Saudações, cervejeiros ufanistas!
Em clara referência direta à campanha política de Getúlio Vargas devemos enunciar que: “O Petróleo é nosso”!
Esse é o lema de fundação da nossa querida empresa pública que tanto nos orgulha como brasileiros, a Petrobrás.
Aliás, em termos cervejeiros, a Petroleum é nossa também!
Ela tanto é nossa, no sentido de pertencimento cervejeiro que temos duas cervejas atualmente no mercado com esse nome!
Incrível, não é?
O nome, por si só, é bastante significativo e polissêmico em várias perspectivas, ele tanto faz referência à nossa commodity de maior valor, o petróleo, como a um só tempo também resume bem o estilo da cerveja de pertencimento, uma Russian Imperial Sout tão viscosa quanto o óleo negro em apreço.
Por causa dessas inúmeras referências, o texto de hoje se dedicará a falar um pouco mais dessa(s) cerveja(s) que fazem uma conexão direta com o Petróleo, explicando desde suas primeiras receitas até as ofertas de mercado que existem nos dias de hoje com essa nomenclatura.
Por fim, fazendo um comparativo sensorial entre elas.
Então, quem vai de Petroleum hoje?
Petroleum Experience
Um pouco mais adiante, na seção subsequente, vamos explicar porque existem duas cervejas com o mesmo nome, a princípio, com a mesma cerveja, embora feitas por duas cervejarias distintas.
Por enquanto, essa informação é necessária apenas para se ter o norte daquilo que ambas querem repassar para quem as degusta, que é justamente a possibilidade de se ter a experiência de provar uma cerveja que parece com petróleo.
Claro que essa emulação do petróleo em forma cervejeira se dá, essencialmente, através do visual da cerveja. Sua coloração extremamente preta, sua alta densidade, sua absurda carga maltada e demais elementos componentes geram uma cerveja muito viscosa.
É justamente a viscosidade que a faz lembrar do petróleo.
Importante destacar que, diferentemente de alguns vinhos que, de fato, possuem aromas que lembrar grafite, piche e alcatrão, elementos minerais mais próximos do petróleo, as cervejas em destaque não apresentam esses aromas.
Exemplificativamente, a casta Riesling é famosa por ter um aroma secundário, proveniente do composto aromático chamado TDN, ou 1,1,6-trimetil-1,2-dihidronaftaleno, para os mais íntimos, que remete justamente às mencionadas notas similares ao petróleo (e derivados).
(Algumas cervejas terpenadas atualmente também possuem notas semelhantes ao aroma de Diesel e Petróleo).
As cervejas em tela, por outro lado, apresentam a Petroleum Experience como uma expressão mais própria do estilo Russian Imperial Stout, muita torra, aromas de café e cacau, além do corpo volumoso e alto.
Um nome, duas cervejas (ou talvez 3)
O motivo pelo qual existem duas cervejas exatamente com o mesmo nome (Petroleum) e com a mesma receita no mercado é motivo de uma verdadeira celeuma jurídica quase sem fim.
Ainda que esse não seja o foco do texto de hoje, vamos tentar resumir com intentos informativos o que houve, para que se possa melhor compreender a dualidade cervejeira em apreço.
A receita original da cerveja Petroleum foi criada em 2010 pela cervejaria DUM, de Curitiba, no Paraná. Ela foi desenvolvida quando a cervejaria ainda engatinhava e era basicamente uma produção caseira, sem a estrutura industrial que eles possuem na atualidade.
Em 2012, a receita foi vendida para a cervejaria mineira Wäls. O contrato previa uma cláusula de exploração conjunta e de registro da fórmula, ainda que ambas as empresas pudessem comercializar a mesma cerveja.
Na época, a Wäls já contava com uma estrutura de produção industrial bem organizada, ao passo que a DUM ainda tentava se estabelecer no mercado cervejeiro.
Em 2015, a cervejaria Wäls foi vendida para a gigante AmBev (atual AB InBev), e a DUM alegou quebra contratual, em virtude da possível perda de qualidade na receita utilizada (barateamento de insumos e queda na qualidade), além da quebra de sigilo contratual.
A alegada quebra de sigilo se deu porque a empresa dos pais do antigo sócio da Wäls, a Novo Brazil, operando nos Estado Unidos, passou a comercializar uma Russian Imperial Stout similar à cerveja Petroleum original.
Nesse processo, em primeira instância, foi dada procedência ao pedido da DUM apenas no tocante à quebra do sigilo, já que a receita foi repassada, indevidamente, à Novo Brazil.
