[DIA DA MULHER] 20 poetisas potiguares para você ler e admirar

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Natal: em cada esquina hoje há uma poeta, em cada canto, uma feminista orgulhosa de si, do espaço ocupado a duras penas e por cima de preconceitos ora camuflados, ora escancarados, ora até despercebidos pelo inconsciente machista – herança milenar.E mesmo na poesia essa dor causou chagas. Quão reprimidas foram. Por que temos tão poucas quando os poetas apareceram e hoje temos tantas poetisas potiguares? Vontade reprimida de mostrar sentimento!

Mas o Rio Grande do Norte se orgulha da história de pioneirismos femininos única no Brasil. Inclusive do feminismo, com Nísia Floresta. E ainda o primeiro voto feminino, a primeira prefeita eleita da América Latina (Alzira Soriano), primeira vereadora (Joanna Bessa) e primeira deputada estadual (Maria do Céu), maior romanceira do mundo (Dona Militana) e até a primeira professora com síndrome de down do Brasil (Deborah Seabra).

E se poetisas há pelos quatro cantos do Brasil e do mundo, o Estado potiguar tem mais e melhor por metro quadrado. Abaixo segue pequena mostra desse talento. De autoras vivas, de autoras saudosas. Poesias publicadas em livros ou no universo solto da internet. Poesias entre gerações. Poesias femininas, poesias feministas, mas todas poesias. Todas mulheres-poesias.

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CARMEM VASCONCELOS

LINHAS E VÃOS

A minha pequena amiga cresceu.,
tornou-se esposa e mãe
com açúcar e radiância.
Entre o destino e a arte
há um vão – observe –
como entre as linhas, mesmo as da mão.
A minha pequena amiga me escreve
linhas e vãos, em papel com adereço.
Amoleço. Do mar que habito eu invento
a seca praça da Sé, onde mora a sua casa.
Lá, o amor é porto para nenhuma nau.
A minha pequena amiga não navega.
Tem os pés no chão e um automóvel.

(Livro: O Caos no Corpo, 2010)

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ADA LIMA

O pânico que me escorre das mãos
não é outro
senão
o de ter que ancorar navios
no vazio.

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MARIA MARIA GOMES

A MISTURA DOS DIAS

Fez-se uma soma de sonhos:
pedaços enfileirados de coisas supérfluas,
não fundamentais aos demais dias.

Foi uma manhã desse modo como receituário botânico:
porções verdes: palhas brancas e azuis,
necessárias à cura.

Depois…tudo assentou-se
sobre os pontos dos bilros, e os marcadores do tempo,
ocuparam seus lugares de origem.

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MARIZE CASTRO

CORTEJO

A morte chega sob forma de asas,
às cinco e trinta da manhã no pátio desta casa.

Resta-me abraçá-la.

O dia luminoso aplaude o cortejo.

Eu e ela sombrias e felizes
aceitamos nosso destino:
sépia, secreto, inadiável.

Eu e ela, mães dos nossos ninhos,
revelamo-nos: dois antigos e livres pássaros.
Sozinhos.

(Livro: Lábios-Espelhos, 2009)

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IARA CARVALHO

SEGREDOS

as operárias
atravessam a rua
com seus cabelos vermelhos.

disfarçam
planos incendiários
silêncios estratégicos
sonhos verdejantes.

quando voltam pra casa,
os companheiros
permitem toda ausência
e pudor.

o que as operárias
guardam no fundo
do formigueiro
ninguém sabe,

mas é coisa muito grande:

um esqueleto,

uma flor

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NILVADETE FERREIRA

Mulheres são trágicas
Mulheres são cômicas

Mulheres são tétricas
Mulheres são jubilas

Mulheres são góticas
Mulheres são plânulas

Mulheres são púticas
Mulheres são ângelas

Mulheres são cáusticas
Mulheres são sêdicas

Mulheres são vândalas
Mulheres são óperas

Mulheres são úteras
Mulheres são sáfaras

Mulheres são sádicas
Mulheres são másocas

Mulheres são mátricas
Mulheres são abórticas

Mulheres são cálidas
Mulheres são glácidas

Mulheres são tímidas
Mulheres são bélicas

Mulheres são sônhicas
Mulheres são algébricas

Mulheres são cúmplices
Mulheres são trânsfugas

Mulheres são fêmicas
Mulheres são mênicas

Mulheres são lúnicas
Mulheres são sômbreas

Mulheres são únicas
Mulheres são híbridas

Mulheres são fraternas
Mulheres são infernas

Mulheres são polêmicas
Mulheres são poêmicas!

