Em Hamlet – quarto ato, cena 3 – Shakespeare usou a expressão: “As doenças desesperadoras se curam com medicações desesperadas”. Ao longo do tempo, a medicina parece mesmo seguir o grande bardo inglês, na busca de tratar os diversos tipos de cânceres. São medidas heroicas que, se causam transtornos ao bom funcionamento de órgãos e tecidos, precisam ser usadas para combater um mal maior. Paracelso, médico do século XVI, que recebeu severas críticas mas também vivos aplausos, disse certa vez que todo remédio é veneno disfarçado. O médico indiano Siddhartha Mukherjee, em seu livro “O Imperador de Todos os Males”, afirma que a quimioterapia do câncer, consumida pela feroz obsessão de eliminar a célula cancerosa, tem suas raízes na lógica contrária: todo veneno pode ser remédio disfarçado. Sabe-se que a terapia das doenças ditas malignas avançou muito, já tendo sido quebrado o tabu que as envolvia, embora ainda persista um certo temor. Porém, o temor é mais em relação aos efeitos colaterais das drogas usadas do que em relação à própria enfermidade.
Até o século XIX, a medicina teve um avanço lento, no entanto com grande significação para algumas áreas. Basta citar a descoberta das vacinas e da anestesia, o mundo dos micróbios foi exposto, a cirurgia tornou-se mais viável e menos traumática, enfim, o empirismo deu lugar a uma prática com base em métodos científicos.
Porém, a partir do século XX é que a medicina, seguindo a evolução da ciência, atingiu um alto grau de segurança, no uso de novas tecnologias, tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento. Alguns avanços do passado, como as vacinas, passaram a ser usados de forma mais global, com efeitos fantásticos na prevenção de doenças, tais quais a varíola, a difteria e a febre amarela. Com Salk e Sabin, já na metade do século XX, a pólio deixou de ser o pesadelo que era para os seres humanos. Em 1921, na cidade de Toronto, no Canadá, dois pesquisadores – Frederick Banting e Charles Best – isolaram a insulina, e um novo alvorecer surgiu para os diabéticos de todo o mundo.
Penso que existem duas eras da prática médica, a pré e a pós-antibiótico. Quando menino, antes do uso desses medicamentos, quase sofri amputação de um dedo do pé, pois uma infecção se instalou em uma ferida causada por uma simples topada. A descoberta da quimioterapia antimicrobiana é o evento que mais benesses trouxe à prática médica. O maior precursor da quimioterapia é o alemão Paul Erlich (1854-1915), que, em 1910, revelou para o mundo o tratamento da sífilis, com o produto Salvarsan. Em seguida, vieram as sulfas, por intermédio de outro alemão, Gerhard Domagk (1895-1964). No entanto, o primeiro antibiótico, a penicilina, deve-se a Sir Alexander Fleming (1881-1955), por meio de estudos revelados ao público no início da década 1930. Alexander Fleming deve ser considerado um dos maiores benfeitores da humanidade.
Hoje, com a medicina regenerativa em plena evolução, inclusive com a possibilidade do crescimento de novas células em qualquer parte do organismo, algumas pessoas sonham com a imortalidade. No entanto, a própria ciência, tal qual explicitado pelo professor Siddarta Mulcherjee, da Universidade Columbia, em seu mais novo livro “A Canção da Célula”, diz que, apesar de tanto crescimento da ciência, algumas barreiras persistem frente a esse sonho ainda impossível de se tornar realidade.