O anão do cine Rio Grande

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por Marcius Cortez

Vendia bombons, chocolates e doces em geral. Natal inteira o conhecia como o anão do cine Rio Grande. Media um metro e quarenta e pouco, se tanto. Vestia sempre uma calça de brim e uma camisa de manga curta na cor azul ou vermelha com o botão de cima aberto. Usava um relojão dourado no braço e gostava de dar bronca nos outros.

Seu auge coincidiu com o sucesso das chanchadas nacionais, principalmente os filmes estrelados por Oscarito e Grande Otelo nos anos cinquenta. Foi por essa época que ele se enturmou com a fina flor da boêmia natalense. (Bar Granada na Avenida Rio Branco e Confeitaria Cisne na Rua João Pessoa). Desse costume nasceu sua amizade com o General Leitão e foi aí que realizou o maior sonho de sua vida.

Numa tarde de sol ameno, Mané desembarca na sua pequena cidade, no agreste do Rio Grande do Norte, em carro de aluguel. A porta do táxi se abre e na pracinha da Matriz, desce Manezinho, solene, metido numa farda de Capitão do Exército Brasileiro. Logo se formou em torno dele uma corja de admiradores. O ilustre nativo então convidou todo mundo para o bar mais próximo. Após derrubarem uma centena de garrafas rumaram para a Maria Inês onde o Capitão, batendo continência, pôs ordem na casa: “Hoje quem paga sou eu. Quem está dentro não sai, quem está fora não entra”.

Na manhã do dia seguinte, o nobre oficial acordou feliz na cama abrilhantada pela presença das irmãs Susete, Suzana e Sofia. Mas como era domingo, o garboso soldado da pátria tinha um compromisso inadiável. Pegou o ônibus para Natal, levando um saco como bagagem.

Na calçada do cinema Rio Grande, cigarro no bico, eis o Mané de prontidão a nos oferecer com exclusividade chocolates Refeição, pastilhas Garoto, dropes Dulcora, biscoitos Duchen e balas de hortelã Pipper. A galera estranhou, pois nunca vira Mané tão serelepe. Mas é o que acontece quando apenas por um dia somos o tobogã da pracinha, a calda de chocolate quente na torta holandesa, a gargalhada estrepitosa na noite escura.

Soube que voltou ao Granada. Quando puxou do bornal as fotos da sua farra, o bar veio abaixo. Na farda que arrumaram para ele cabiam três Manés, aquilo era mil vezes mais engraçado do que Oscarito e Grande Otelo. No meio da algazarra, devolveu o uniforme ao General e beijou a mão do meu padrinho antes de sair do bar como se fosse uma banda festejando a eternidade.


FOTO: Jaeci
Marcius Cortez

Marcius Cortez

Cinco livros publicados e o jogo ainda não acabou. Escrever é um embate que resulta em vitórias, derrotas e empates. O primeiro livro de Borges vendeu apenas 37 exemplares. O gol é quando encontramos um significado que melhore a realidade.

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1 Comment

  • Leda Orsi

    Adorei esse texto e a imagem do Cine Rio Grande!

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