Exorcizando a violência: o cinema de William Friedkin

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Vou confessar que sinto saudade dos filmes policiais realizados entre as décadas de 1960 e 1990. Eram filmes nos quais o enredo mostrava o passo-a-passo de uma investigação policial, com direito a eletrizantes cenas de perseguição de carros e tiroteios. Havia também aqueles nos quais acompanhávamos o esforço de um detetive particular para desvendar um crime, ou ainda um personagem que se dizia inocente e fazia de tudo para achar o verdadeiro culpado. Eram tramas que mesclavam suspense, ação, um pouco de romance e muita violência. Bullit (1968), Perseguidor Implacável (1971), Klute – o passado condena (1971), Chinatown (1974), 48 Horas (1982), A Testemunha (1985), O Ano do Dragão (1985), Os Intocáveis (1987), Vítimas de uma paixão (1989) e O Diabo veste azul (1995) estão entre os bons filmes desse gênero.

William Friedkin foi um diretor com mão precisa para filmes policiais. Realizador do icônico Operação França (1971) – vencedor de cinco Oscar, incluindo melhor filme e melhor diretor –, e dos excelentes Parceiros da Noite (1980) e Viver e Morrer em Los Angeles (1985), esse amante da música erudita (que, pasmem, chegou mesmo a abraçar o mundo da ópera) criou cenas antológicas, tanto em longas como em séries de TV (vide CSI).

Com a notícia de seu falecimento, no dia 07 de agosto, resolvi rever Viver e Morrer em Los Angeles (To Live and Die in L.A.), cujo roteiro foi escrito a quatro mãos por Friedkin e Gerald Petievich (agente do Serviço Secreto Norte-Americano e autor do livro no qual o filme foi baseado). No material extra do DVD (um excelente making of de quase meia hora, além de uma cena deletada e um final alternativo), pude comprovar o clima visceral que cercou as filmagens, uma vez que Friedkin não costumava ensaiar nem refazer tomadas. Ele deixava as câmeras ligadas e seguia captando os gestos espontâneos dos atores, que em muitas cenas dispensaram os dublês e mandaram ver em lutas e perseguições bem autênticas. A violência é exacerbada, com inúmeros tiros à queima roupa, remetendo à franquia Desejo de Matar, estrelada por Charles Bronson.

Viver e Morrer em Los Angeles aborda o dia-a-dia de agentes do Serviço Secreto. Eles têm responsabilidades variadas, desde escoltar o presidente até perseguir falsificadores de dinheiro e cartões de crédito. O protagonista é o agente Richard Chance (William L. Petersen), um cara que vive cada momento intensamente e adora desafiar a morte (parece até que Mel Gibson se inspirou nesse personagem para dar vida ao Martin Riggs, de Máquina Mortífera). Chance é o protótipo do anti-herói que não mede esforços para conseguir seus objetivos, mesmo burlando a lei, se preciso for. Ele segue firme na cola do artista plástico e falsificador Rick Masters (William Dafoe), responsável pelo assassinato do seu parceiro das antigas, aceitando a contragosto a nova parceria com o agente John Vukovich (John Pankow). Em meio à adrenalina da profissão, Chance ainda tem um rolo com Ruth Lanier (Darlanne Fluegel), forçada a ser sua informante em troca de não ter sua condicional revogada.

Para conseguir veracidade absoluta, Friedkin tomou como consultor um ex-falsificador. O cara reproduziu todo o processo de falsificação de dinheiro (a cena em que William Dafoe prepara as chapas, mistura as tintas, imprime e corta as notas e se livra do número de série original é maravilhosa, mostrando que aquilo era trabalho para um artista de fato), e assim eles fizeram várias notas de 20 dólares, as quais foram queimadas em uma cena do próprio filme (embora o IMDb informe que algumas das notas falsas chegaram a entrar em circulação no país, e o Serviço Secreto seguiu apreendendo-as por um bom tempo após o término das filmagens). Além disso, o diretor optou por utilizar uma penitenciária da Califórnia entre as locações, valendo-se de seus detentos como figurantes.

Friedkin chegou a comentar que um dos seus temas preferidos era mostrar a linha tênue entre os policiais e os criminosos. E que Viver e Morrer em Los Angeles não é apenas um filme sobre dinheiro falsificado, mas sobre relacionamentos espúrios.

Apesar de ter sido lançado em 1985, Viver e Morrer em Los Angeles traz alguns pontos bem atuais. O primeiro deles é o terrorista árabe que pretende explodir o prédio no qual está o presidente dos EUA (eles fugiram do clichê da época, que seria o agente russo da KGB), depois são mencionadas as Ilhas Cayman (já como uma referência à lavagem de dinheiro), e ainda há alusão a um trisal.

Quem também atua nesse filme é John Turturro, Dean Stockwell e Robert Downey (sim, o pai do Homem-de-Ferro!). Os dois últimos foram os únicos atores mais famosos do elenco na época, porque Friedkin preferiu trabalhar com atores em início de carreira.

Na sua estreia, Viver e Morrer em Los Angeles teve uma boa bilheteria, mas a crítica o esnobou. Atualmente, ganhou status de filme cult pela forma ousada como foi feito, e segue entre os melhores trabalhos do diretor de O Exorcista, que completaria 88 anos no dia 29 desse mês.

Milena Azevedo

Milena Azevedo

Mestre em História (Unisinos/RS), já foi professora e empresária, e desde 2005 milita no campo das histórias em quadrinhos. Atualmente segue como diagramadora, letrista e roteirista de HQs e games, com trabalhos publicados em coletâneas locais, nacionais e em Portugal e Angola, finalistas do Troféu HQ Mix, do Troféu Angelo Agostini e da categoria Quadrinho Alternativo do Festival de Angoulême (França), entre eles: Visualizando Citações - vols. 1 e 2, Fronteira Livre, Máquina Zero - vol.2, Imaginários em Quadrinhos - vol. 4, Haole (webcomic), Amor em Quadrinhos, Penpengusa, Contos Urbanos e Café Espacial #19. Vencedora do Troféu Angelo Agostini de 2019 (Melhor Lançamento) e dos HQ Mix de 2019 e 2020 (Melhor Publicação Mix e Melhor Publicação Aventura/Terror/Fantasia) com Gibi de Menininha 1 e 2. Em 2022, roteirizou as HQs “Oscar e o Pan de 87” e “Viúva Veneno”, ambas publicadas pela editora Ultimato de Bacon. Também criou a webtira Aprendiz de Bruxa, em parceria com Ju Loyola, e atualmente a parceria segue com a desenhista Mari Santtos. Em 2018, fez sua estreia na literatura infantojuvenil com o livro Dara, Dora e as estrelas, escrito a quatro mãos com Glacia Marillac.

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