Falar de cervejas, em específico, das artesanais, ou especiais, como preferirem, é sempre um desafio, e também um prazer. Falar de modo livre e abrangente, até certo ponto, é algo mais fácil, por possibilitar que as ideias fluam de uma maneira mais natural, por assim, dizer.
No entanto, em todas as degustações que eu faço sempre tento ter algum foco na análise. Algo que faça com que as cervejas e/ou a comida que as acompanham (que “harmoniza” com elas) tenha alguma combinação em especial.
Niobium da Wäls
Portanto, tendo esse norte, apresento-lhes uma das duas cervejas degustadas no último final de semana. Na verdade, trata-se da mesma cerveja, a “Niobium”, uma West Coast IPA da cervejaria Wäls do mega grupo da AmBev.
Os mais puristas dirão que a Wäls não é nem sombra daquilo que um dia ela foi (eu também gosto de usar esse termo, o qual sempre me lembra a música icônica do grupo de Black Metal Norueguês Burzum, chamada “Det Som Engang Var”, que, traduzida ao pé da letra, quer dizer: “aquilo que um dia foi”).
Todavia, a Niobium, em especial ela e a sua variante barricada degustada em paralelo, não entram no meu conceito de cervejas ou cervejarias “Det Som Engang Var”, pelo contrário, possuem as mesmas características que um dia a tornaram especial (tomando-se por base que nos meus alfarrábios do Untappd, aplicativo que eu uso para registrar minhas degustações, a primeira vez que degustei a versão “regular” e não barricada da Niobium foi em 8 de agosto de 2015).
Niobiumdemissouri
Pois bem, indo direto ao que interessa, a degustação em apreço foi pensada para que se pudesse observar a variação que o barril foi capaz de conferir à versão envelhecida da Niobium, exemplar exclusivo do clube de assinatura da própria Wäls, chamado “MadLab”, nomeada de “Niobiumdemissouri”, degustada pela primeira vez em 8 de fevereiro de 2019, dois meses após seu lançamento.
A princípio, ela estava com o barril muito acentuado, ou seja, notas de madeira muito fortes, o que me levou a deixá-la guardada por pelo menos mais um ano e meio, ainda que seu “vencimento” tenha se dado em janeiro de 2020, um mero requisito legal, já que uma cerveja dessa não “vence” no sentido comum do termo. E não ficou imprópria para consumo, por mais que já estejamos em outubro.
O intento, portanto, metodologicamente, era ter um exemplar da versão barricada mais amaciado, em contraposição a uma Niobium regular ainda sem que tenha se vencido, para que uma demonstrasse a versão mais crua e mais lupulada da cerveja (a versão regular ainda no vencimento) e a outra fosse a versão barricada amaciada, um pouco mais envelhecida, e menos agressiva em seu amadeirado.
A hipótese de fato se concretizou, ainda que não por inteiro. A Niobiumdemissouri ainda apresentou notas amadeiradas muito evidenciadas. Se eu esperasse mais dois anos para abri-la não seria nenhum exagero, tenho plena certeza.
No entanto, ela realmente deu uma amaciada com o tempo, o barril, ainda que intenso, não estava agressivo, ainda que notas comuns de barris ex-Bourbon, não estivessem tão sobressaltadas, tais como coco, baunilha e notas assemelhadas.
O que se viu, foram notas herbais bem definidas e evidenciadas, notas de boldo, erva-mate, anis e erva-cidreira foram o tom mais preponderante, após o amadeirado evidente, é claro. E a contraposição feita à Niobium regular, com seus leves tons cítricos, maltado caramelado destacado e seu herbal presente, ainda que sem notas fortes de ervas que remetam a chá, foi de grande valia.
A Niobium regular tendia mais ao pinho e ao resinoso, enquanto que a sua versão envelhecida trazia essas notas de ervas mais evidenciadas, principalmente o boldo, algo não tão comum em IPA’s. Aliás, não tão comum em cervejas no geral, sendo uma experiência bastante singular conseguir encontrá-las nesse exemplar envelhecido.
Saideira da análise
Certamente, pode-se dizer que a diferença entre as duas é gritante, e isso era algo sabido desde o início da degustação. A nota a elas atribuídas não pode ser dada em um comparativo direito, e sim em uma analogia evolutiva de uma mesma cerveja, que recebeu um tratamento diferenciado para se tornar o que ela é após o processo de envelhecimento.
Assim, sendo, certamente que a versão regular da Niobium é bem “simplória” em um comparativo direito, mas, para os fins por ora perseguidos, ela serviu perfeitamente, sendo o ponto de partida essencial para a comparação.
É sempre uma ótima experiência essas impressões comparativas entre versões diferentes de uma mesma cerveja. Mesmo sem pertencer ao mesmo lote (e exigir isso realmente seria de um rigor científico infactível para um degustador profissional, quiçá para o mero mortal que vos escreve), são capazes de mostrar nuances que aproximam e que também se distanciam de um mesmo ideal de uma WC IPA bem executada, ainda que com propósitos diferentes.
Nota
A nota final é 7,5 para a versão regular da Niobium e 8,5 para a versão envelhecida, a Niobiumdemissouri. Caso alguém ainda tenha a versão barricada, recomendo a degustação pareada, embora ela seja algo difícil de se conseguir, já que sua produção foi limitada ao clube do MadLab.
Música para degustação
Recomendação musical para a degustação: Buzum – Det Som Engang Var, para mostrar que a Niobium nem a Wäls se enquadram no conceito proposto.
Saúde!
2 Comments
Sim, por isso geralmente se usa lúpulos mais terrosos ou mais de amargor ao invés de lúpulos cítricos e “tropicais” quando se faz o envelhecimento
Massa! Mas fiquei curioso sobre uma IPA de guarda. Vale a pena? O lúpulo deve ir para o espaço… No mais, ótimo review.