No livro “Nomes da Terra”, Câmara Cascudo estuda, exaustivamente, a toponímia norte-rio-grandense. Trabalho criterioso, não deixa, contudo, de apresentar alguns pontos controvertidos. Por exemplo: o topônimo Mossoró, de origem indígena (“cariris do grupo MONXORÓ ou MOUXORÓ, habitantes da região”), escreve-se com dois “s”, em nome da tradição; mas, o topônimo Assu, também de origem indígena, deve ser grafado com “ç”, segundo o mestre. Quanto a este nome: “A origem exata será “çôo-açu”, a caça grande, referindo-se aos animais de vulto.”Uaçu , açu”. O uso popular, comum e velho, é dizer-se o Açu, numa reminiscência inegável ao UAÇU da língua geral” (Ed. 1968, pág. 66).
Celso da Silveira, assuense, estudioso da cultura regional, diverge de Cascudo. Numa plaquete intitulada “Assu ou Açu?”, ele prova por A mais B que a grafia certa é Assu, e não Açu. Afirma, com base em vasta pesquisa: os nomes próprios, sejam de pessoas, sejam de lugares, mantêm-se inalteráveis em sua grafia original, imunes às reformas ortográficas. E Assu, com dois “s”, é como se escreve o topônimo em antiquíssimos documentos. Logo…
Açu ou Assu? Com quem estará a razão? Os argumentos expostos pelo escritor assuense impressionam bem. Parece-me que o seu entendimento “firmou jurisprudência”. Hoje em dia, todo mundo só escreve Assu.
Outras controvérsias – inúmeras – verificam-se na toponímia do Rio Grande do Norte. E a mais gritante gira em torno do nome de uma das praias mais badaladas da grande Natal. GENIPABU – com G – é como se escreve, de modo generalizado. Mas, estará certo?
Câmara Cascudo e Veríssimo de Melo acham que não. O topônimo é de origem tupi-guarani. “De jenipab-u – comer jenipapo, onde se come jenipapo” (Cascudo, obra cit., pág. 97). Ora, se Jenipabu vem de jenipapo (nome que, indubitavelmente, escreve-se com “j”) não pode nem deve ser grafado com “G”.
Jorge Fernandes, nosso grande poeta modernista, usou a grafia certa para denominar um dos seus mais famosos poemas: JENIPABU.
Infelizmente, este e outros exemplos pouco valeram. Teima-se ainda – ver matérias de jornal, placas indicativas, etc.- em se escrever GENIPABU.
Outro erro, ainda mais generalizado: Extremoz com”x”.
O nome do município e da cidade norte-rio grandenses é homenagem a Estremoz, cidade portuguesa, situada na região do Alentejo. Nossa Estremoz – antiga missão jesuítica de São Miguel de Guajiru – tornou-se vila em 1755.
A grafia portuguesa é Estremoz com “s”.
Está visto que Extremoz com “x” é uma incongruência, um contra-senso, de que poucas pessoas se dão conta.
E que dizer do topônimo Jardim de Piranhas? Outro disparate! A cidade, assim denominada, sede do município homônimo, situa-se às margens do rio Piranhas. Portanto, deveria chamar-se Jardim do Piranhas.
Em Natal há um lugar denominado Passo da Pátria, em homenagem a uma vitória brasileira na Guerra do Paraguai. Pois bem, todo mundo só escreve Paço da Pátria. Coisa mais insólita, só mesmo Jardim de Piranhas.
De nomes de municípios potiguares
Em artigo no semanário “Dois Pontos”, Pery Lamartine relacionou “os 35 municípios do Rio Grande do Norte que tiveram seus nomes originais trocados por nomes de pessoas nem sempre da terra”. Afirma Pery: “Proporcionalmente ao seu tamanho, é o Estado campeão de lisonjas. A coisa chegou a tal ponto que já caiu na área da bajulação.”
Falou e disse.
É mesmo uma estupidez o que se tem feito contra as tradições, por desejo de incensar.
Convenhamos que, dos nomes relacionados, apenas dois deveriam permanecer: João Dias e Luís Gomes. Vieram do povo, desde os começos. Outros dois, não incluídos na referida lista, também têm tradição: Martins (Francisco Martins Roriz, agricultor e criador, que deu nome à serra, onde se estabeleceu – chão da atual cidade) e Lucrécia (velha senhora, dona de propriedade, embrião da cidadezinha).
Todos os outros vultos, sejam os de expressão local (Francisco Dantas, Severiano Melo, Frutuoso Gomes, Cel. João Pessoa, Fernando Pedrosa, Bento Fernandes, Ielmo Marinho, Dr. Severiano, Pedro Avelino, Rafael Godeiro, Major Sales, Tenente Ananias, Tenente Laurentino Cruz, Rodolfo Fernandes, Messias Targino, Cel. Ezequiel, Marcelino Vieira), sejam os de projeção regional (Felipe Guerra, José da Penha, Antônio Martins, Pedro Velho, Rafael Fernandes, Gov. Dix-Sept Rosado, Afonso Bezerra, João Câmara, Almino Afonso, Georgino Avelino, Eloy de Souza) ou nacional (Rui Barbosa, Nísia Floresta) são dignos de homenagem, mas não dessa forma, feitos topônimos, por lei, em prejuízo das tradições populares
Vejam a seguir a beleza e a poesia de alguns nomes antigos:
BOM LUGAR (Severiano Melo), MUNDO NOVO (Dr. Severiano). PEDRA DE ABELHA (Felipe Guerra), PANATIS (Marcelino Vieira), BOA ESPERANÇA (Antônio Martins), CAIEIRA (Almino Afonso), CUITEZEIRAS (Pedro Velho), BAIXA VERDE (João Câmara), BAIXIO DE NAZARÉ (Cel. João Pessoa), MUMBAÇA (Frutuoso Gomes), SURUBAJÁ (Georgino Avelino), MELÃO (Cel. Ezequiel).
Parece que feios, mesmo, só dois: Barriguda (Alexandria) e Papari (Nísia Floresta). Serviram até para anedotas, como aquela do telegrama: “SIGO BARRIGUDA PAPARI”.
Por fim, uma nota curiosa. No segundo ano do Estado Novo deu-se o nome de Getúlio Vargas a um distrito da Zona Oeste, mas, em 1943, ainda sob a ditadura de Vargas, mudou-se tal nome para Janduís (município em 1963). Prevaleceu a tradição. Não é de admirar?
1 Comment
Grande Manoel Onofre Jr. !!!
Sempre sóbrias e eficazes suas reflexões.
Concordo em gênero, número e grau