DO MISTÉRIO DAS CIDADES
Como um rio, que nunca é o mesmo, pois suas águas passam e se renovam a cada instante, também uma cidade nunca é a mesma todo o tempo.
Numa conferência enfeixada em livro sob o título “Imagens & Itinerários de Paris” (edição bilíngue), Américo de Oliveira Costa cita Paul Leautaud a respeito da “perpétua mudança das fisionomias de Paris, segundo a hora, o tempo, a estação”.
Diz Leautaud, em tradução não literal:
“Tal bairro deve ser visto pela manhã, na primavera. Tal outro ao meio dia em pleno verão. Tal outro ainda durante o langor do outono, por volta das cinco horas da tarde. Tal outro, enfim, à noite, no inverno, dentro da clara aridez do frio”.
A propósito, vejamos o que diz José Saramago no fecho do seu livro “Viagem a Portugal”:
“O fim de uma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava”
Daí porque não posso dizer que conheço Lisboa, embora já tenha estado lá cerca de vinte vezes. Nem mesmo Natal, onde vivo há longos anos, eu conheço bem…
Mas, voltando a Paris, esta é a minha cidade predileta, depois de Martins, é claro. Lisboa, Roma, Nova York, Londres, Buenos Aires, Natal, Mossoró, Recife, Rio, Salvador, Petrópolis também ganharam meu coração…
Preciso conhecer Viena, Praga e Istambul.
O QUE É PARIS?
Paris é o Louvre, Notre Dame, os cafés nas calçadas dos boulevards, o rio Sena, a Torre Eiffel… Elegância e finesss d`esprit seriam atributos característicos do parisiense típico. “Paris é uma festa” – disse Hemingway.
Tenta-se definir Paris, em vão, ela é muito mais do que tudo que foi dito a seu respeito.
Em suas memórias, Gilberto Amado gravou esta frase lapidar: “Uma rua de Paris é um rio que vem da Grécia”. Evidentemente, quis o grande escritor referir-se ao patrimônio cultural que a cidade herdou da antiguidade greco-romana. E que está bem presente, inclusive, na arquitetura da urbe. A igreja da Madeleine, o Arco do Triunfo, Les Invalides e o Pantheon, afora tantos outros edifícios monumentais, são exemplos do mais autêntico estilo neoclássico. Presenças greco-romanas, transfiguradas.
Mas, vale dizer que, sob esse aspecto arquitetônico, existe outra Paris, bem mais antiga – a Paris dos monumentos góticos, de que se sobressai Notre Dame.
Singular e plural, a grande metrópole torna-se íntima como um vilarejo, em cada um dos seus quartiers: Montmartre, Montparnasse, Champs-Élysés, Quartier Latin, St. Germain… Só os nomes fazem sonhar – diria o poeta Ascenso.
NAS QUEBRADAS DA SERRA
Martins da minha infância era uma cidadezinha lírica e provinciana, cercada de verde, no alto da serra mais bonita do mundo.
Câmara Cascudo, que, ainda menino, morou lá, saudou-a com uns versos de Olavo Bilac:
“Última a receber o adeus do dia,
Primeira a ter a benção das estrelas…”
Quantas vezes eu fui até as quebradas da serra, e me demorava, sozinho, absorto, o olhar perdido naquele mar azul que era o sertão visto do alto. Eu sentia um apelo, um chamado na linha do horizonte. Que havia do lado de lá? – me indagava.
Quase toda a chã da serra, além da área urbana, era um imenso pomar, com muitos cajueiros, mangueiras e jaqueiras enormes, derramando sombras. Frutas ninguém comprava; quem as quisesse bastava apanhá-las no próprio sítio ou no de pessoa amiga.
Todo mundo se conhecia e interagia naquele pequeno mundo que guardava, ainda, muitos costumes e tradições do sertão arcaico.
Embora eu tenha nascido em Santana do Matos, fui para Martins, com os meus pais, ainda bebê, e lá vivi até os onze anos de idade, de modo que sou martinense por adoção. E muito me orgulho disto.
AMIGA DA GENTE
Lisboa derrama-se por sobre sete colinas, “cheia de encanto e beleza”, como diz um fado, que a exalta. Vista do alto de uma dessas colinas, a velha cidade faz lembrar Salvador, Bahia. Velhos sobrados descendo ou subindo as ladeiras sugerem ângulos do Pelourinho, e o rio Tejo, espraiado, sereno, ao fundo, parece a baía de Todos os Santos. Salvador deveria tomar a benção a sua mãe, Lisboa…. Mas, a semelhança entre as duas cidades fica apenas no visual…
Lisboa é bem comportada. Trânsito organizado, largas avenidas, ruas bem traçadas e limpas, edifícios quase sempre da mesma altura, cinco ou seis andares. (Deste cenário destoam, somente, os bairros antigos e a periferia da cidade).
Lisboa conquista o visitante, é “amor à primeira vista” – perdoem o clichê. É simples e acolhedora como uma pequena praça. Não tem a pompa, a soberba de outras metrópoles europeias; em pouco tempo torna-se amiga da gente.
Nada melhor do que caminhar pelos seus bairros cheios de história e legenda: ir de bonde à Alfama, onde tudo começou; esquadrinhar o Rossio e a Baixa, subir ladeiras do Bairro Alto, curtir Belém e maravilhar-se com a beleza do Mosteiro dos Jerônimos.
Ah! Lisboa de Camões, de Eça, de Fernando Pessoa e de tantos outros grandes escritores que decifraram a alma dessa cidade sem par.
A BIG APPLE
Para o turista, Nova York é Manhattan. Fora desta ilha não há muito o que se ver. Manhattan equivale, em extensão territorial, a uma cidade de médio porte. Está visto, portanto, que Nova York – a maior cidade do mundo, considerando-se toda a área metropolitana – cabe na palma da mão do turista.
É facílimo orientar-se nessa megalópole, cortada simetricamente de ruas, num sentido, e de avenidas, no outro, todas numeradas, exceto a Broadway e mais duas ou três, tendo no centro, do alto a baixo, como espinha dorsal, a 5ª avenida.
Não se pense que Nova York – notadamente, Manhattan – seja apenas um conglomerado de arranha-céus, com tudo que há de mais moderno, up to date. Não.
A Big Apple também tem muita densidade histórica e cultural. Tem “personalidade”. Nisto, aliás, difere de quase todas as outras cidades norte-americanas.
Cosmopolita, como Paris e Londres, condensa e abriga um tanto da cultura proveniente de várias partes do mundo. Acho mesmo que o melhor para a gente ver em Nova York é a Europa. Sim, a Europa que está nos museus e galerias de arte. No Metropolitan, por exemplo, há salas e mais salas transpostas de palácios europeus, um pátio espanhol, a grade do coro da catedral de Valadolid, tanta coisa mais.
Do Metropolitan e do Museu Guggenhein (belíssimo edifício) avista-se o Central Park, contraponto verde à selva de pedra.
Feliz a megalópole que tem no coração (em duplo sentido) um Central Park.