Foi lançado, no último dia 9 de dezembro, em Natal, o livro Em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal: a vida intelectual natalense (1889-1930), da professora e pesquisadora Maiara Juliana Gonçalves. Obra interessantíssima para quem deseja conhecer mais sobre a movimentada vida intelectual na província, sobretudo no começo do século XX.
Na obra, fruto da sua dissertação de mestrado (UFRN), sob a orientação do professor doutor Raimundo Arrais, Maiara nos traz um panorama do final do século XIX início do século XX, quando Natal era uma cidade um tanto acanhada e subdesenvolvida, quase um povoado, sua área urbana restringia-se praticamente ao quadrilátero formado pelas atuais ruas Apodi, Ulisses Caldas, D. Pedro I, a Avenida Rio Branco e o rio Potengi.
Sem movimento comercial, sem indústria, sem recursos, éramos praticamente dependentes da capital pernambucana, onde realizávamos todas as nossas transações e para onde as famílias abastadas, mandavam os nossos jovens que se destinavam à carreira jurídica. E eram eles, que ao retornar, faziam-se de porta-vozes das novidades literárias do Brasil afora.
No livro História da Cidade do Natal, Câmara Cascudo refere-se à situação da capital nessa época, com a seguinte frase: “A cidade do Natal, fundada no século XVI, nasceu no século XX. Os intermediários são períodos de história guerreira, política ou dorminhoca. Faz de conta que não existiram”. É justamente nesse período que Cascudo se refere, de “nascimento” que Maiara vai abordar a cena intelectual natalense, com seus escritores surgindo em efervescência juntamente com inúmeros periódicos e atividades intelectuais.
Em cada esquina um poeta, em cada esquina um jornal (Editora Autografia, Rio de Janeiro, 2022), nasceu preenchendo uma lacuna importante em nossa historiografia literária, de um período pouco conhecido da maioria dos norte-rio-grandenses.
Embora tímida, Natal não era uma cidade “parada”, como nos relata a pesquisa, primeiramente, porque, em forma de poemas, artigos, contos e crônicas, a literatura nasce no Rio Grande do Norte, mesmo que de modo acanhado, em meados do século dezenove. As festas populares realizavam-se com muita vivacidade, atraindo, inclusive, grande número de pessoas residentes nos sítios da circunvizinhança. Lapinhas, pastoris, fandangos, bois-calembas e outros autos e folguedos faziam o encanto daqueles tempos.
Havia intensa vida boêmia. Faziam-se serenatas, que se prolongavam pela madrugada. Não faltavam modinheiros e trovadores, além de um variado número de poetas anônimos. Aos poucos foram se revelando figuras que logo conquistaram a simpatia do povo pelos versos e modinhas que cantavam, de sua própria autoria e de outros poetas. Alguns estrearam nos jornais locais: Antônio Areias (que chegou a publicar um livro em 1875), Joaquim Guilherme e Moreira Brandão, também político, chefe do partido liberal (conhecido como Byron norte-rio-grandense), foram poetas que se destacaram na capital nesse período.
Também se distinguiram no Estado os poetas abolicionistas mossoroenses Paulo de Albuquerque (1844-1902) e Almino Afonso (1840-1899), Antônio José de Melo e Souza (1867- 1955) que primeiramente se destacaria como jornalista em A República com o pseudônimo de Polycarpo Feitosa escrevendo artigos sobre a educação da mulher, Ezequiel Wanderley (1872- 1933) que tem o mérito de ser o primeiro a fazer uma antologia poética no Estado, Poetas do Rio Grande do Norte, publicada em 1922, reunindo praticamente todos os poetas da época, Ferreira Itajubá (1876-1912), Gothado Netto ( 1881-1911), Aurélio Pinheiro (1882-1938) que estreia na revista Oásis em dezembro de 1899 com um soneto dedicado a Lemos Filho, Anna Lima (1882-1918), Juvenal Antunes (1883- 1941), todos estes produzindo intensamente antes do século XX, são figuras presentes no livro de Maiara.
Nesse período, surgiram outros importantes nomes: Luiz Carlos Lins Wanderley, o primeiro romancista do Estado, também o primeiro médico potiguar. Autor do romance Mistérios de um Homem Rico, publicado, segundo Cascudo (em uma Acta Diurna) em 1872. Anteriormente ele já tinha lançado na Bahia, quando era estudante de medicina, Lira do Amor, livro de poemas, (1857); Segundo Wanderley (1860-1909), que foi, junto com Auta de Souza (1876-1901), um dos poetas mais populares do seu tempo; Martins de Vasconcelos (1874-1947), nascido em Apodi, mas radicado em Mossoró, que com seu livro Histórias do Sertão (1918), seria o primeiro potiguar a ter um livro de contos publicado.
Por fim, mas não menos importante, uma das principais figuras da nossa cena literária: Lourival Açucena, cujo talento acabou conquistando a todos, inclusive intelectuais do porte de Henrique Castriciano (1874-1947). Irmão de Auta e Eloy de Souza, Henrique foi o criador de uma lei estadual importantíssima, em 06 de agosto de 1900, que previa a edição de livros úteis à cultura potiguar, dando oportunidade para muitos escritores locais terem suas obras publicadas. Henrique Castriciano lançou seu primeiro livro de versos, Iriações em 1892, com apenas 18 anos de idade, tornou-se então, o mais jovem potiguar a ter livro publicado.
Estas e outras informações, fruto da pesquisa, estão presentes no livro de Maiara Juliana Gonçalves, num trabalho de fôlego, que merece reconhecimento de toda comunidade, pois, com certeza a obra é importantíssima para se conhecer melhor da nossa história literária.
CRÉDITO DA FOTO: Miguel Sampaio