Natal padece de esquecimento. A cidade construída de costas para o Rio dá as costas também para seus valores culturais. Este 2021 marca o centenário do escritor mais lido do Rio Grande do Norte: Homero Homem, o “nosso Homero”, como cita o imortal escritor e crítico Manoel Onofre Jr. Para não passar em branco a data, nosso blog posta três poemas e uma carta de Homero enviada ao próprio Onofre, com alguns dizeres do nosso colunista. Segue abaixo:
Por Manoel Onofre Jr.
Durante alguns anos tive a satisfação de manter correspondência epistolar com o mestre Homero, que costumava, de vez em quando, enviar-me também folhetos e recortes de jornais, com matérias de interesse literário.
Meses antes de morrer, já padecendo do câncer que o levou, mandou-me uma espécie de pôster estampando dois poemas de sua autoria, publicados no jornal “O Estado de São Paulo”, e um outro, que ele datilografou, juntamente com o seguinte bilhete manuscrito:
Leblon – Dez. – 89
“Querido amigo Manoel Onofre Junior, não veja neste pôster (ilegível) nenhuma notícia fúnebre. Pelo contrário, retorno ao trabalho com a mesma disposição de antes. Rezo para que nosso livro saia em março e fique pronto um pouco antes. Diga ao pessoal da Clima que nunca (ilegível) editor de meus livros, pelo contrário. Quanto ao Woden, sei que tem palavra firme. Com a amizade de sempre, seu amigo Homero Homem lhe deseja um Ano Novo cheio de paz e progresso pessoal e familiar – falo, naturalmente, em nome de todos aqui em casa. O poema “Casa” foi pensado na Serra da Bocaína- SP e escrito às vésperas de me internar no Hospital.
Os outros dois foram ditados à minha mulher, já hospitalizado. Seu velho companheiro de letras e constante leitor – Homero.”
Vejamos os poemas a que se refere:
SALMO DO OPERADO
Cristo meu e Senhor,
cura a minha carne,
salva-me pela dor.
Cristo, nosso Senhor,
penetra-me corpo e alma,
salva-me pelo amor.
A CASA
Aqui é a Casa.
Seja bem-vindo.
Descanse os pés.
Recolha as asas.
Verde tesouro
de água silente,
a mão em concha
é bebedouro.
Menino lindo,
ragazza de ouro,
pegue seu corpo
e ligue à alma
De terra e ar
é feita a Casa.
Use seus pés.
Conserve as asas.
A FLOR COLOSTÔMICA
Pós/ operado no Hospital do INAMPS
em Ipanema
tomo meu primeiro banho de chuveiro.
Nu como Job, rico de cicatrizes
lavo a colostômica flor de tripa rubra
recem-aberta,
lado par,
à altura do meu flanco.