(poema inédito)

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AUTA DE SOUZA

RENASCIMENTO

A Olegária Siqueira

Manhã de rosas. Lá no etéreo manto,
O sol derrama lúcidos fulgores,
E eu vou cantando pela estrada, enquanto
Riem crianças e desabrocham flores.

Quero viver! Há quanto tempo, quanto!
Não venho ouvir na selva os trovadores!
Quero sentir este consolo santo
De quem, voltando à vida, esquece as dores.

Ouves, minh’alma? Que prazer no ninhos!
Como é suave a voz dos passarinhos
Neste tranqüilo e plácido deserto!
Ah! entre os risos da Natura em festa,
Entoa o hino da alegria honesta,
Canta o Te Deum, meu coração liberto!

(Livro: Horto, 1900)

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DIVA CUNHA

Pela manhã a pressa
livrou-me da poesia

com os artelhos contraídos
três ou quatro atentados
fiz em versos

atirador de pouco prumo
minha seta bêbada
o vento leva

(Livro: Resina, 2009)

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REGINA AZEVEDO

medindo azul

apoio em minhas costas
metade da carcaça
toda fodida da baleia
e tomamos sol juntas
eu caminhando vestida de peixe
em direção ao fim da praia,
ao palco onde os pássaros descansam
no cair do dia
e o filhote dela exercendo um peso enorme
para dentro de mim
seus olhos caçando mamãe no oceano
seus olhos caçando mamãe,
caçando oceano
e depois caçando azul, medindo azul
que horas são, é baixamar
deslizar como desliza a comida na garganta
voltar voltar voltar voltar
caçando desesperadamente um pescador
que queira experimentar seus anzois
eu não, anzol eu não tenho,
digo ao abrir as pernas e devolver
o filhote ao mar

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IRACEMA MACEDO

VALQUÍRIA

Tua alegria está rondando meus mistérios
Na penumbra em que estamos
Escuto teus passos docemente

Pisas sonhos escuros
Vences os fogos noturnos
E um pai te desafia com uma lança

Finjo que estou ferida, adormecida
Aguardo que ouses tocar-me e que me acordes

Para que eu possa cavalgar
Dentro da tua vida

(Livro: poemas inéditos e outros escolhidos, 2010)

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PALMYRA WANDERLEY

AVIADOR

Por ocasião da viagem aérea de Sacadura e Coutinho, de Portugal ao Brasil.

Alonga o voo. A imensidão recorta.
Domina assim o espaço, o Azul domina,
Já que o seio da terra não comporta,
O grandioso ideal que te fascina.

Sonha! Teu próprio sonho te transporta.
Acima de ti mesmo – Asas empinam!
Es quase um Deus! Ser homem pouco importa.
Se a conquista do céu, faz-se divina.

Ser como as águias. Voa nas alturas.
Transpõem o etéreo, as siderais planuras,
Da Via Láctea a célica mansão.
Sobe ainda mais, num frêmito inaudito.
-Percorre as cordilheiras do infinito.

Heroico bandeirante da amplidão.

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JEANNE ARAUJO

CABALA

Quando arqueio as costas
vibro igual violino
e mesmo as amarras
mordaças e estacas
não me bastam.

A voz, a tua, arrepia
as porcelanas, os quadros
e estremeço
onde o corpo de contrai.

Meu horror é teu mandamento
consentido em meu corpo inteiro.
Se preciso eu uivo, sibilo
acendo tua vela, teu pavio, tua adaga
porque és armadilha de cilício
no meu ventre.

