Os 10 melhores filmes de terror da nova geração

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As expectativas raramente são benéficas quando se trata de cinema. Sempre há que se deixar levar por uma obra para que ela tenha a oportunidade de provar seu valor. Preconceber julgamentos antes de ter contato real com o objeto pode ser um gesto que desmerece ou enaltece o que, a partir de uma visão neutra, não passaria de merecedor de opiniões medianas, mornas.

O cinema de gênero vem exatamente ao encontro das expectativas, abraçando-as com carinho. Isso porque o funcionamento interno de um filme que venha a se encaixar nessa definição é uma leitura específica do seu gênero. Mantém-se uma estrutura narrativa base, reafirma-se convenções tradicionais e, ao seu modo, cada filme fica livre justamente para subverter o que é preestabelecido para si: eis o surgimento das quebras de expectativas. Tais filmes criam suas próprias galáxias, mas sempre dentro de um universo corajoso, este que enfrenta as expectativas. E mesmo que possam expandir esse universo ao subverter convenções e gestos tradicionais, jamais uma produção de gênero criará o seu próprio cosmo. Um filme de gênero real – raiz – está muito mais preocupado em fazer jus ao seu universo do que posar com alguma arrogância e se dizer mais do que é.

Filmes de terror encaixam-se exatamente em um universo próprio, consolidado. Ao longo dos últimos anos, tais filmes vêm recobrando espaço com competência absoluta. São, enfim, filmes que fazem jus ao pertencimento desse gênero que formam a lista mais abaixo.

E detalhe: existiam muitos outros que poderiam compor a seleção que o Canaltech preparou. A ideia de citar os melhores da nova geração é completamente subjetiva. Pode-se dizer que a tal “nova geração” foi iniciada por Jogos Mortais (de James Wan, 2004); daria para ir ao início do século e pescar a obra-prima Kairo (aka Pulse – de Kiyoshi Kurosawa, 2001) como uma virada para o gênero, mesmo descentralizado do que se está acostumado a assistir por aqui; ou, de repente, pegar Atividade Paranormal (de Oren Peli, 2007) e transformá-lo em um marco devido à opção pelo mockumentary, que remete ao aterrorizante A Bruxa de Blair (de Daniel Myrick e Eduardo Sánchez, 1999).

A opção aqui, porém, foi por Invocação do Mal (de James Wan, 2013), que, querendo ou não, foi o predecessor de uma leva de gênero forte, consciente de si e segura. Além disso, o filme de Wan abriu caminhos para que o terror pudesse ter mais espaço em rodas de discussões e até para a criação, posteriormente, do termo que merece uma matéria à parte: pós-terror – um rótulo preconceituoso dado pelo crítico Steven Rose (do Guardian) para filmes de terror “mais sofisticados”.

Mas, em ordem cronológica crescente e não de qualidade, vamos aos 10 melhores filmes de terror da nova geração.

10. Invocação do Mal

Invocação do Mal (de James Wan, 2013), além de trazer uma combinação extremamente equilibrada de jump scare e tensão gradativa, tem um final mais do que satisfatório. Se dentro do gênero Hollywood costumava apostar em términos com algum gancho, a direção de James Wan, aqui, prefere dar um fim de fato. Nesse sentido, o sucesso da produção exigiu que a sequência fosse criativa na retomada, algo que, por si só, já coloca o filme como originário de algo que tenderia a crescer.

9. Sinfonia da Necrópole

Sinfonia da Necrópole (de Juliana Rojas, 2014) talvez seja um dos filmes mais subestimados de nossa filmografia recente. O jovem aprendiz de coveiro (interpretado por Eduardo Gomes) parece ser uma alusão à sempre constante briga do bem contra o mal – disfarçados de pessimismo versus otimismo. Isso porque Deodato (Gomes) busca respiro e vida justamente em uma profissão que lida diretamente com os mortos. Juliana Rojas (que escreveu e dirigiu o filme) é habilidosa na condução desse equilíbrio, cedendo dor ao protagonista ao mesmo tempo em que tende a ressuscitá-lo com a vivacidade dos planos e, especialmente, dos inusitados números musicais. Um filme que precisa ser (re)descoberto com urgência.

