PAPO RETO com Regina Azevedo

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Depois de um tempo, de um bom tempo, passei a criticar os que adjetivavam Pablo Capistrano como escritor da nova geração. O cara já quarentão, vários livros lançados, um tirarrei de novos autores na vitrine e continuava “escritor da nova geração”. Mas já estancaram. Já há buchichos até de merecida indicação à Academia Norte-rio-grandense de Letras, o que somaria 20 anos à sua idade – o preço para ser imortal. Autora legítima da nova geração e com alcunha preservada por mais uns bons anos é a poetisa Regina Azevedo. Isso porque, apesar do terceiro livro a ser lançado próxima semana, tem apenas 17 anos. Mas, por favor, não a classifiquem como “promissora”. Abaixo seguem poesias e até respostas à esse curto Papo Reto para atestar a maturidade de sua persona e de seus versos. Ah, e o Pirueta sairá com 80 páginas e duas opções de capa (uma laranja, outra roxa) e pode ser adquirido ao preço de R$ 30.

1. Pirueta. Por que o título?

Porque os poemas foram escritos numa fase de queda e dança. Dor e delícia. Muita coisa pessoal e forte aconteceu, como a morte da minha avó, o término de um namoro… e eu tive que aprender a andar com essa dor, aprender a, de fato, andar de novo. E esse caminho fiz dançando, desequilibrando, caindo. Pirueta pra mim é isso: o misto entre dor e dança.

2. Há mais inspiração quando há dor?

A dor é uma perturbação de estruturas, um tremor que às vezes significa retroceder, mudar de rumo, ruptura. Não imagino como seria viver em linha reta. Sou agitada. A dor inspira porque ela perturba – e o espanto, a perturbação, o incômodo e o encanto
…são matérias-primas da poesia.

3. Terceiro livro. Você sente algum amadurecimento no fazer poético ou foram apenas diferentes fases de vida?

Comecei a dar as caras, de alguma maneira, aos 12. Hoje tenho 17. Mas a vida da gente não se mede com a contagem dos anos: é, sim, uma bagagem de experiências. Eu vivi muito. Viajei. Amei. Quebrei o coração (não se conserta, aliás). Acreditei no amor de novo. Escrevi livros, fanzines, artigos. Fiz entrevistas com artistas que admiro. Vi as pessoas que eu mais amava indo embora. Vi a primeira mulher presidenta do país sendo deposta de maneira ilegítima. Então eu sou outra pessoa. A cada dia, a cada minuto. Os poemas mudam também. Hoje em dia pesquiso e leio muito mais que no início. Mas tento sempre conservar um dos dons principais do poeta, que tive bem aflorado aos 12: a ingenuidade. Como diria Holderlin: a poesia é uma das atividades mais ingênuas. E também mais perigosa.

4. Quando você se sente ameaçada pela poesia?

Quando Holderlin diz isso, ele diz porque, segundo o raciocínio de Heidegger, se expor ao que acontece no mundo com ingenuidade, ou seja, peito aberto, atenção e cuidado, é um perigo. Eu me sinto ameaçada pela poesia quando ela me desafia: quando, por exemplo, tenho dificuldade em traduzir algo para o verso. É a melhor parte do processo.

5. Para retratar esses dois momentos, você na estreia aos 12 e agora aos 17. Conte como surgiu o convite do Jovens Escribas para o primeiro livro, e agora, pelo selo paulista DoBurro.

Em 2012, durante a Ação Leitura promovida pela Jovens Escribas, mostrei meus poemas pra Daniel Minchoni e Carlos Fialho, disse que tinha interesse em publicar. Inclusive, no meu livro de estreia, pela Jovens Escribas, meus pais bancaram a tiragem (risos). Ambas as editoras trabalham com muito respeito, amor e parceria. Minchoni e Fialho foram os primeiros a me abraçar. Nada mais justo que publique com os dois, né? E uma honra. Eles são incríveis, incríveis.


POESIAS

if you wanna be my lover

você pelada é mais bonita
que um filé com fritas

tá me ouvindo

if you wanna be my lover
aprende a limpar a terra
com teu sopro

ceci n’est pas
amor de verdade
but if you wanna be my lover

if you wanna be
minha artista de circo

apaga a fogueira do inferno
com teus dedos sujos de gozo

if you wanna be my lover
se joga da janela
cai aqui perto de casa

if you wanna be my lover
diz que é elástica é selvagem
faz uma cambalhota
na sacada

e se perguntarem
if you wanna be my lover
você nem responde

 

Não existem portas nessa casa

Um dia estive na estrada esperando o futuro

E descobri que o amor se acaba aos poucos
como o derradeiro farelo da Terra na boca de um jacaré

E isso dói como dói uma cascata
direto nas costas castigadas de um povo

Mas é assim que caminha o mundo: numa corrida

Em uma hora alguém chega e há uma reviravolta de 360 graus
e sua pele 40, 50, mais que o Rio de Janeiro
E nunca se sabe de onde vem aquela pessoa

com quem você nunca sonhou
mas estará ao seu lado daqui a 5, 10
ou mil anos num túmulo de pedra

Também não se sabe a porcentagem de tempo
em que caminharão juntos
Nem se você estará ao lado de um assassino,

poeta ou vendedor de salgado

desses que ficam horas e horas na cozinha

e quando chegam em casa

têm cheiro de empada de camarão e você cheira e que delícia

Mas o amor se acaba aos poucos
E é preciso sempre esquecer isso
para que haja amor,
para que haja começo

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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