por Daniel Valente
Sobre a autora do livro “entre a palavra e o impulso”, posso dizer que tenho me aproximado dela, numa relação de trabalho, amizade e confidências. E que ao ler mais, tanto de Renata Marques, quanto do seu livro, pude perceber em cenas cotidianas, a mulher que cuida do filho, elabora projetos, e que de vez em quando sente a necessidade de escrever um poema para deixar sangrar, o que não se percebe entre paredes, muros, grades e telas.
Renata sangra sabendo que é da natureza da mulher sangras às vezes. A mulher que ao cuidar das coisas e da vida, mais da vida, que das coisas, corta seus dedos na recusa de não manejar outra arma, que não seja a palavra ou o silêncio, agora contido em livro e materializado nas mãos do leitor.
O livro “entre a palavra e o impulso” conta com uma seleção de 56 poemas escritos nos últimos dez anos e 46 fotografias que registram a imersão da poeta Renata Marques, rumo à descoberta da voz de um eu lírico–mulher, que ao tempo em que nos situa numa paisagem urbana, nos conduz a refletir a ancestralidade diante das pedras e do asfalto quente como as cores do livro.
Entre a palavra e o impulso, Renata desenha a geografia desse teatro, onde em três atos nos apresenta uma voz, que quando nos diz que para construir uma ruina é preciso abandono, pedras e natureza morta, está nos falando de ancestralidade.
Construindo a partir de sua subjetividade, uma imagem que registra um sentimento universal de pertencimento ao mundo, mas também da consciência reveladora da ideia de uma força maior que nos transcende a existência. Que é a própria vida acontecendo na contemporaneidade, em dias escuros e de sol, onde no Brasil de 2022, outra mulher resolveu estender o seu canto.
Um livro de cenas fortes, seja pelas fotografias, ou pelas imagens compostas por palavras pensadas com o cuidado necessário à precisão do dizer, dizer com a franqueza de uma mulher, cuja as armadilhas debaixo da língua desenham labirintos, numa boca que canta para os para os monstros do mar e para acordar as forças que a acompanham.
Um canto que se estende ao lamento, pela noticia que chega de um amigo que se suicidou enquanto seu filho se distraía com propagandas na televisão. O soco em seu estômago dura o tempo de três cigarros. E o seu cantar não cessa.
Estamos falando de poesia, a arte de revestir as tragédias da vida com beleza. E tanto é belo o quadro do Picasso, quanto é belo o Cristo na cruz, o que importa nestes casos ou neste livro, não é a tinta ou o sangue derramado, mas a poesia contida nas imagens e nas palavras que nos revelam que é sobre porosidade e repouso para o que à preparam, é sobre observação e solidez, durabilidade e luz, essas coisas raras que as pedras nos caminhos, nos ensinam em segredo.
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Dia 01 de setembro, às 19 horas, Renata Marques lança “entre a palavra e o impulso” no Mahalila Café e Livros, em um evento que contará na programação com sarau aberto e apresentação do Experimento Dramatúrgico: Ato 1, inspirado nos poemas do livro. Uma noite para estender este canto e celebrar a poesia.