8. A Bruxa

Alguns dos melhores filmes de terror tornam o medo algo muito próximo de quem os assiste. Robert Eggers causa esse efeito a partir de elementos normalmente confiáveis. Tudo parece dentro de uma normalidade, mas nada está exatamente em seu lugar. Eggers permanece dentro da cabeça dos personagens, examinando-os – algo que voltou a fazer no recente O Farol. Em A Bruxa (2015), a questão do terror é nítida pela proximidade fervorosa que cada figura dramática tem com Deus e com o Diabo. Um estudo sobre a dualidade e, na falta do bom senso, o mergulho em um final inusitado. Para quem não está à procura de sustos e sim de atmosfera, deve ser a melhor pedida da lista. De brinde, ainda ganha a companhia de Black Phillip.

7. Creepy

Não se trata de um exemplar Kurosawa tão perturbador quanto Pulse, mas enquanto vai desabrochando suas camadas, Creepy (de Kiyoshi Kurosawa, 2016) aproveita cada detalhe para alimentar um certo pavor. O todo planejado pela direção, inclusive, faz com que mínimos detalhes alimentem o desconforto, como a trilha sonora silenciosa que permite que simples passos sejam escutados como algo ameaçador. Kurosawa ainda permite que o espectador acabe por se sentir socialmente desconfortável e, por essa perspectiva, é dos filmes mais silenciosamente assustadores da lista.

6. Verônica: Jogo Sobrenatural

Verônica: Jogo Sobrenatural (de Paco Plaza, 2017) é um terror carregado de suspense que sabe muito bem onde está pisando. Ao contrário de investir em quebras de expectativas, o corroteirista e diretor Paco Plaza (da trilogia iniciada por [REC] – fica a dica), doa-se completamente à construção delas. Há, sem dúvidas, subversões de gênero, mas o filme está mais disposto a construir um horror crescente, sem descanso, típico do cinema espanhol – algo como faz o ótimo Um Contratempo (indicação fora do gênero do terror).

O trabalho cuidadoso e consciente de Plaza edifica bases sólidas para o filme de uma forma única: é um terror, de fato, que traz o sempre revisitado tema da possessão demoníaca, mas é claramente realizado com muito carinho e naturalidade. Pode ser perceptível que, nem tão em segundo plano, Verônica: Jogo Sobrenatural é sobre os “monstros” que despertam durante a adolescência.

5. Hereditário

Hereditário (de Ari Aster, 2018) é um passeio retorcido pela consciência e também pela inconsciência, construindo uma cadeia sensorial que tem o poder de afetar a quem se deixar imergir (como o é Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, também de Ari Aster). Desse modo, surgem motivos para repulsa, enjoar-se, rir, chorar e temer. Ao mesmo tempo que, para quem é adepto às dezenas de jump scares (aqueles sustos causados pelo som repentinamente forte da trilha sonora) do terror mais genérico e não se deixa levar pela atmosfera proposta, as pouco mais de duas horas podem ser difíceis e cansativas.

E é justamente aí que reside mais um mérito de Hereditário: essa dificuldade de assisti-lo não é à toa. Aster demonstra ter controle total sobre a sua história e sobre o poder que ela tem de causar desconforto. Se houver resistência em assisti-lo, haverá uma inevitável fadiga; se houver entrega, as duas horas parecerão curtas demais e a sensação também será de desconforto – mas um desconforto de quem está resistindo e prestes a experimentar um novo sabor favorito de suco. Por outro lado, é óbvio que Hereditário não se resume a um suco, mas é a questão sensorial, de envolver os cinco sentidos, que se reflete nessa metáfora. É um filme que (in)conscientemente se pode ver, escutar, tocar e sentir cheiro e gosto. Cada um ao seu jeito.

4. Upgrade: Atualização

Escrito e dirigido por Leigh Whannel, de O Homem Invisível, Upgrade: Atualização (2018) deve ser, junto a Creepy, um dos filmes menos conhecidos da lista. É engraçado como essa obra de Whannel foi taxada por uma parcela da crítica americana de “estranha” e, por isso, “esquecível”. Talvez seja justamente por ser estranho que o filme precise de uma segunda ou terceira chance.

