Quando se trata da dramaturgia produzida no Rio Grande do Norte, um nome surge, com destaque: Racine Santos. Na verdade, parece-me justo considerá-lo o maior dramaturgo norte-rio-grandense de todos os tempos. E não é favor dizer isto. Qualquer pessoa medianamente informada sobre a história da nossa arte cênica, concordará comigo.
Nosso Estado não teve um Ariano Suassuna, glória de Pernambuco, embora nascido na Paraíba; não teve um Nelson Rodrigues, um Dias Gomes, ambos, por sinal, também nordestinos da gema – para citar apenas três expoentes.
Dentre os nossos dramaturgos e comediógrafos, podemos mencionar, afora Racine Santos, uns poucos: Segundo Wanderley (patrono da cadeira nº 16 da ANRL), Meira Pires, Sandoval Wanderley; nenhum, porém, mais importante do que Racine Santos, em termos de criatividade e renovação estética. Sandoval e Meira Pires foram, principalmente, homens de teatro, isto é, animadores do movimento teatral em nossa província.
Se Racine vivesse em São Paulo ou no Rio, seu nome teria, sem dúvidas, projeção nacional, mas, ele não quis e não quer outro lugar para morar e amar senão a sua Natal de nascença. E Natal, como já disse outro “provinciano incurável”, não consagra nem desconsagra ninguém. No entanto, o reconhecimento da sua obra é questão de tempo. E já começa a se fazer sentir, até mesmo fora do Brasil.
Autor de várias peças – dramas, sátiras, comédias -, baseadas, em grande parte, no populário nordestino, com alto teor de crítica social, dentre outros atributos, Racine Santos conhece a fundo os segredos da arte cênica, como dá mostras, em “À luz da lua, os punhais” (1990), traduzida para o espanhol e “A Farsa do Poder” (2010), por exemplo.
Não se pense que a sua atividade intelectual restringe-se à dramaturgia. Ele é tão bom ficcionista quanto dramaturgo. (Mas, todos teimam em chamá-lo de teatrólogo).
Em 2017, estreou no romance com “Macaíba em Alvoroço”. Não é o seu primeiro trabalho de ficção, mas, sem dúvidas, é aquele com que se firma nessa difícil arte.
A narrativa bem urdida recria o pequeno mundo de uma cidade do interior, com sua gente simples e pitoresca. Personagens como Xexéu, o poeta popular; Cancão, soldado de polícia; o cabeceiro Sérgio e sua mulher Anjinha, tipos populares admiráveis pela grandeza humana, contrastam com o farisaísmo de outros personagens, estes secundários – o Prefeito, o Padre e o Delegado de Polícia. Alguns lances de suspense, beirando a literatura policial, e numerosas referências à cultura popular tornam a leitura extremamente interessante.
Sob o prisma da forma ressalte-se a linguagem valorizadora do coloquial nordestino.
Como numa peça de Ariano Suassuna, esse romance contém uma mensagem de sentido moral, bem expressa no final pelas sábias palavras de um personagem, que o leitor logo adivinha ter sido moldado na pessoa do escritor Câmara Cascudo.
Não tenho receio de afirmar que o livro “Macaíba em Alvoroço” nasceu fadado a tornar-se um marco na ficção potiguar (e brasileira, claro).
Racine também romancista
Voltando-se mais uma vez para a prosa de ficção, já um tanto deslembrado do teatro, Racine Santos lançou, em 2019, “… De susto, de bala ou vício”, título que remete à letra de uma famosa canção de Caetano Veloso.
Trata-se de um romance (ou novela), cuja ação transcorre em Natal, nos turbulentos anos sessenta. A cidade ainda provinciana serve de pano de fundo a um drama amoroso cheio de peripécias. Nas estrelinhas, fatos reais, característicos dos “anos de chumbo”, conferem à narrativa um sabor memorial, valendo, inclusive, como testemunho e denúncia.
De modo especial, dois aspectos ressaltam deste romance: o monólogo interior, inicial, à maneira de James Joyce- – experiência inédita na literatura potiguar – , e o excelente perfil do teatrólogo Sandoval Wanderley, tornado personagem de primeira plana.
Como bem observa François Silvestre, no posfácio, esse novo romance de Racine é a denúncia de que pra onde ele for leva o teatro. Na forma é prosa no papel; na plástica é fala do teatro. Falas do teatro épico. De onde Racine é semente e fruto. Criador e criatura. O épico mais discursivo do que heroico. Mas – adverte o escritor – “sem perder as vestes talares do romance”.
Eis aí a prova de que o romancista Racine Santos veio para ficar.
Resta dizer que, além de dramaturgo, teatrólogo e ficcionista, ele também é poeta, ensaísta (autor do livro “Natal em Cena”, 1996) e jornalista, com vasta experiência como editor cultural de jornais e revistas natalenses. Em suma, um escritor consumado, que só a miopia intelectual da província não consegue enxergar.
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Tive a honra e o prazer de participar como atriz de algumas montagens de suas obras: “A FARSA DO PODER”, “A FESTA DO REI”, “SHOW DA VITÓRIA” que posteriormente resultou em “BAY BAY NATAL”, “AS AVENTURAS DE PEDRO MALAZARTE”, “O DIA EM QUE JESUS NASCEU EM NATAL”. “A FESTA DO MENINO DEUS”, “ELVIRA DO YPIRANGA” . Aplausos para Racine Santos esse dramaturgo que admiro muito.
Parabéns por essa matéria sobre Racine Santos, por divulgar esse grande escritor potiguar!