Na última vez em que vi meu tio-avô, eu tinha menos de oito anos e os anos noventa ainda não tinham chegado. Antes disso, eu o tinha visto aos cinco ou seis anos. Curiosamente, nas duas últimas vezes em que nos encontramos, ele já estava morto.
Tenho poucas lembranças de sua figura ainda vivo. Aliás, uma apenas: eu batia em sua cabeça com um de meus brinquedos, ele gargalhava, eu sentia raiva. Não muito depois, meu tio-avô foi levado ao hospital para tratar de uma doença da qual não me lembro.
Às vésperas de ter alta, ele levantou-se à noite, mesmo contra as recomendações médicas e caiu, movido pela teimosia inveterada que corre nas veias de todos os meus parentes. Bateu a têmpora em algum lugar e não voltou se colocar de pé, senão na penúltima vez em que o vi.
Em minha família, falamos quase nada sobre o passado, por isso, raríssimas vezes mencionamos meu tio-avô ao longo destes mais de trinta anos, fosse para elucidar sua doença ou para falar de sua vida, o que incluiria a curiosidade de sua morte.
Numa manhã de meus cinco ou seis anos, eu brincava no quintal, próximo à goiabeira, num quartinho de tijolos aparentes. Ao olhar para cima, estava meu tio-avô de pé, já passado algum tempo de sua morte, a sorrir enquanto me via brincar.
Não tive medo.
Gastamos alguns miúdos de tempo nos encarando amistosamente quando saí para avisar a minha mãe que ele estava de volta. Não o encontramos mais naquele dia. Minha mãe e avó acreditaram em mim e se limitaram a perguntar como ele estava e alguns detalhes de que mal me lembro, turvados pela neblina da memória. Hoje, sei que me recordo mais da lembrança do que dele.
Demorou para que nos encontrássemos de novo.
Foi quando nos mudamos da casa onde ele havia morrido e que, de alguma maneira, eu também morrera pela primeira vez.
Os poucos móveis apeados na carroceria aberta do caminhão, algumas caixas, tralha e uma cadeira de balanço presa a uma corda. A cadeira de tiras amarelas em que ele costumava sentar-se demoradamente e onde estava enquanto eu batia-lhe com raiva na cabeça com um brinquedo e ele ria.
Meu tio-avô não disse coisa alguma. Não me acenou nem eu acenei a ele. Ambos éramos silêncio e contemplação, respeito por aquele novo momento que selava nossos encontros e despedidas. Não nos demos adeus, mas sabíamos que era uma despedida. Duas, para bem da verdade: meu avô se despedia da antiga casa e eu dizia adeus à inocência de minha infância.
2 Comments
E verdadeiro, meu amigo!
Relato interessante, Theo!