, é sempre utilizar uma esponja apenas para os copos, apartada das demais peças de louça, e um sabão neutro. E enxaguar repetidas vezes, até que se certifique que não restou nada do detergente após o copo ou taça ter sido corretamente higienizado. Dessa maneira, garante-se que nenhuma bolha se grudará na parede do copo, o que denuncia clara e flagrantemente que ele está sujo. Essa boa prática é essencial e muito simples de ser realizada, tanto em estabelecimentos comerciais quanto em casa.

Uma das práticas comuns quando se formam bolhas no copo é “bater” o seu fundo para que as bolhas sumam. Isso realmente faz com que as bolhas esvaeçam, mas os danos já foram causados ao líquido (fora o risco de se quebrar o copo na batida).

Então, caso em um restaurante ou bar te sirvam em um “copo sujo”, não pense duas vezes em pedir para que o copo seja trocado e que uma nova cerveja seja servida adequadamente em um copo limpo e asseado. Não custa nada lavar um copo adequadamente de modo higiênico.

A “chuchada”: por que pouca gente se preocupa com ela?

Não sei exatamente se existe termo técnico para descrever o ato de inserir, deliberada ou acidentalmente, no todo ou em parte, o bico ou extremidade da torneira de onde se sai a cerveja (ou “chopp”) ao ponto de que ele chegue até a encostar no líquido que está sendo servido. Se há ou não o termo técnico, pouco importa, esse ato é comumente chamado de “chuchada”, e quem nunca presenciou uma “chuchada” em um bar ou em um restaurante que atire a primeira pedra.

Assim como no caso de a cerveja ser servida em um “copo sujo”, a famosa “chuchada” acaba por ter efeitos deletérios no líquido servido (ou até mesmo acondicionado em growlers, caso não seja na contrapressão – o que é o provável): a contaminação.

O bico ou a extremidade da torneira é um local sujo, e que pode ter muitos micro-organismos, e restos de cerveja ressecado, os quais você não gostaria que fossem transferidos diretamente para a sua cerveja ou para o seu growler.

Geralmente, os nefelibatas que acabam por incorrer nesse expediente ominoso o fazem para diminuir o ângulo de incidência do líquido com o copo ou taça e assim “poder controlar melhor a formação da espuma”.

Na verdade, ao “chuchar” o líquido se tenta fazer com que menos espuma seja formada, e assim, não se derrame ou se tenha uma “eficiência” maior no serviço.

Todavia, tal prática é nefasta, tem a alta probabilidade de contaminar a bebida servida, além de ser totalmente anti-higiênica. Literalmente enfiar a torneira na cerveja é algo tenebroso, de péssimo gosto e de pouco esmero. É um fato danoso e que não se restringe apenas aos bares mais populares, já que muitos estabelecimentos dedicados às cervejas artesanais acabam por cometer o pecado capital da “chuchada”.

Além da contaminação, são usualmente conferidos aromas e sabores metálicos ao líquido, advindos do material que compõe o bico da torneira.

Outrossim, não há serventia alguma ter uma boa cerveja, que foi bem acondicionada (por vezes, inclusive, transportada em cadeia refrigerada), o copo ou a taça estar devidamente lavado, e na hora de efetuar o serviço “afundar” o bico dentro da cerveja. Por causa do serviço executado de maneira errada e sem levar em conta as boas práticas, o líquido já sai contaminado e impróprio para o consumo.

“Tirar o chopp” não é algo que envolva um alto grau de complexidade, não são necessários anos de estudo para se conseguir fazer isso de maneira adequada. Todavia, exige certa atenção e paciência para que o líquido servido não seja contaminado de maneira tão prosaica.

O bico da torneira não pode nem deve de maneira alguma tocar o copo ou o líquido servido, sob pena de se ocasionar danos graves de natureza sensorial e microbiológica à cerveja.

A recomendação, caso você veja essa atrocidade sendo cometida, é solicitar que o serviço seja efetuado novamente, e com a indicação de que o bico não seja “atolado” na cerveja, ou seja, que a “chuchada” seja evitada para que o líquido precioso não seja contaminado. Essa é outra boa prática muito simples, mas, que nem sempre é observada pelos estabelecimentos cervejeiros.

Saideira

A cerveja e o seu serviço não são nenhum bicho de sete cabeças, todavia, o mínimo de atenção é necessário para que os copos e taças sejam bem lavados e para que os bicos não sejam inseridos de maneira errônea e anti-higiênica dentro do líquido servido.

Essas duas boas práticas são bastante simples, mas um leve descuido pode pôr tudo a perder: lavar bem o copo e não “chuchar” jamais!

Música para degustação

Infelizmente, nem sempre as boas práticas são seguidas, por vezes, acabam sendo “aquela mesma coisa chata”! São várias e várias vezes que vemos copos mal lavados ou cervejas sofrendo “chuchadas”…

Então, fica de recomendação musical o clássico Glam do Mötley Crüe que exprime esse mesmo sentimento: Same ol’ Situation (SOS).

Não à chuchada!!!

Saúde e copos bem lavados a todos!


Imagem: Patrick Fore/Unsplash

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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