Você precisa conhecer a fotografia contemporânea desse artista potiguar

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Daniel Corcino tem exposição agendada para o próximo 28 de março no IFRN Cidade Alta

As artes visuais potiguares têm mostrado trabalhos densos em diversos áreas. Artistas muitas vezes desconhecidos, mesmo com trabalhos já lapidados. Talvez a falta de crítica deixe essa arte e seus autores fora da mídia e de repente até sem norte. Essa é uma mácula generalizada nas artes potiguares. Mas na música, nas letras sempre há quem arrisque alguns palpites e encubra de alguma maneira essa lacuna. Nas artes visuais não. A coluna de Vicente Vitoriano no Diário de Natal até reaparece nostálgica na lembrança.

Isso tudo para apresentar o trabalho de um artista visual desconhecido, mas com todo o lastro de um nome digno de reconhecimento. Daniel Corcino participou de algumas exposições ano passado, como o Salão Dorian Gray de Arte Potiguar, de duas coletivas no Departamento de Artes da UFRN e uma exposição individual na Reitoria da mesma universidade. Trabalho calcado na fotografia contemporânea manipulada pela criatividade e ferramentas digitais.

Ano passado, Daniel conseguiu acesso via edital e no próximo 28 de março terá a primeira oportunidade de mostrar para um público maior a sua produção. Será na Galeria do IFRN Cidade Alta. Na exposição, uma série inédita denominada Estruturas Voláteis. Mas para tornar o projeto ainda mais visto, o artista elaborou um projeto no Catarse para divulgar sua arte. Partiu do próprio Daniel a ideia de enviar um email para este Papo Cultura. E quando vi as fotografias fiquei realmente surpreso com a originalidade das obras e bati um papo com ele:

Seu trabalho transparece uma arte muito própria e amadurecida. Onde você estava esse tempo todo?

Poxa, fico agradecido pelo elogio, de verdade. Eu realmente me esforço para tentar fazer algo fora do lugar comum, faz parte de um incômodo pessoal eu ver que estou construindo apenas uma foto que já existe repetidamente e que eu não estaria acrescentando algo a mais ali, sabe? Quanto à maturidade, sem querer ser humilde, tenho total ciência que ainda estou no início, não me considero “maduro”, comecei a (re)construir fotos vai fazer um ano agora, é tudo muito recente. Talvez uma coisa diferente que ocorreu é que eu já gostava de arte (em especial, a moderna), aí quando tive a oportunidade de adquirir uma câmera (há pouco mais de 1 ano), comecei a descobrir mais a arte contemporânea e iniciei já partindo por uma abordagem menos formal. Desde então, me inquieto e vou procurando produzir novas coisas e acho que estou conseguindo evoluir um pouco nesse sentido, mas ainda tenho bastante a aprender e estudar, sem dúvida.

A contemporaneidade e alguma influência pop e até da arte cinética parecem marcar seu trabalho. Quais suas referências?

Bem, como falei anteriormente, a arte moderna chamou minha atenção, sendo que, a partir do ano passado, fui conhecendo e lendo mais a respeito da fotografia como arte contemporânea, compreendi melhor alguns quesitos conceituais e filosóficos, e me identifiquei com muita coisa. Confesso que não conheço em vastidão a arte pop, nem a arte cinética. Tenho apenas algumas noções, mas achei legal você ter falado dessas duas correntes, porque pensando bem algumas características delas estão presentes mesmo no que venho fazendo! Pode ser que elas me influenciaram também, só não me dei tanta conta disso. Bem, mas das referências que eu conscientemente possuo, acredito que são várias. Primeiramente, o trabalho de Magritte me fez enxergar de forma mais clara uma coisa que penso sobre a fotografia: a constante falseabilidade da realidade que é proposta a uma imagem. Para mim, não faz muito sentido falar em “momento decisivo” (estilo Cartier-Bresson). Nem busco capturar a essência, a pureza, a alma das pessoas ou coisas numa foto (tipo Walker Evans e toda uma galera mais “clássica”), porque para mim, em última análise, uma foto não passa de uma fixação (não inerte) de uma gama de eventos e circunstâncias que ocorreram no momento e local da foto. A manipulação do assunto, o ângulo, a exposição, um instante, o foco (e etc) sempre podem mentir muito sobre algo que estaria de fato ocorrendo ali. Não é o melhor exemplo, mas uma forma fácil de observar isso são os autorretratos atuais (ou selfies): quantas vezes uma pessoa não tira uma foto e manipula algumas coisas para aparentar um resultado final? Não há a Verdade, há possibilidades incontáveis de se construir ou entrar em contato com a imagem. E é não negando isso que tento “intensificar” isso pelas estéticas que venho fazendo. Então, aí volta a contemporaneidade no que faço. Eu tento não fazer algo que é apenas contemplativo, sabe? Há algum conceito, provocação por trás. Pelo menos eu tento… Algumas ideias, como essas que acabei de explanar, estão intrinsecamente ligadas às minhas produções. Não posso negar também que sou estudante de psicologia e acabo tendo contato com diferentes correntes filosóficas, isso também entra no bolo de minhas influências. Ademais, um fotógrafo contemporâneo que me ajudou também a chegar a essas conclusões é Georges Rousse; é possível ver que eu me inspiro diretamente no que ele faz. O dadaísmo me chama muito a atenção conceitualmente. Tenho aplicado mais algumas coisas também mais recentemente no que venho fazendo. Jerry Uelsmann, Duane Michals, Man Ray, André Kertész, Daniel Gordon e Matt Lipps são outras influências diretas ou indiretas para tudo que venho fazendo, seja na ideia por trás ou mesmo no resultado visual. Ou seja, nada que faço é “originalmente meu”, vou conhecendo muita gente a cada dia que passa e sendo influenciado por eles, e por isso repito que ainda tenho muito a estudar!

