A americanização do mercado cervejeiro nacional. E as demais escolas cervejeiras?

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Hello, beergeeks! How you doin’?

Let’s bora falar de um fenômeno que atinge a cultura “viralatista” brasileira de uma maneira bem ampla, só que aqui, sob a perspectiva cervejeira. A americanização do mercado e dos gostos dos consumidores.

Vamos tratar, portanto, de como as cervejarias nacionais conseguem replicar, de um modo qualitativamente satisfatório, estilos cervejeiros da escola americana. Sendo que esse fenômeno possui um efeito colateral adverso, as demais escolas cervejeiras ficam relegadas e seus resultados são pífios.

A americanização é um fenômeno premente, do qual não se pode escapar. Seus efeitos incidem diretamente nas escolhas mercadológicas dos consumidores, e impacta diretamente as demais escolas cervejeiras produzidas no Brasil.

Logo, como ficam as demais escolas cervejeiras?

Americanizando, ou satisfazendo o deus mercado

O ponto a ser relevado no texto de hoje é bastante simples, em virtude da demanda pela escola cervejeira americana, as demais são relegadas. Ou seja, a preferência do consumidor (e também a opção da maioria das cervejarias) faz com que outras escolas cervejeiras fiquem no ostracismo.

A americanização faz com que estilos amplamente populares, como as American IPA’s, NEIPA’s (hoje ninguém mais sequer produz English IPA), e cervejas assemelhadas sejam muito bem executadas. Ao passo que uma miríade de outros estilos, de outras escolas cervejeiras são postos em escanteio.

Ao satisfazer o mercado, em um sentido bem simplório do termo “satisfação” – Todos saúdam Mammon (o deus mercado), aliás, se Deus é brasileiro, o diabo é americano! –, há um duplo efeito sobre os estilos e as cervejarias relegadas.

Em um primeiro momento, os estilos clássicos dessas cervejarias acaba não sendo conhecido pelo grande público (salvo algumas raras exceções). ameicanização mercado cervjeiroSe não for algo da escola americana, quase ninguém conhece.

De outra banda, os estilos relegados, acabam sendo “subprodutivos”, isto é, acabam perdendo em excelência, já que são produzidos em menor escala e menos cervejarias os produzem. Assim, pela falta de opções, acaba-se chegando também em uma falta de boas opções, pela pouca produção.

Ao satisfazer a necessidade mais imediata de uma das pontas do mercado, as cervejarias acabam por focar apenas em novos estilos (americanizados), já que a inovação é o mote dessa toada.

Conforme já indicado em outros textos, a busca frenética pela inovação tem pontos negativos e positivos, tal ponto ora referido, certamente, deve ser elencado como negativo.

Os Big Players Alemães: eficiência e resistência

Gostaria de falar especificamente de como cada uma das escolas cervejeiras fica relegada ao segundo plano no Brasil. Para tanto, vou explicitar como cada uma delas, sofre, de maneira diferente, a preferência no geral do mercado cervejeiro pela escola americana.

Começando pela escola cervejeira alemã, famosa pelas suas cervejas do estilo Weiss, mas que também têm muito mais a oferecer do que esse estilo e Pilsen’s. Há uma infinidade de estilos que poderiam ser explorados, Altbier, Bock, Kölsch, Gose, Adambier, Schwartzbier, Helles… a maioria deles já foi mencionada em textos anteriores aqui no Blog.

A maioria das cervejarias nacionais usa o seguinte argumento para não produzir tais estilos em maior quantidade ou em maior oferta diferente entre as cervejarias: o mercado de cervejas alemãs é dominado por Big Players.

Dessa assertiva são deduzidas suas importantes repercussões: as cervejarias tradicionais da Alemanha possuem um nível de excelência que não pode ser igualado (argumento similar é usado para dizer que os carros alemães são bons). E, em virtude da alta eficiência produtiva, o preço que eles conseguem por seus produtos no mercado é imbatível.

Não me cabe julgar se o argumento é verdadeiro ou falso. Mas podemos assumir que ele é válido, em um sentido habermasiano… pragmático. Ou seja, por influenciar diretamente a lucratividade, e por não terem o apuro técnico alemão, as cervejarias nacionais relegam a escola alemã.

Uma única ressalva pode ser feita quanto às pequenas cervejarias do sul do país, na maioria oriundas de colonos imigrantes da Alemanha. As quais, arduamente, ainda tentam produzir alguns estilos relegados por cervejarias artesanais de maior porte (regional e nacional). Algo que podemos indicar como um foco de resistência e sobrevida da escola alemã em território nacional.

A dificuldade em produzir estilos belgas… do terroir ao desinteresse

Das escolas cervejeiras tradicionais produzidas pelas cervejarias nacionais, talvez as cervejas que integram a escola belga nem sejam as mais esquecidas ou relegadas. Todavia, certamente, a escola belga é a que produz as cervejas mais distantes do que se pode se apreciar de um exemplar genuinamente belga.

Diferentemente da escola americana, a queridinha dos cervejeiros e do mercado, onde tudo vira IPA, e que se consegue chegar a bons resultados, na escola belga, as cervejas produzidas no Brasil acabam devendo muito.

Os melhores exemplares de IPA e NEIPA nacionais estão “no mesmo patamar” das boas cervejas americanas nos mesmos estilos, a concorrência é acirrada. Todavia, quando o assunto são os estilos da escola belga, podemos dizer que não há a mínima chance de se competir. Uma cerveja “nascida e criada” na Bélgica está, de fato, em #otopatamá, como diria o nobre BH27.

