Estar em um lugar nem sempre significa estar em um lugar. Digo isso porque trabalhei durante anos em Caicó, cidade a pouco menos de cem quilômetros de Currais Novos, onde cresci. É preciso dizer que, historicamente, sempre houve alguma rivalidade entre as duas cidades, ambas conhecidas por suas festas de julho, sob os olhares gentis de Santana e do inverno potiguar, e não sei até que ponto isso pode ter influenciado de alguma maneira meus primeiros encontros com essa outra terra de Santana.
A rivalidade era tanta que Currais Novos se dizia a “Princesa do Seridó” enquanto Caicó se denominava a “Rainha” da região. Uma se empoleirava para falar de suas minerações e sofisticação, a outra tinha em suas atividades rurais e seu ar interiorano de casa grande os motivos de seu orgulho.
Mas a verdade é que, quando comecei a me dar conta dessa tal rivalidade, Currais Novos já arrastava os fantasmas de suas minas de scheelita, já em decadência devido à extração mais barata do minério em território chinês. Caicó continuava crescendo, misturando dinheiro e uma brejeirice charmosa que continua viva na cidade. Hoje, não há muito como comparar o desenvolvimento dos dois municípios, senão por algum resquício bairrista que perdure em nós, currais-novenses.
Retomando o que importa, se é que algo importa nesta história, passei anos indo duas a três vezes por semana até Caicó. No entanto, toda viagem se resumia a trabalho: saía de dentro do carro para dentro das duas escolas onde trabalhei. Terminava as atividades apressado, entrava outra vez no carro e voltava a Currais Novos. De fato, nunca pude andar por Caicó, aproveitar seus espaços, a brisa noturna que tenta arrefecer o calor calcinante de lá.
Até que estes dias fui convidado para um evento literário na cidade. Coisa simples, gente boa reunida, conversa franca e bonita no casarão que abriga a Casa de Cultura Popular da cidade. A noite agradável foi banhada por chuva e quem é de Currais Novos ou Caicó sabe que chuva é bênção e a pancada torrencial acompanhou toda a conversa do evento.
Uma caminhada breve pelas ruas agradáveis da Rainha, a conversa rápida com quem mora lá desde sempre: a dona da pousada, a senhora que vende comida caseira numa casa de arquitetura popular na região e que tinha um cardápio que variava de cachorro quente à tripa de porco frita, o casario antigo e bonito, reformado sem que se perdesse sua identidade, a comida boa e farta, a senhora com ares de Poderoso Chefão que comandava o caixa do restaurante ao ar livre, a companhia da amada e dos amigos, a boa conversa, a alegria simples caicoense, os cordelistas animados que ocupam a Casa de Cultura, a noite provinciana de Caicó.
Depois de tanto tempo indo até lá sem viver a cidade, uma tarde e noite rápidas me fazem querer voltar, querer encontrar o que não deixei por tantos anos, afinal só é possível viver aquilo a que nos permitimos. E é preciso permitir-se viver para se estar vivo, de verdade, presente, sem subterfúgios. Que assim seja e que o retorno venha em breve.
CRÉDITO DA FOTO: Canindé Soares
2 Comments
Pois é, Gilberto. Cresci ouvindo sobre essa rivalidade que se perdeu no tempo. Acho que a Rainha e a Princesa poderiam estar em contato com mais intensidade, o que espero ser possível um dia.
Não sabia dessa rivalidade, Theo. Creio que tenha sido positivo, em linhas gerais. Tanto a Princesa quanto a Rainha são bem atraentes.