Qual tipo de manipulação você trabalha nas fotos? Ou depende das fotos?

Então, há alguns tipos de edições que faço, mas algo que fica óbvio ao ver minhas fotos é meu uso constante de manipulação digital. De acordo com o que quero passar na foto, eu escolho um estilo de edição mais simétrico ou desordenado, com cores invertidas e intensamente alteradas ou não, penso também na relevância ou não da presença de título em cada obra. Por exemplo, na série que irei expor no IFRN, eu capturo a foto pensando no conceito da série, na edição utilizo entre 5 a 8 etapas de manipulação da foto original entre 2 softwares diferentes. A intenção dessas etapas é fazer um corte calculado das fotos, mudar sua posição original, alterar suas cores de diferentes modos até que as estruturas originais se desfaçam. Mas uma coisa que está sempre presente em minhas edições é a experimentação, é daí que sai muita coisa inesperada e interessante. O que pode ser mais premeditado é a foto original, mas o resultado final é fruto de muitas experimentações nos softwares. E isso retoma minha ideia de que a fotografia é múltiplas possibilidades tanto no momento de tirar a foto, como também depois. Na hora da edição chego a ver dezenas de possibilidades de uma única foto antes de conclui-la. Acho isso ótimo! Isso acaba gerando um duplo movimento de tirar/editar fotos e refletir a respeito da fotografia.

Fale da sua exposição.

A exposição Estruturas Voláteis ocorrerá no período de 28/03 até 05/05 na galeria do IFRN Cidade Alta. Serão 20 fotos no tamanho 30 x 45 cm (ou 45 x 30 cm – na exposição, o espectador poderá decidir em qual posição as obras serão analisadas, elas poderão ser vistas em diferentes posições).

Conceito da exposição?

É uma série de fotografias construída para vibrar e rachar estruturas rígidas formadas na fotografia de paisagem, gênero que é banalizado e bombardeado no contexto presente de redes sociais. Nesse projeto, o que inicialmente poderia ser uma foto de beleza instantânea e pouco reflexiva se torna em experiências perceptuais voláteis e inconstantes. Propositalmente sem títulos, as fotos são resultado de um processo criativo inspirado por Manoel de Barros e pela Filosofia da Diferença, onde a potencialização de fluxos dissidentes e a “desinvenção” de objetos estão presentes. Ademais, Estruturas Voláteis propõe despertar múltiplas percepções e sensações a partir de uma interação direta com as mesmas, de modo a proporcionar um movimento contínuo durante a análise de cada uma. O título evoca essa proposta: uma estrutura é algo organizado, disposto de forma sólida, mas o contato dinâmico com as fotos traz um incentivo à volubilidade de resultados. Ainda, com o auxílio de manipulação digital, essa série também é uma provocação à própria fotografia mais “formal”, visto que revela a inexistência de uma dita verdade, um tempo ou momento perfeitos na foto, ressaltando como cada fotografia pode ser um jogo ambíguo com a realidade.

E sobre o projeto no catarse?

Então, você me perguntou no início onde eu estava. Por motivos financeiros, não mostrei até o momento tanto do que venho desenvolvendo, limitava-me geralmente a ficar apenas publicando em redes sociais como Instagram e Facebook, porque custa caro emoldurar e revelar em boa qualidade as fotografias e a realidade artística em Natal. Em muitos momentos, não é muito propícia para quem pretende conseguir retorno financeiro com sua arte. Tenho até uma nova série fotográfica que estou concluindo e adoraria concretizar, mas vou deixar guardada até que consiga dinheiro o suficiente no futuro para poder expor devidamente. Enfim, passei nesse edital de ocupação de galeria do IFRN em junho de 2016, aí decidi fazer esse projeto no Catarse (agora que está mais próximo), a fim de mais pessoas conhecerem a exposição, além de receber algum auxílio financeiro de todos aqueles que se interessem pela proposta. Ao mesmo tempo, serve para eu finalmente começar a dar vida e distribuir um pouco do que venho produzindo através das recompensas do site. Mas também estou totalmente aberto para outros tipos de propostas, desde comprar diretamente minha arte, ou quem sabe oferecer algum tipo de patrocínio para a exposição. No projeto do Catarse eu detalho as várias formas de poder entrar em contato comigo. Aliás, agradeço muito a oportunidade que você está me dando de falar um pouco sobre minha arte e o projeto do Catarse. Espero que isso ajude mais potiguares (e pessoas de outros locais) a conhecer o que venho construindo. Fico realmente feliz por esse espaço, ainda mais num site que, apesar de recém-lançado, já se mostra tão promissor e relevante para o nosso cenário cultural. Agradeço também a todos os leitores pela atenção!

Redes sociais de Daniel Corcino

Face: https://goo.gl/UWcPK5
Insta: https://goo.gl/MNfwhb
Catarse: https://goo.gl/mnrFzH

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

1 Comment

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas da semana