Formulei dois argumentos para justificar o porquê de a escola belga ser tão pouco representativa no Brasil. O primeiro deles, é a questão do terroir (leia, terruá) das cervejas belgas. Algo que somente a combinação de solo, clima, microflora e ambiente, no geral, conseguem explicar.

Já escrevi um texto falando especificamente sobre o terroir belga, e como se dá a sua formação. Essa particularidade da escola cervejeira belga, amplamente refletida nas suas cervejas pode explicar, em grande parte (senão em sua totalidade) porque as cervejas nacionais nos estilos belgas são tão diferentes das “originais”.

O segundo argumento a ser formulado, é o desinteresse dos cervejeiros nacionais em explorar os estilos belgas. Diferentemente da escola alemã, a escola belga não tem a mesma eficiência, no entanto, não temos muitos imigrantes belgas no Brasil a ponto de manter a chama da saudade acesa.

Portanto, em virtude das dificuldades inerentes ao terroir belga, somada às vicissitudes de outras naturezas que geram o desinteresse na escola em apreço, o resultado são cervejas nacionais pouco representativas da escola belga.

O esquecimento da escola cervejeira inglesa

Diferentemente do que aconteceu com as duas escolas anteriormente citadas, não podemos dizer que a escola inglesa é altamente eficiente como a alemã, tampouco depende de um terroir específico para ser (re) produzida. Pelo contrário, eu firmemente acredito que a escola inglesa em solo brasileiro acabou sendo um pouco esquecida.

Alguns estilos mais básicos ingleses, como Pale Ale (ESB) e Stout (o basicão mesmo, e não as Pastries Stout’s cheias de firula, que não possuem ligação próxima com o estilo citado) acabam sendo tidos como simplórios, sem graça, e até um pouco “bregas”. Algo que obsta bastante a sua produção.

De outra banda, alguns estilos um tanto quanto mais complexos, como a English Barley Wine, que não pode ganhar a pecha de “simplória” ou “brega”, ainda é capaz de despertar algum ânimo, ainda que também não tenha uma larga escala de produção.

Falando sobre esse estilo em específico, as suas dificuldades são de vendagem mesmo. É difícil vender um estilo tão complexo e pouco convidativo à quem está iniciando no mundo das cervejas artesanais. Ele não está esquecido, ele só não pode ser muito lembrado porque vende pouco.

Então, não é bem um desinteresse, como no caso da escola belga, parece mais uma forma de apagamento da memória cervejeira pela não reprodutibilidade técnica dos estilos ingleses.

(Walter Benjamin ficaria orgulhoso dessa citação indireta de suas ideias sobre estética…).

Resumidamente, a escola inglesa tem um baixo potencial de familiarização com o mercado, ainda que nem todos os estilos que a compõe sejam de difícil aceitação ou baixa vendagem. É apenas uma escola que foi sendo esquecida…

A brasilidade da Catharina Sour

No cenário cervejeiro mundial, o Brasil é quase ninguém, e, em termos de tradição na cultura cervejeira, podemos dizer que o Brasil é ninguém de fato. Ou seja, não possuímos uma escola cervejeira estabelecida, com técnicas, estilos, segmentos, dentre outros elementos que constituem especificamente uma escola.

Ainda engatinhamos nesse ponto.

Todavia, o primeiro passo do engatinhado já foi dado, ele se chama: Catharina Sour.

Um estilo cervejeiro para chamar de seu!

O estilo em apreço passa ao largo da americanização da cultura cervejeira nacional. Não deve em nada para os demais estilos de sour’s existentes na cultura cervejeira americana e tem seus traços característicos próprios.

A Catharina Sour, que pelo nome homenageia o Estado de Santa Catarina, é puro suco de Brasil! E essa é uma definição literal do que ela realmente apresenta, ela tem adição de frutas, acidez bem destacada, leveza, versatilidade e refrescância. Uma mistura de tropicalismo com antiamericanismo.

Teria como ser melhor?

Saideira

A americanização é um fenômeno muito mais amplo do que de fato foi tratado no texto de hoje. Tentei apenas dar uma leve pincelada para mostrar o quão expressiva a ela pode ser, a ponto de relegar todos as demais grandes escolas cervejeiras à condição de meras coadjuvantes no cenário nacional brasileiro.

A americanização prima pela produção dos estilos que mais satisfazem os consumidores, e que são de fácil produção para os cervejeiros.

This is the American way of life.

Claro que no aspecto interno de competitividade, tal elemento, acaba conduzindo para uma maior especialização das técnicas com um consequente aumento na qualidade final do produto.

Todavia, os aspectos negativos são bem amplos, como a atomização do mercado e também o cerceamento dos demais estilos tradicionais de outras escolas cervejeiras, os quais viram artigos exóticos e pouco acessíveis em sua maioria. Sem falar que a qualidade deles não é assim tão expressiva, quando comparados com os “originais” importados.

Então, let’s bora drink uma beer, no seu estilo preferido, da sua escola cervejeira predileta.

Cheers!

Recomendação musical para degustação

Claro que ao se falar de americanização do mercado cervejeiro, estamos, em certo sentido, falando da subserviência histórica nacional aos interesses de estrangeiros.

O viralatismo tupiniquim é algo mais do que explícito!

Nessa esteira, fica a recomendação de uma boa Catharina Sour ao som de Aluga-se! Do saudoso Raul Seixas!

Então… Toca Raul!

Saúde!

https://www.youtube.com/watch?v=xtV-Loh2J2o


CRÉDITO DA FOTO: Publicado no site O Caneco

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

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A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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