Antes de mais nada, devo dizer, que não tenho a pretensão de efetuar estudo crítico e/ou biográfico sobre o grande escritor baiano, mas, apenas, quero, modestamente, revelar impressões que a leitura dos seus livros me propiciou ao longo de muitos anos.
Para começo de conversa, uma constatação óbvia, mas indispensável: a obra literária de Jorge Amado divide-se em duas fases distintas; a primeira estende-se do romance de estreia – “O País do Carnaval” (1931) – até o romance “Gabriela, Cravo e Canela” (1958), e caracteriza-se pela inserção no Regionalismo Nordestino de 30, sob influxo do Realismo Socialista. Seguem-se a esta fase duas novelas, enfeixadas num só volume – “Os Velhos Marinheiros” -, uma das quais – “A Morte e a Morte de Quincas Berro d’Água” – é considerada, unanimemente, a obra-prima do autor.
“Gabriela, Cravo e Canela” revive a saga do cacau no sul da Bahia, porém com um viés picaresco, e em nova linguagem, que prenuncia a segunda fase.
Vale salientar o caráter político-ideológico presente, até meados da década de 1950, na maior parte dos escritos de Jorge Amado. Ele pertencia ao Partido Comunista Brasileiro, sido eleito Deputado Federal por esta agremiação, em 1945.
2º fase – O cronista de sua gente
Depois de “Gabriela, Cravo e Canela”, o romancista, antes tão preocupado com a problemática social, vai se transformando em um bem humorado e sensual cronista de sua gente. Se, por um lado, está livre de compromissos político-ideológicos, por outro lado passa a comprometer-se, cada vez mais, com o seu público ledor, fazendo-lhe concessões, em prejuízo do alto padrão qualitativo, que a boa literatura requer. Vira autor de best-sellers.
Nesta segunda fase, grandes figuras de mulher tornam-se protagonistas principais de caudalosas narrativas, cuja ação transcorre, quase sempre, na amada terra da Bahia.
Confesso que não consegui gostar de nenhum dos romances jorgeanos posteriores a “Gabriela, Cravo e Canela”. Tremenda frustração para este leitor voraz, que, ainda jovem, se encantara com a leitura de obras admiráveis, como, por exemplo, “Terras do Sem Fim” – a melhor expressão da saga do cacau -, e “Mar Morto”, que é quase um longo poema em prosa.
Não passei das primeiras páginas de “Dona Flor e seus Dois Maridos”, talvez o mais famoso romance da segunda fase. E “Tenda dos Milagres”, outro romance desta fase, embora legível, pareceu-me, inclusive do ponto de vista temático, algo forçado, um tanto chato, enfadonho.
“Tocaia Grande – A Face Obscura” seria um bom romance se não fosse uma versão reciclada da saga do cacau. Neste livro, Jorge Amado repete-se a si mesmo. “Um romance muito ruim” – foi como o qualificou, enfaticamente, o crítico Jaime Hipólito Dantas, em seu livro “De Autores e Livros” (Mossoró: Editora Queima-Bucha, 1992). Já “O Sumiço da Santa”, penúltimo romance de J.A. afigurou-se-me pouco mais que um pretexto para homenagear os amigos baianos e tirar brincadeiras com eles.
Pequeno romance, que julgo das obras mais frustrantes, nesta segunda fase – “A Descoberta da América pelos Turcos” – merece figurar ao lado de outro fiasco, mas, este, da primeira fase -, a trilogia “Os Subterrâneos da Liberdade”.
Da safra outonal salva-se, ao meu ver, a novela “Farda Fardão Camisola de Dormir”, pelo que contém de sátira e ironia, mas não a incluo entre as grandes obras amadas…
Resta falar sobre “Tereza Batista Cansada de Guerra”. Foi o romance do mestre baiano, que eu li, por volta de 1976, com grande expectativa.
No meu diário íntimo, anotei o seguinte:
“Aproveito a tarde de domingo para começar a ler o novo romance de Jorge Amado – ‘Tereza Batista Cansada de Guerra’.
Claro que Jorge Amando não é mais aquele… Depois de ‘Os Velhos Marinheiros’ ele parece ter entrado em decadência, esgotando o filão picaresco e as possibilidades ficcionais do seu mundo urbano /baiano /popular, tratado com maestria em ‘A Morte e a Morte de Quincas Berro d’ Água’.
Não gostei de ‘Dona Flor’, tampouco de ‘Tenda dos Milagres’, daí uma certa prevenção para com este ‘Tereza Batista’, romance posterior àqueles dois outros. Mas, de qualquer maneira, vou de leitura a dentro. E torcendo para não me decepcionar”.
Após a leitura, infelizmente, o meu sentimento era de frustração.
Tempos depois, no mesmo diário, registrei: “Jorge Amado morreu. Cansado de guerra.”
Faço-lhe estas e outras restrições, mas, separando o joio do trigo, admiro, e muito, a sua grande obra de ficção.
Enganam-se os críticos que o subestimam, atentos, somente, aos seus livros da segunda fase.
Jorge Amado muito contribuiu para a renovação da ficção brasileira, na década de 1930 e começos da década seguinte, como integrante do Regionalismo Nordestino, e, depois, num período de transição, criou duas obras mestras – “Gabriela, Cravo e Canela” e “A Morte e a Morte de Quincas Berro d’ Água” -, as quais bastariam para consagrá-lo.