O (en)canto da sereia

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Quando ela singrou pelo corredor em direção ao palco, o mar foi se abrindo. E através de seu canto, todos os seres marinhos também cantaram. Como na fábula – na qual a menina mergulha em busca do espelho e, refletida nele, torna-se uma sereia –, a cantora Sílvia Sol seduziu a plateia presente no auditório do IFRN-Central na noite da última quinta-feira 9 para assistir ao seu show “O Canto do Mar”.

Assim como ondas arrebentando na praia, cada música conduziu o público para um mergulho na beleza, na delicadeza e na potencialidade de sua voz e de seu arrebatador repertório. Vestida em tons de azul (Iemanjá) e vermelho (Iansã), começou com “No Mar Ele É Um Peixe”, que integra o ritual religioso da casa de candomblé Fanti Ashanti, de São Luís do Maranhão, e que foi registrada pelo grupo paulista A Barca no álbum “Baião de Princesas” (2002).

Já sobre o pepelê (altar/palco) com todos os búzios, todas as conchas, emendou com o bumba meu boi “Se Não Existisse o Sol”, do igualmente maranhense Boi da Maioba – que também teve “Negra Profecia” interpretada na metade do show. Em seguida, houve a primeira das três intervenções da poetisa Drika Duarte, que recitou poemas seus. A partir daí, foi uma sequência de compositores potiguares, inclusive a linda “O Farol”, de autoria da jovem artista que cresceu rezando de frente para o mar de Ponta Negra.

Iniciou com o samba “Ver de Ser Feliz”, do areia-branquense Tico Costa, o qual gravou sete dos seus 16 álbuns na Itália, onde morou por oito anos, e se apresentou ao lado do minimalista Philip Glass no Blue Note Jazz Club, em Nova York – o cantor, compositor e violonista faleceu em 2009, aos 57 anos, vítima de um câncer. Outro norte-rio-grandense reverenciado por Silvia Sol foi Yrahn Barreto, de Ceará Mirim, que teve sua “Olho d’Água” especialmente acompanhada pelo violão do virtuoso Rafael Gomes.

Maíra Soares, Silvia Sol e Cibelly Guedes
Além dele, outros três convidados fizeram participações memoráveis: a cantora Krhystal Saraiva, que fez duo com ela em “Sentinela do Mar”; o rabequeiro Caio Padilha, em “Serenada”; e o violonista Fernando Botelho, em “Coroa de Areia”. Eles se juntaram à banda-base formada pelo timoneiro Leonardo Costa (violão), marido e parceiro musical da compositora e intérprete; pelo flautista Ronaldo Freire; e pelos percussionistas Cibelly Guedes, Maíra Soares e Sami Tarik, que acompanhou a ex-integrante do grupo de teatro Arkhétypos – experiência que colaborou com a sua desenvoltura em cena, ora incorporando uma imponente Rainha do Mar, ora uma dançante de samba de roda, ora uma refinada mulher de gestual elegante – durante a temporada musical que ela fez em Doha, no Catar, entre 2012 e 2014.

Talentos que propagaram as odes marinhas de Silvia Sol em outros corridos de capoeira (“Sobrado de Mamãe” e “Meu Berimbau”) e baiões (“Noite de Temporal” e “Aproveita a Maré”), e no ijexá “A Maré”, no samba “Manto de Iemanjá” e na ciranda “Ciranda de Capoeira”. Com todos eles, em uníssono, agradecendo aos deuses e aos orixás, finalizam o já antológico show com a clássica “Suíte do Pescador”, de Dorival Caymmi – que já tivera “Promessa de Pescador” executada no início do show.

Depois desses sedutores mergulhos musicais, o público, encantado, assistiu nascer uma nova e solar estrela do canto brasileiro. Não só do mar, mas também da terra, do ar, de todo lugar.

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FOTO: Pablo Pinheiro

Silvio Santiago

Silvio Santiago

Jornalista autodidata, foi colunista, repórter e editor de cultura do extinto Jornal de Natal. Editou a revista Badalo e colaborou para veículos como O Jornal de Hoje, Diário de Natal, Novo Jornal e Tribuna do Norte, Preá e Glam.

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