Pedagogia da tristeza

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Não gosto de poemas alegres. Não sei se ocorre com você, amigo leitor, mas os poemas alegres me passam a sensação de falta de espontaneidade ao autor. É que guardo a impressão de que os poetas são tristíssimos. E aproveitam das melancolias da alma para derramar nos papéis seus desamores e desventuras. Talvez nem seja lá obrigação desses escribas exprimirem exatamente o que sentem. Acho que os poetas me entendem. Na verdade, as obrigações (como os poemas alegres) não combinam com o ofício de poeta.

Trago essas impressões banais (e disso se valem as crônicas) porque deparei-me com a notícia de que uma editora lançará livro com seleção de 27 poemas alegres e educativos às crianças. Questionei o porquê da pedagogia infantil estar sempre relacionada à alegria, se a poesia e os melhores ensinamentos da vida nascem mesmo é da tristeza. Em momento triste e reconfortante, Fernando Pessoa até escreveu: “Ah! A imensa felicidade de não precisar estar alegre”.

É que a tristeza, quando costumeira e amiga, torna-se aliada contra os combates diários da rotina. Não adianta combatê-la. Ela simplesmente é e existe. Os poetas são tristes, sim, porque souberam render-se aos encantos da tristeza. E dela, permitam a opinião com alguma propriedade, não se faz apenas poemas. A tristeza é necessária como alicerce e ponte à felicidade.

O amigo leitor deve estar se perguntando com alguma indignação, qual a melhor forma de ensinar tristeza a uma criança. Como exemplo dessa necessidade, cito a precisão indiscutível da compaixão. E a compaixão, há que se concordar, é amiga da tristeza. Para sentir compaixão é necessária a compreensão íntima da tristeza; sentir o problema, a angústia do outro e colocar-se incondicionalmente ao lado dele, procurando proporcionar-lhe algum alívio. É condição de vanguarda para o bom convívio social.

E sentir compaixão é diferente de sentir pena, ressalte-se. Para sentir pena, ao contrário, é preciso estar em condição acima de outrem (não ao lado) e revoltar-se com alguma situação. À compaixão não cabe julgamentos, apenas conforto, uma vivência junta daquele sofrimento. Daí a importância, amigo leitor, do ensinamento da tristeza e de suas vertentes às crianças. É uma forma de exercitar o convívio social e amigo. Talvez pela pedagogia infantil sempre alegre, o que vemos nesse mundo-hoje são os sentimentos de revolta e pena, mas sem atitudes de transformação, de mudança do cenário, da situação do momento.

E como ensinar compaixão ou tristeza de forma pedagógica às crianças? Pelas formas lúdicas, presentes nas artes, que trazem à existência coisas que não existem: a literatura, o cinema, o teatro; a poesia triste! Nelas, pode-se descobrir belezas que enchem os olhos d’água, de lágrimas verdadeiras, carregadas de compaixão. Nietzsche já dizia: “Não sabeis que só a disciplina da dor, da grande dor, é o que permitiu ao homem se elevar?”.

Sérgio Vilar

Sérgio Vilar

Jornalista com alma de boteco ao som de Belchior

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