Há muita coisa boa sendo escrita nos tempos de agora. Boa literatura, de fato. Há bons escritores surgindo, outros que já surgiram e, infelizmente, alguns que nunca conheceremos. Verdade também que há um monte de livros que não precisamos ler e outro monte deles que não precisava ter sido escrito.
Mas estes dias me peguei pensando na saudade que sinto daquela sensação de arrebatamento que só alguns autores são capazes de nos oferecer em um primeiro contato. Uma sensação que deve se parecer com tocar o ombro de Deus enquanto ele escreve as páginas do destino.
Ler Juan Rulfo pela primeira vez.
Jorge Luis Borges pela primeira vez.
Fernando Pessoa pela primeira vez.
Manoel de Barros pela primeira vez.
Valter Hugo Mãe pela primeira vez.
E outros tantos que, se colocados em perspectiva diante de tudo o que a humanidade já escreveu ao longo destes séculos, são tão poucos.
Por isso me parece que a maior vantagem de nunca ter lido esses autores é que está aberta a possibilidade de lê-los pela primeira vez e poder sentir a pancada devastadora de sua literatura que fala sempre melhor de nós do que saberíamos dizer nós mesmos.
Eu adoraria sentir outra vez, por exemplo, a tensão e deslumbramento causados em mim por “Cem Anos de Solidão”, de Gabriel García Márquez, ou por “Tudo se Ilumina”, de Jonathan Safran Foer. Queria poder ler os versos de “O Guardador de Rebanhos”, de Alberto Caeiro/Fernando Pessoa, numa praça de Currais Novos em plena madrugada pela primeira vez de novo. Ou ser salvo pelas lições de André Gide em “Os Frutos da Terra” como quem encontra o conforto até então desconhecido para um sofrimento já tão corriqueiro. A contemplação primeira do desencanto que explode diante da última frase de “Por que Não se Casa, Doutor”, de José Bezerra Gomes…
Há tanta beleza na possibilidade de ler Kafka e sua “A Metamorfose” como um absurdo inesperado e de suspirar desavisado “gênio” ao fim de um capítulo das “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, do Bruxo do Cosme Velho.
Eu queria poder reter a sensação de que precisava fugir de casa quando terminei a última página de “On the Road”, de Jack Kerouac.
Mas eu caí na armadilha de os ter lido.
E hoje eu sei que a única coisa melhor do que ter lido esses livros é não os ter lido e dar de cara desavisadamente com eles pela primeira vez.
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Muito boa, Theo.