Tem vacina pra quase tudo (mas não pra todos)

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Para combater o complexo de grandeza, assista à primeira temporada de Terra de Gigantes. Para prevenir a depressão, Os Três Patetas ajudam muito. Para ter certeza da época em que está vivendo e não dormir com medo de comunistas embaixo da cama, não perca O Túnel do Tempo. Para evitar comportamento hiperativo, experimente a calma dos bichos nas savanas de O Mundo Animal. Para colocar os pés no chão, A Noviça Voadora contribui um bocado. Para dar um basta a tudo e saltar sem paraquedas, veja A Ilha da Fantasia. Para dar cabo da pressão alta, desligue-se dos perigos lá fora revendo Daniel Boone. Para problemas de natureza comunicativa – dificuldades para ouvir, por exemplo – reveja aventuras de Flipper – vai ser uma aula e tanto de audição inteligente. Para antever os males do câncer que brinca de esconde-esconde e pode aparecer em qualquer parte do corpo, vá de E.R, mas tente se impressionar menos com os detalhes médicos do que com injunções humanas que podem causar enfermidades. Para afastar as baixas vibrações dos espíritos de porco, Arquivo X. Certos comportamentos sombrios só podem ter origem extraterrestre. Para ficar em dia com o nível de humanismo vigente aqui e agora, rebobine a fita e veja uns três episódios de O Homem de Seis Milhões de Dólares ou de A Mulher Biônica. Para inocular-se de empatia com a primeira pessoa com quem cruzar na rua ao sair do distanciamento, não deixe de assistir a um compacto da cenas finais dos episódios de O Incrível Hulk, com David Banner pedindo carona numa rodovia qualquer, ao som daquele piano triste. Para não confundir gripe com alergia respiratória, ou seja, não achar que precisa viver como se fosse um homem da lei americano-branco-antitudo que estão lhe tirando, ok, veja Xerife Lobo, se achar. Vai ser do tipo vai-ou-racha, ou você se salva como ser humano ou se dana de vez. A escolha é sua.

Tem tratamento, terapia, alternativa, mezinha, reza e sobretudo vacina pra tudo – as últimas que faltavam estão aí, saindo dos laboratórios. No caso dessas últimas, só não tem pra todos. Mas é como voltar a ser criança e entregar a alma a um seriado de tevê: precisa de um mínimo de crença, saber distinguir realidade de ficção, somar dois mais dois e admitir a lei da gravidade.

A criança que você e eu fomos sabia fazer tudo isso com a seringa ainda pendurada no braço, sem choro. O problema foi o adulto em que muitas dessas ex-crianças se transformaram. Porque não tem vacina contra o ressentimento. A origem de tanto mal estar espalhado por aí. Nesse caso, nem as trinta mil versões de Jornadas nas Estrelas vão resolver. Será preciso criar o próprio seriado fazendo autoexame diante do espelho.

Tião Vicente

Tião Vicente

Jornalista e servidor público (às vezes essas duas atribuições se confundem). Nasceu por acaso em Caicó, cresceu em Parelhas, estudou em Recife e Natal, aprendeu jornalismo e juventude nesta última, cansou um pouco e mudou para Brasília, trabalhou em edição em jornal e TV até fazer um concurso público para entregar esse brilhante currículo à emissora de tevê da Câmara dos Deputados. Tem funcionado até hoje. Por fora, pratica essas infidelidades paraliterárias. Tem uma central de blogs, quase todos esquecidos (para referência, arrisque novosopaodotiao.blogspot.com).

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