(Livro: Corpo Vadio, 2015)

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MICHELLE FERRET

CASA

vivo pra morrer de saudade
e todas as noites parecem pardas
quase incendiárias
com seus ocres e mel
escorridos pelas paredes das calçadas

Adoçam o céu
invertem as incertezas
desnuda vulcões
e trazem as erupções para dentro
do outro lado

Quase sempre a mesma calçada
na beira dessa casa em que ninguém se muda

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ANCHELLA MONTE

MORTE NO AÇUDE

O açude sangra
sangra o coração no salto
vencida a lâmina
parede de espuma e corte.

Os líquidos trabalhados
em nuvens e chuvas
o inverno de entremeio:
açude cheio, sol e salto.

Do alto a água é curva
poço entre serrotes
o pulo abraça o mergulho
rede retesada de brilhos
recolhe do homem que salta
o alvoroço da morte.

(Livro: Pesos e penas, 2011)

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MALUZ

05. [cântico do não ser]

eu já me esqueci de como se desabafa
como se contata outro ser e diz o que se sente
eu já não sento nos sofás das casas
não peço limonada, nem para ser feliz
eu acho mesmo que me tornei um sujeito indefinido
fora da oração
apático, apartidário
mal apessoado e sem feição
em textos sem caixa alta, coleciono fracassos.

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MARIA EUGÊNIA MONTENEGRO

LÁGRIMAS

Lágrima!
Pérola salgada,
A rolar, desesperada,
Pelos sulcos da face.

Amálgama de sal e água,
A rolar, sempre sentida,
Pelo salso mar da mágoa!

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RIZOLETE FERNANDES

ESTRABISMO

Estrabismo
olhar atravessado
tudo eufemismo
para mudar de lado

(Livro: Vento da tarde, 2013)

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ADÉLIA DANIELLI

na madrugada
a palavra não descansa
surge na mente
me obriga a levantar
ela quem manda
sou apenas
um meio
para esse todo
que entre versos
dança
palavra tem vida noturna
agitada

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MYRIAN COELI

CANTIGA XVIII

Por que ciência gaia
Se tão triste é amar?
Tantas cordas tange
Neste violar,
Que viola, viola sou
Violada de amar.

Triste ciência gaia
Esta arremedilha
Afieni a viola
Caí na armadilha.

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LISBETH LIMA

RESGUARDO

Na noite de me parir
minha mãe lavou uma bacia de roupas.
Depois que voltou comigo nos braços,
cozinhou para meu pai e meu irmão.
No seu resguardo, aprendeu sozinha a maternidade.
Juntas choramos os quarenta dias.

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CIVONE MEDEIROS

RUMINAÇÕES—————–
—————-ABISMO QUE ATA E SEPARA

Anseios que espumam como água tocando em carbureto.
Como ventos que atiçam chamas óxidas.
…penduricalhos de emoções.
Discreta perturbação de maré baixa.
… Forno de barro o corpo humano se fez só.
O além, findado por limites da razão.
Comportas da alma, cerradas e umas outras arrombadas por——————-
—Vastos outros eus / mesma.
Inquebrável véu que cada ser transporta…
Chaves confusas no molho dos segredos do espírito.
Todo ser se faz revelação / pois toda alma é plástica, ossos, aura, carne,
emoções, plasma,
excrementos e possessão.
Par’além de enigmático / sexo de lábios rubros e rósea cor.
A profunda visão dos confins dos desejos.
Prisma em chamas a crepitar.
É da raça a mais rica revelação.
O alicerce.
A própria essência sublime e absoluta da humana existência.
Dela é a mais pura, ofuscante e crua linhagem de iluminação.
Ser devoração e criação \ união e partilha…
Uma fêmea deseja e vai buscar.
É da beleza a mais bruta expressão.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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6 Comments

  • Ana Carla Azevedo

    O RN tem muitas potências, meu Deus, obrigado!!!!!!

  • olga oliveira

    Poxa, não existem autoras pretas e indígenas no estado?

  • Rizolete Fernandes

    Grata, meu “jornalista com cara de boteco”!

  • Flávia Assaf

    Faltou Ana de Santana.

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