Fotografando silêncios: a poesia na crônica de Osair Vasconcelos

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O mestre Manoel de Barros disse, certa vez, em um dos seus poemas, que “tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma, serve para poesia”. Pois o jornalista e escritor Osair Vasconcelos absorveu as palavras do poeta mato-grossense e criativamente fez nascer um livro de crônicas de alto valor literário, “Retratos Fora da Parede” (Z Editora, 2018).

Depois de haver lançado “Encontros Passageiros com Pessoas Permanentes”, “A Cidade que Ninguém Inventou” e “As Pequenas Histórias” (este último, boa revelação do conto potiguar contemporâneo), com “Retratos Fora da Parede”, Osair, experiente jornalista, revela outra faceta: a arte de fazer poesia com as coisas inúteis, através de uma prosa leve, poética e despojada.

A preocupação com a linguagem também é bastante acentuada no seu novo livro, que deixa visível a influência da poesia de Manoel de Barros. As crônicas de Osair, por vezes nos levam para um universo onírico descrito através de imagens e sinestesias e nelas podemos encontrar temas como o cotidiano, as pequenas coisas da vida, chuva, bichos, insetos, a infância projetada no adulto e a busca da felicidade. Talvez esses sejam os retratos fora da parede, como bem sugere o titulo, uma ótima metáfora das coisas que deixamos passar no cotidiano.

O livro tem uma marca literária muito forte, envolvendo lirismo e alegorias. Percebemos uma autorreflexão poética constante; nas entrelinhas transparece, não raro, quase que um discurso do próprio fazer artístico. A prosa é literal, outras vezes, simbólica, metafórica. Assim sendo, traz ao leitor, possibilidades de realidade e de fantasia; temos a palavra pela palavra inserida num espaço hegemônico.

A proposta da sua crônica também é, de certa forma, instaurar uma nova realidade, pelo menos para as nossas letras, através do olhar, provocando a inspiração poética, valorizando detalhes, transformando o lugar-comum em linguagem poética adornada pelo imaginário. De modo bastante criativo altera-se a fronteira entre o mundo exterior e o interior; aproximam-se as coisas “inúteis” da nossa realidade.

A CRÔNICA

É lugar comum dizer que a crônica possui a marca de registro circunstancial feito por uma linguagem jornalística, que desempenha função poética no momento em que recria a notícia, captando o seu misterioso encantamento. Se existe um gênero literário que pode ser classificado como de origem brasileira é a crônica. Sem o aspecto de erudição próprio do ensaio ou a objetividade do artigo, a crônica nos relata assuntos cotidianos, principalmente de fatos mais pessoais, relacionando-os a contextos característicos do nosso país, como política, futebol, carnaval e música.

De alcance extenso, a crônica nunca sai de cena e tem como característica a informalidade, estabelecendo um diálogo direto com os leitores. Ressaltamos que uma de suas qualidades é a forma como ela estimula o exercício de um olhar mais apurado sobre o presente, uma ligação com os acontecimentos do dia-a-dia, tornando-se muito pertinente e dinâmica em sua mensagem, como é o caso das crônicas do livro em foco. Observamos que, há ocasiões em que a crônica é mais pessoal, às vezes, poética, às vezes, didática, às vezes, memorialística, bem-humorada, satírica ou irônica e, claro, sempre relacionada a fatos cotidianos.

O PODER DAS PALAVRAS DE OSAIR

Osair Vasconcelos não apenas registra um fato, uma notícia, um acontecimento. Ele explora muito bem o poder das palavras para que o leitor possa vivenciar, com sentimento, aquilo que está sendo narrado. Algumas das crônicas do seu livro, parecem contos, e algumas são verdadeiros poemas em prosa. É importante destacar a nossa cidade, como principal lugar das flanagens de Osair, “observador das coisas inúteis”; tudo que não interessa a muitos é notado pelo flaneur e transmitido ao leitor através das palavras.

Para entender, ou melhor para desfrutar da literatura de Osair, primeiro é preciso despir-se da racionalidade do mundo, para depois vestir o manto da simplicidade. Talvez a grandeza de sua prosa esteja justamente nessa simplicidade, tanto da linguagem, como da forma. Um pingo de chuva, um inseto, um pedaço de folha seca jogado no chão, por mais ignorados que possam ser pelas pessoas que passam, guardam em sua simplicidade todos os mistérios da natureza.

O autor consegue facilmente motivar seus leitores, atraindo-os com o seu estilo ágil, leve e simples, como tudo o mais em seu livro. Em determinados casos, a leitura torna-se uma espécie de remédio, que satisfaz em momentos aprazíveis. Todavia, para não dizer que falamos apenas das flores, um ponto do livro que talvez pudesse ter sido reavaliado, ou seja, excluído, é o ultimo texto, “Peixe-Pedra”, o qual, no nosso entender, ficou um pouco deslocado do conjunto harmonioso do restante da obra.

Em suma, a prosa de Osair Vasconcelos está mais poética do que nunca, ou seria ao contrário? Peças como “Dia de Chuva”, “A Pedra do Reino”, “Cena”, “As Voantes”, “Canto de Muro”, “As Lagartixas” e “Iludir Relógios e Chegar ao Espelho” são peças surpreendentes, além, claro, de serem evidentes homenagens aos mestres Câmara Cascudo, Manuel de Barros, e Ariano Suassuna. Essas por si só justificariam a publicação do livro.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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