Tenho um amigo americano, Mike. Ele morou no Brasil nos anos 60. Admira e se interessa por nossa história e cultura. Recentemente, Mike me mostrou, todo orgulhoso, a foto de uma figa que ele guarda no topo de uma estante em sua casa. Ela foi esculpida em madeira “morena”, brasileira. Possui unhas delineadas e uma pulseira negra no pulso. Ela está de prontidão, vigilante, perto das fotos de Mike e da esposa, protegendo suas vidas contra quebrantos. Ao ver aquele amuleto comprado no Brasil, fiquei pensando: nossa, há quanto tempo não faço uma figa!
O gesto tem significados vários e é um amuleto bastante antigo. Para Cascudo (1986), a figa latina, vinda da Ásia Menor e radicada em Roma, nada mais é do que a mão humana, tendo o polegar preso entre os dedos indicador e médio. Representa o ato sexual, sendo o dedo polegar o membro masculino e os outros dois, indicador e médio, o órgão feminino. Desse modo, sua intenção precípua era afastar as forças negativas trazidas pela esterilidade (2003 [1987]).
Inicialmente nascida como gesto, a crença no poder da figa estendeu-se à eficácia contra os malefícios do mau-olhado, das mazelas, dos embaraços e da inveja. Em contrapartida, se dirigida a alguém, o movimento gestual denota desprezo e descrédito.
Na infância, lembro-me de fazer figa para afastar o azar. Às vezes, às escondidas, servia-me do gesto para impedir que o adversário acertasse o gol do meu time de futebol feito de tampinhas de remédio, sobre as quais colávamos figuras de jogadores famosos. À medida que eu crescia, diminuía o meu hábito de usar o gesto milenar. Entretanto, Mike me fez refletir: nos tempos atuais, mesmo adultos, cristãos, podemos confiar também na figa. Precisamos dessa crença para afastar a descrença na ciência, para apavorar o mal, para desqualificar quem usa o nome Divino em vão e, enfim, para nos proteger.
Que o ano novo signifique, realmente, o início de um ciclo de renovação, de reprodução da paz, de tolerância e, acima de tudo, de mais saúde! Figa!
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Referências:
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 12 ed. São Paulo: Global, 2012 [1979].
_____ . Luís da Câmara. História dos nossos gestos. 12 ed. São Paulo: Global, 2003 [1987].