Em suma, por questões contratuais, passou a ter, a partir de 2015, 3 cervejas com a receita da Petroleum, uma da Wäls e outra da DUM, com o título que usam até hoje, e outra da Novo Brazil, denominada Corvo Negro.
A propósito, até hoje a Corvo Negro é comercializada, mas apenas nos Estados Unidos, embora aleguem que a receita original da DUM foi alterada.
Diferenças sensoriais da DUM Petroleum e da Wäls Petroleum
Quando houve o intercâmbio de receitas cervejeiras entre a DUM e a Wäls, a primeira sequer era uma cervejaria profissional propriamente dita e a segunda ainda não havia se vendido ao capital internacional.
Ou seja, eram cervejas muito mais próximas de uma proposta mais voltada para a qualidade do produto final. Hoje, em virtude da maior automação dos processos produtivos de ambas as cervejarias, ainda que elas continuem em patamares diferentes (a cervejaria DUM ainda é muito mais “artesanal”), nota-se uma grande variação de lote para lote entre as suas respectivas Petroleum’s.
Todavia, é bastante factível se traçar paralelos de análise sensorial entre as duas cervejas de mesmo nome. Ainda que os processos produtivos sejam diversos, teoricamente, e apenas muito na teoria, é a mesma receita para as duas cervejas (talvez, em 2012 fossem bem mais similares, de fato).
Inobstante, por mais parecidas que sejam, as duas cervejas possuem algumas diferenças, em várias dimensões: visual, aroma e paladar.
Em termos visuais, a primeira grande diferenciação é a questão da carbonatação. A versão da Petroleum da Wäls possui uma carbonatação um pouco maior, o que faz com que ela tenha mais espuma e sua espuma é um pouco mais clara.
No aroma, a versão da DUM, possui um perfil de RIS mais clássico, com mais café e mais chocolate, com quase nenhuma lupulagem dando as notas. Já a cerveja da Wäls acaba tendo um perfil de lúpulo mais evidenciado, o que ressalta notas herbáceas. Além disso, tem notas de baunilha mais destacadas.
No paladar, aquilo que se apresentava no aroma assume um protagonismo maior. A versão da DUM tem notas de chocolate amargo e de café bem mais intensificadas. Ademais, o seu corpo é ligeiramente mais viscoso do que a outra versão, fossilizando de maneira indelével seu nome Petroleum.
A versão da Wäls também tem seus méritos, apesar de ter um corpo menos volumoso, tem uma maciez destacada, com notas terrosas bem suaves, ainda que presentes.
O ponto de convergência entre ambas as versões é o equilíbrio entre amargor e dulçor. Apesar de terem quantidades de IBU (unidade de amargor) relativamente altos (70 na Wäls e 96 na DUM), as cervejas possuem um corpo alto suficiente para aguentar toda essa pujança.
Decerto, nas duas o dulçor é posto na medida do amargor e do teor alcoólico (12% para ambas), não passando do que é necessário e não ficando enjoativa.
Em suma, cervejas potentes, acessíveis e equilibradas.
Saideira
As cervejas Petroleum carregam muita história em seu nome. Não apenas pela alusão ao conjunto de hidrocarbonetos, mas também pela própria representatividade do estilo Russian Imperial Stout (RIS) produzido por cervejarias brasileiras.
Ao se falar de RIS na cultura cervejeira nacional, certamente, um dos primeiros nomes que invade a mente de cervejeiro é o da Petroleum, seja a versão da DUM ou da Wäls.
A situação de ser uma receita cervejeira compartilhada e produzida de forma independente entre as duas cervejarias também é mais uma peculiaridade folclórica da Petroleum. Haja vista não ser comum esse tipo de repetição de nomes comerciais sem que se configure alguma violação de direitos de imagem (o que não é o caso).
Derradeiramente, podemos concluir que, sim, a Petroleum é nossa!
É a nossa RIS mais representativa em âmbito nacional, tem todas as características sensoriais que dão fama ao estilo e são cervejas muito equilibradas e relativamente fáceis de serem encontradas nos supermercados.
Recomendação Musical
Incrivelmente, existe uma música dos Novos Baianos denominada justamente: O Petróleo é Nosso!
Sim, o óleo negro é nosso, produzido em solo nacional e seu custo é em real! Então aproveito para fazer a defesa da Petrobrás e contra a sua privatização!
Viva, Petróleo que é nosso! Viva a Petrobrás!
A Petroleum também é nossa!
É um orgulho ter o prazer de degustar duas Russian Imperial Stout’s tão boas!
IMAGEM: Postada no blog Beer Art