Dia desses me chamaram de estranha.
De novo. Já perdi as contas.
Estranha porque estou em lugares diferentes, porque uso roupas que não obedecem à paleta da estação, porque meu corpo não faz cosplay de blogueira fitness e meu cabelo tem personalidade própria — igual aos meus óculos, que não foi comprado na seção “influencers usam”.
Estranha porque não quis um marido, dois filhos e um labrador chamado Chico. Porque não achei romântico o suficiente aceitar uma vida que não me cabe, só pra agradar o algoritmo da sociedade.
Mas o melhor de tudo é que ser estranha não é um rebranding de meia-idade. Eu sou assim desde sempre. Enquanto as meninas da escola usavam laço no cabelo, eu já ostentava corte máquina 2. E não era rebeldia: era liberdade. Era estar mais próxima dos meninos porque eles pareciam ser mais livres — não eram forçados a sentar com as pernas fechadas, nem tinham que ser delicados ou sonhar com um casamento de véu e grinalda.
E sim, sempre teve um preço. Alto. Fui — e sou — muitas vezes olhada com desconfiança. Como se minha liberdade fosse uma ameaça, minha ousadia fosse arrogância e minhas escolhas fossem burrice. Já tentaram me diminuir profissionalmente, emocionalmente, romanticamente. Como se a ausência de um padrão anulasse minha competência. Como se ter estilo próprio fosse sinônimo de ser desajustada ou inconsequente.
Mas aí eu lembro da Frida Kahlo, que transformou dor em arte e virou ícone com monocelha e vestidos bordados. Lembro da Rita Lee, que foi chamada de maluca e virou a ovelha negra do rock nacional. Lembro da Clarice Lispector, que escrevia como quem conversava com o próprio abismo e até hoje é citada por quem nunca entendeu uma frase inteira dela. Lembro da Elke Maravilha, a mulher que foi tudo o que quis ser — e mais um pouco — com purpurina, sotaque russo e uma liberdade que ninguém teve coragem de censurar.
E lembro também, com reverência e gargalhada da Dercy Gonçalves. Aquela que dizia palavrão na TV quando mulher mal podia falar alto em casa. Chamavam de vulgar, escandalosa, desbocada — e ela respondia com um vestido decotado, um dedo em riste e uma autenticidade que hoje seria chamada de empoderamento.
Essas mulheres, todas elas, foram chamadas de estranhas. E, justamente por isso, abriram caminho. Referências icônicas pra mim até hoje e serão sempre!
Também tem a outra parte — deliciosa. Ser olhada como a mais moderna, a mais criativa, a danada que nunca seguiu regra nenhuma. E não é por vaidade, não. É por orgulho mesmo. Porque existe algo muito libertador em ser reconhecida por não ter se curvado, por ter construído um caminho torto, mas meu. Eu gosto de ser estranha. Gosto de ser a pessoa que não combina, que não se encaixa, que incomoda só por existir.
Aos quase 50, nunca fui tão feliz em ser eu. Nunca me senti tão fora da curva — e tão certa de estar no meu caminho.
E diante de tudo isso, eu vibro. Vibro cada vez mais por ser estranha. Por não viver no encaixe, por ser uma incógnita que não precisa ser decifrada. Por saber, com convicção, que estou certa — e nem preciso culpar o meu signo por isso. Não é o mapa astral: é da minha natureza. E eu aprendi a aceitá-la. Melhor: aprendi a celebrá-la. Porque é exatamente essa estranheza que me dá poder. Que me faz conquistar, impactar, desconcertar. Que me dá sapiência. E que, com alguma sorte e ironia cósmica, faz alguém olhar pra mim e pensar: “Ela é exatamente o tipo de estranha que me excita”.
Ou, no linguajar contemporâneo: eu sou a sapiossexualidade dele. E sem nem precisar fingir normalidade.
Ser diferente dá trabalho. A curto prazo, você perde convites, perde validações, perde a sensação confortável de pertencimento. Mas ganha uma liberdade que não tem preço: a de ser fiel a si mesma. A longo prazo, você acumula algo muito mais valioso que um relacionamento estável ou uma aposentadoria tranquila — você acumula identidade. E isso vale mais do que qualquer reconhecimento que venha de fora.
Claro, tem dias em que a gente se sente irrealizada. Tem momentos em que bate o cansaço, a solidão, a dúvida. Mas aí olho pra trás, olho pra frente e, principalmente, olho pra mim. E olho também para o incômodo que eu causo nos outros — aquele olhar enviesado que diz: “Ela se acha demais”, quando na verdade é só inveja disfarçada de julgamento. Porque a minha liberdade escancara a prisão de muita gente. Minha ousadia cutuca a covardia de quem seguiu a cartilha. Minha autenticidade irrita quem passou a vida tentando caber.
E aí eu entendo que é exatamente isso que eu devo continuar fazendo: olhar pra mim, ouvir minhas vontades, respeitar meus ritmos — e seguir estranha. Porque o mundo precisa de gente que não se adapta. Gente que não pede desculpas por ser inteira.
Se é pra viver, que seja assim: estranhamente autêntica, perigosamente feliz — e irresistivelmente incômoda.
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Carlota sempre essa inspiração para as mulheres autênticas e verdadeiras. Amei o artigo.