Quando morei nas Rocas, na minha infância, três ritmos ficaram marcados em minha mente: a batida do “xangô”, os hinos da Igreja Assembleia de Deus e o som da bateria da escola de samba Balanço do Morro.
Próximo dos fundos da casa onde morávamos, na Rua Santo Antônio, havia o “xangô” de Zé Leão. Era assim que chamávamos aquele culto afro-brasileiro.
À noite, começava a batida do atabaque que, até hoje, ressoa na minha mente. Pelo barulho, era percutido somente pelas mãos. Começava lento e, aos poucos, aumentava-se o ritmo: tum, tá, tá, tá, tá, tá, tum! Tá, tá, tá, tá, tá, tum! Ficava imaginando que pessoas deviam estar rodopiando no salão em transe, olhos fixos no nada, braços frenéticos cortando o ar. Continuava: tum, tá, tá, tá, tá, tá, tum! Tá, tá, tá, tá, tá, tum! Tá, tá, tá, tá, tá, tum! Tá, tá, tá, tá, tá, tum! Até hoje consigo reproduzir a batida sobre alguma superfície mais rígida.
Aos domingos, pela manhã, acordava ao som de “eram cem ovelhas juntas no aprisco”, e o lindo hino continuava suave até o verso final: “curou suas feridas, pôs logo em seus ombros e ao redil voltou”. Por causa desse cântico, tive a curiosidade de fazer buscas no dicionário. Afinal, o que seriam “aprisco” e “redil”? São expressões sinônimas para curral destinado ao abrigo das ovelhas que remete, metaforicamente, por óbvio, ao seio da igreja, lugar dos fiéis (ovelhas). Às vezes, acordava com o “foi na cruz, foi na cruz que um dia eu vi meus pecados castigados em Jesus; foi ali pela fé…”. Hino lindo! Como esses cantos conseguiam me acordar? Saíam da corneta do alto-falante da Igreja, popularmente conhecida como “boca de ferro”. Nossa casa ficava perto do Templo. Então, eu já acordava “abençoado”.
Em contrapartida, pelo menos durante metade do ano, havia os ensaios da Escola Balanço do Morro. Os ventos traziam da então Rua Campos Pinto até nossa casa na Rua Santo Antônio, ora alto, ora baixo, o som da eletrizante bateria do Mestre Lucarino. Começava suave ao som do repique em um “tu, cala, ca, tu! Cala, ca, tu!”. Depois entravam os outros instrumentos. Difícil fazer a reprodução onomatopaica de tão gloriosa harmonia, especialmente quando o apito do Mestre Lucarino assobiava: piripipi, piripipi, piripipi, piripipi, piripipi, piripipi! Nossa! Os ritmistas aceleravam mais ainda a batida e pareciam entrar também num transe abençoado por um amálgama ritmado e inter-religioso.
Eram, portanto, três sequências rítmicas que a mim chegavam, partindo de um terreiro, de um templo e de um barracão. Algo que só se via nas Rocas!
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[…] IFRN, licenciado em Letras Português-Inglês (UFRN), Doutor em Letras (UFPB) e advogado. Fonte: Papo Cultura […]