Em memória de Wilton Queiroz, “um ser maior”

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Faz sete dias que Wilton Queiroz partiu (31/10/2020). Deixou um rastro de tristeza e saudade nos nossos corações (05/04/1946 – 31/10/2020).

Conheci o Wilton durante os jogos universitários brasileiros em julho de 1972, em Fortaleza. Ele, 26 anos, era professor da UFRN e eu, com 20, cursava a Faculdade de Direito da UFCE.

Casei-me, em julho de 1974, com o “gênio”, apelido dado a ele por seus colegas e professores da Faculdade de Estatística por ele solucionar problemas matemáticos complexos com maestria.

Por dois anos, moramos no Rio de Janeiro, período do seu mestrado no IMPA. Recebeu convite de várias universidades americanas para cursar o doutorado, mas nessa época, o governo ditatorial brasileiro vetou bolsas de estudo do CNPq e saídas “desnecessárias” para cursos no exterior.

Wilton era um ser desprovido de vaidade. Embora com um currículo invejável, nunca divulgava seus méritos. Era de uma simplicidade que beirava ao exagero. Foi monitor e laureado no Curso de Estatística da Universidade Federal do Ceará. Logrou o “primeiro lugar” em concursos para a Petrobras (Pesquisa Operacional), Sudene e outros. Renunciou a cargos com salários elevados em empresas em favor da profissão de professor da UFRN.

Solidário, não media esforços para assessorar alunos e professores mais necessitados de conhecimentos, como também ajudava a outros que precisassem de um suporte financeiro.

Também ajudava a outros que precisassem de ajuda financeira. Abrigou no nosso pequeno apartamento no Rio de Janeiro, jovens nordestinos de todas as classes sociais que estivessem desempregados ou com alguma dificuldade naquele período de chumbo.

Via em cada ser humano o seu melhor. Generoso, abrigava, em nosso pequeno apartamento no Rio de Janeiro, nordestinos que estivessem desempregados ou com alguma dificuldade naquele período de chumbo.

Usava cabelos longos e tinha um sorriso fácil, apesar de tímido. Era um amante da música e curtia desde Bach, Mozart aos melhores sambistas cariocas. Colecionava todos os Long Play de Cartola, Paulinho da Viola e Tom Jobim e sempre os ouvia acompanhado de uma taça de vinho. Tinha como hobby a fotografia e a flauta. Era tão emotivo que a lágrima jorrava fácil ao ouvir uma bela canção. Aos domingos, não perdia um jogo do Flamengo no Maracanã.

Chegamos a Natal em 1976, cidade onde nasceram nossos filhos Alexandre e Raquel. Foi um pai amoroso e dedicado. Os filhos e eu o chamávamos carinhosamente de “Mô”, abreviatura de Amor.

Depois de vinte e cinco anos de convivência harmoniosa, nos separamos amigavelmente. Choramos abraçados por essa tomada de decisão. Com o tempo, cada um refez sua vida. Mesmo separados, éramos muito amigos e mantivemos o respeito e admiração um pelo outro. Como diz Rubem Braga: “Não haverá borboletas se a vida não passar por longas e silenciosas metamorfoses.”

As lembranças e as histórias sobre “Mô” dariam um livro. Sua mãe morreu poucos dias depois do seu nascimento em consequência do parto. Seu pai levou os três irmãos para o sertão do Maranhão e deixou o pequeno caçula na minúscula Guaiúba, no Ceará, sendo cuidado pela família Cavalcanti.

Dois anos depois, o pai voltou para resgatá-lo, mas as mães/irmãs Waldízia, Raimunda e Margarida não permitiram esse desfecho. Vale ressaltar que o reencontro com os irmãos de sangue (dois deles analfabetos) se deu apenas depois de seis décadas.

O câncer de estômago chegou sorrateiro e invasivo (metástase) não permitindo que ele continuasse a ajudar a comunidade científica acadêmica acadêmica, como também aos pescadores da praia de Caraúbas.

Nossos netos (Vitória, três anos, e Gabriel, dois) perderão o convívio físico com esse ser maior, mas honrarão esse avô através dos relatos que lhes chegarão.

Agradeço a Deus pelo privilégio de ter convivido com esse ser de luz e de termos construído uma história de vivências afetivas.

Findo aqui, dizendo que o céu é pequeno para esse ser maior.

Tereza Custodio

Tereza Custodio

Graduada em Letras pela UFRN. Professora aposentada pelo IFRN. Escreveu romance, novela, literatura para crianças e literatura de cordel. Recebeu premiação por algumas obras literárias. Participou de antologias e coletâneas nacionais e internacionais com contos, crônicas e poemas. Membro de entidades literárias e presidente da UBE/RN.

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2 Comments

  • Jeanete Alvea Moreira

    Ninguém melhor do que você Tereza para falar da luz que Wilton irradiava. Realmente o céu está muito mais iluminado.

  • Alexandre

    Emocionei-me com a história.
    Ele era assim mesmo: Simples, sábio e amigo de todos. Do empresário ao pescador fazia amizades sinceras e duradouras.
    Hoje só temos coisas boas para contar.

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