A verdade é que, aqui, exige-se um desprendimento saudável de qualquer realidade. A ideia é saborear o exagero, a extravagância (como em Mandy: Sede de Vingança – outra dica que poderia estar na lista facilmente). Pode não ser exatamente assustador, mas é uma narrativa homem-contra-tecnologia das mais divertidas. Computadores sádicos, bactérias nanotecnológicas, referências a David Cronenberg na caracterização de armas, lutas que parecem coreografadas por Michael Jackson. É, de fato, um filme a ser redescoberto e entendido dentro do seu próprio universo. Pode não ter a melhor das qualidades, mas, ao mesmo tempo, pode ser sensacional.

3. A Mata Negra

Se o caso é unir terror divertido com gore e reflexões político-sociais, nada melhor do A Mata Negra (de Rodrigo Aragão, 2018). Construindo toda a base da história através do folclore nacional, o diretor e roteirista insere elementos dos mais variados, que vão das garrafadas que fazem referência à lenda d’O Diabinho da Garrafa (também conhecida como Famaliá, Diabinho Familiar, Cramulhão, ou Capeta da Garrafa) ao próprio Livro de São Cipriano, que trouxe essa lenda do Famaliá de Portugal para o Brasil.

O ocultismo do Capeta da Garrafa, que envolve um ovo de galinha a ser fecundado pelo próprio demônio, serve como base para toda a trama, desaguando em um terceiro ato que é, além de sanguinolento, de uma consciência para a diversão do público que beira a genialidade. Destaque para a jovem galinha possuída que ataca os rostos dos personagens e parece uma referência (cômica) ao facehugger de Alien, o Oitavo Passageiro (de Ridley Scott, 1979).

2. Nós

Completamente desprezado pela Academia nas indicações para o Oscar 2020, especialmente a atuação de Lupita Nyong’o, Nós (de Jordan Peele, 2019) é construído sob a luz da realidade, e é nessa luz que está o seu maior terror. De qualquer forma, sua camada mais superficial, a da fantasia, é desenhada com um cuidado meticuloso. Essa junção tem força para dar a impressão (pretensiosa e acertada ao mesmo tempo) de que seu criador (Jordan Peele, que também está à frente de Corra! – outro que poderia compor a lista) tenta agradar a gregos e troianos. Mas, afinal, o filme consegue ser sobre nós e sobre “eles”… e é assustador o que está no subterrâneo das entrelinhas: o fato de que, socialmente, sempre há espaço para que sejamos eles e o “nós” sejam outros.

1. O Homem Invisível

Talvez esteja na lista pelo fato de sua mais do que relevante força atual; talvez esteja por aqui como um aviso de: se puder, corra para assistir no cinema. O Homem Invisível (de Leigh Whannel, 2020) deixa claro que qualquer incapacidade de reação da vítima não precisa e não pode ser uma regra e que o fundamental é a extinção de todo tipo de abusador. No filme, como terror coerente que é, a retaliação vem pintada de vermelho e com a arma do inimigo. É somente uma metáfora sobre a certeza de uma mulher que, mesmo cansada, decide pôr fim ao seu sofrimento: a morte do fantasma – o extermínio do mal – como início de uma nova vida.

Agora, ficam aí os comentários. Foi difícil fazer uma lista tão subjetiva, mas tenho certeza que vocês podem complementar e enriquecer tudo. Ficaram muitos filmes de fora – como o excepcional e carpenteriano Corrente do Mal (de David Robert Mitchell, 2014) –, então vamos conversando, debatendo… de repente, aumentando a lista.

Bons e ruins filmes para nós!


Texto originalmente publicado no Canaltech
Sihan Felix

Sihan Felix

Sihan Felix é crítico de cinema desde 2008, sendo membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro (ACCRJ) e cofundador e integrante da Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Norte (ACCiRN). Felix escreve para importantes mídias brasileiras, participa como jurado e palestrante em festivais dentro e fora do país, foi crítico de uma das maiores distribuidoras nacionais de clássicos e é contista. Além disso, quer comer gorgonzola sempre, mas a vida de professor de cinema e música o impede de ter muito contato.

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