Há mais de quinze dias estamos em quarentena. Não saberia dizer ao certo quantos dias são, mas os suponho mais de quinze e menos de dez mil. Precisar o número de dias em tempos assim não é das tarefas mais simples. Fato é que há mais de duas semanas não ando pelas ruas nem saio de casa para o trabalho ou vejo as pessoas de meu convívio fora de casa.
Estar entre estas paredes sempre foi um de meus desejos mais constantes: entregar-me por dias inteiros ao dolce far niente, à ociosidade dos dias, agrupar as horas pela vontade de comer ou dormir. No entanto, estar-me obrigado à casa, confinado entre a sala e a varanda dá o componente de aflição que não esperava para meu retiro.
Imaginei que seriam dias para ler, escrever, ver filmes e ouvir os discos que eu tanto esperava. Cheguei a acreditar que poria a andar a fila de livros que esperavam por dias mais livres já havia tanto. Listei obras de toda uma vida de diversos diretores e atores para minhas sessões de cinema. E, passados mais de quinze dias, os livros ainda esperam em fila, os discos seguem em silêncio e os filmes dormem sob efeito de remédios. Os livros que pensei em escrever são agora menos livros do que eram antes, porque nem ideias são mais.
Nada tem andado nestes tempos de quarentena. O teletrabalho ainda organiza um tanto de minha rotina, mas o cumpro desorganizadamente e mesmo as horas de sono espalham-se pelos dias e fogem das noites com frequência. A quarentena não nos silencia, mas entope a garganta de uma angústia que – em mim, neste momento – ainda não serve para coisa alguma.
Ao contrário. Chego a me arrepender, por exemplo, dos livros que li. Imagino que se tivesse me atido a quatro ou cinco títulos – algo entre Borges, Cervantes, Machado de Assis e Gide – e os tivesse relido inúmeras vezes a ponto de citá-los de cor e dizer em que páginas estavam marcados estes ou aqueles pensamentos, relendo-os sem precisar abri-los outra vez, talvez me angustiasse menos agora. Não sentiria a necessidade de ler algo pela primeira vez e repassaria, de memória, as façanhas de Brás Cubas enquanto mantenho fixos os olhos à janela. A urgência seria menor. A angústia seria menor. E a sensação de que o tempo segue inutilmente não me traria comoções.
Mais uma vez volto a desejar jamais ter escrito uma única linha. Cogito não ter escrito como uma saída à ansiedade: satisfazer-me com os livros muito mais bem feitos por outros. Usar um verso de Borges para dizer o que sinto em lugar de tentar escrever um verso meu, que serve muito mais aos outros que a mim. Se nunca tivesse escrito em meio à correria dos dias, nos pequenos intervalos em que tudo é morto menos o verso, eu não pensaria em escrever agora – como o faço nesta croniqueta, que de quase nada serve.
A verdade é que esta quarentena nos dá tanto a dizer, mas não deixa que muito seja dito.