Ya, Mon! Wah Gwaan?!
Traduzindo do “jamaicanês”: e aí, beleza! Tudo na paz?
O tema do texto de hoje passa justamente por todo arcabouço cultural inserido a partir da cultura jamaicana em seu líquido alcoólico mais singular, o rum!
Trazendo para a cultura cervejeira, ainda que um tanto quanto restrito, já se nota o uso de barril ex-rum em algumas cervejas, particularmente em Imperial Stout’s.
Meu primeiro contato com uma cerveja nesse estilo foi a Odyssea da Trilha, que era ex-rum, mas não especificava se jamaicano. De toda forma, foi uma boa porta de entrada para o universo das cervejas que possuem esse toque singular do destilado em questão.
Mais recentemente, tive a oportunidade de degustar uma cerveja que foi parcialmente envelhecida em barris ex-rum jamaicano, com uma outra parte envelhecida em barris ex-bourbon. Ainda que não seja uma “puro sangue”, isto é, envelhecida apenas em barris que contiveram um dia o destilado oriundo da ilha caribenha, ela foi um belo exemplar sensorial do que se pode esperar de cervejas desse naipe.
Então, vamos discorrer um pouco mais sobre as características sensoriais das cervejas envelhecidas em barris ex-rum jamaicano para poder saber o que se pode esperar delas.
Semelhanças e diferenças dos barris ex-rum com barris ex-cachaça
Existem bastante similitudes entre os destilados símbolos da Jamaica e do Brasil, respectivamente, rum e cachaça.
A primeira e mais expressiva delas, que dá grande parcela das tonalidades sensoriais é a sua matéria-prima: a cana-de-açúcar. Tanto o rum quanto a cachaça são feitas com a cana, dado o modo de cultivo da monocultura em ambos os países (um retrato cultural da colonização do caribe e do Brasil em tempos pretéritos).
Esse elemento primordial da produção dos dois destilados é o que confere um perfil fortemente herbal a ambos. Algo que também perdura nos líquidos resultantes de envelhecimento em barris que os contiveram.
O principal desdobramento disso, e também de outras particularidades relacionados ao tipo de madeira e também ao terroir próprio de cada localidade, são as notas sensoriais empireumáticas daí advindas. Sobre essa particularidade, recomendo a leitura desse outro texto, em que explanei mais detidamente o assunto: CLIQUE AQUI.
Já a principal diferença existente entre a cachaça e o rum, em termos de produção (já que existe a produção da denominação de origem da cachaça, a qual só pode ser produzida no território brasileiro, algo que inexiste no rum, que pode ser feito em qualquer lugar do globo), diz respeito do subproduto da cana utilizado na destilação. No rum, é utilizado o melaço, resultante do processo de refino do açúcar (da cana). Já na cachaça, é feita a destilação da garapa, que é o suco da cana fresco. As implicações dessas diferenças são bem singulares, e serão mais bem analisadas a seguir.
O perfil sensorial das cervejas Ex-Rum (jamaicano)
Em virtude das peculiaridades abordadas na seção anterior, pode-se estabelecer que uma cerveja envelhecida em barris que contiveram rum (principalmente o jamaicano), terão algumas particularidades sensoriais. À primeira vista, quem nunca teve a oportunidade de degustar um rum jamaicano (provou apenas os cubanos, que também são bastante famosos, camarada!), pode estranhar bastante o perfil empireumático, até mesmo confundindo-o com um defeito.
Todavia, a confusão é meramente aparente.
O perfil empireumático é algo tido como defeituoso em algumas destilações incompletas, principalmente em vodcas ou whiskies. Contudo, em várias bebidas, como nos vinhos de Rioja feitos com a uva Tempranillo, ou até mesmo no icônico Screaming Eagle feito com a Cabernet Sauvignon, de Sonoma County, passando pelas cachaças mais refinadas do Brasil, os toques empireumáticos são bem vindos e agregam complexidade.
O mesmo acontece com o rum jamaicano, conhecido por tais notas, por ser bastante herbáceo e tendo até mesmo notas iodadas e medicinais em algumas variantes.
Para além disso, cervejas envelhecidas nos barris em relevo também são dotadas de notas marcantes de banana passa, café e melaço. Isso ocorre, justamente, como já destacado, pelo fato de o rum ser um destilado do melaço (e não da garapa). Assim, notas pacificadas, bastante adocicadas e caramelizadas são bem características das cervejas que tem contato com a madeira embebida no rum.
As cervejas advindas do envelhecimento em apreço também costumam ser bastante esterificadas e fenólicas. Algo advindo das técnicas de destilação jamaicanas. Outro ponto do terroir a ser ressaltado, é a alta carga de calcário nos solos da região, o que faz com que o destilado seja mais “pesado”, agregando sabores minerais únicos ao destilado, fazendo, consequentemente, que as cervejas tenham um toque diferenciado nesse aspecto.
Saideira
Existe uma gama de fatores que são capazes de influenciar no resultado final de uma cerveja. A questão do envelhecimento em barris é a mais nova fronteira da criatividade cervejeira e tende a ser o seu mais largo horizonte de expansão para os próximos anos.
Dentro do filão do envelhecimento, o uso de novas madeiras e de diversos destilados ou fermentados que esses barris um dia abrigaram é também mais um fator de diversificação sensorial e também de vazão da criatividade produtiva. Por causa disso, acredito que o uso de barris ex-rum tende a ser ainda mais salutar para o desenvolvimento e cervejas mais complexas ainda.
A particularidade de barris ex-rum jamaicanos agrega ainda mais valor ao produto final, dadas as suas particularidades produtivas e de peculiaridades locais de seu terroir. Ele é um produto tão singular que é necessário conhecer bem o destilado para não se pensar que a cerveja resultante do envelhecimento não está com algum problema ou contaminadas.
O rum jamaicano é realmente um destilado ímpar e cervejas envelhecidas em barris que um dia o abrigaram são derradeiramente diferentes e com um perfil sensorial esplêndido. Sua prova é quase que mandatória para quem deseja conhecer novos aromas e sabores nas cervejas.
Recomendação Musical
Já que o tema central é o uso de barris que contiveram rum jamaicano para a produção de cervejas, obviamente, a recomendação musical não pode passar longe do outro principal produto de excelência e exportação da ilha caribenha: o reggae!
Por suposto, a recomendação tem que fazer jus ao mestre no estilo, Bob Marley, com a que deve ser (uma das) sua música mais conhecida: Is This Love?
Apreciem o reggae com um bom rum jamaicano (ou com uma boa cerveja de barris ex-rum)
Saúde
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FOTO: Postada no blog Boteco e Cerveja