O Coveiro de Buckingham

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Todos vocês devem ter acompanhado, com maior ou menor interesse, a agenda do ainda presidente Jair Bolsonaro pela Europa nas últimas semanas. Entre um bico de coveiro/corvo de Buckingham e mais um show de stand up comedy na ONU, o candidato à reeleição levou para todo o mundo o sentimento mais brasileiro dos últimos tempos: vergonha.

Bolsonaro usou o funeral da Rainha Elizabeth para fazer, de maneira descarada e vexatória, o que faz desde que assumiu a presidência em 2018: campanha política. “Necropolítica”, aliás. Distribuiu ainda outros vexames a rodo, como lhe é habitual por aqui, para todo o planeta ver.

Das gargalhadas descaradas para o Príncipe Charles III, herdeiro do trono britânico, no velório da própria mãe, ao rosário de mentiras e a tal “ameaça comunista” no palanque da ONU, o cardápio de gafes foi intenso e variado.

A pequena, desmesurada e barulhenta horda que segue o presidente também fez das suas. Essas figuras tenebrosas envergonharam todo o Brasil hostilizando a imprensa britânica que acompanhava as cerimônias para a rainha. Brasileiros, alguns imigrantes ilegais, diziam coisas como “vocês não são bem-vindos aqui”, “vão para a Venezuela” … o que mostra como a ladainha que fazem não é só para inglês ver.

A incapacidade de empatia de Bolsonaro, que só não lembra mais a famosa frieza dos serial killers do cinema americano porque é povoada de parvoíces e patacoadas, rendeu manchetes e manifestações que o ridicularizavam em muitos países.

O que me faz repetir algo que já digo desde 2018: Bolsonaro é representante legítimo de uma parcela significativa de brasileiros. São cidadãos como esses que mantém os inabaláveis 30% de intenções de voto no Coveiro de Buckingham, por exemplo. Claro está que sua representatividade é muito menor do que a alardeada por ele e pelos seus, mas é fato que esses existem. No entanto, é preciso lembrar que a rejeição ao atual presidente sempre foi altíssima e agora bate recordes atrás de recordes.

Com a proximidade da votação do primeiro – e possivelmente único – turno, os ratos que acompanham Bolsonaro também já começaram a deixar o barco, o que é muito comum nessas horas. O ex-ministro da Educação e metido a valentão Abraham Weintraub, soldado de primeira linha do governo, já foi à internet dizer que o bolsonarismo era uma mentira, que o presidente agia ilegalmente para esconder a corrupção dos filhos (o que o torna também corrupto, obviamente) e um punhado de outras denúncias e reclamações. Políticos do centrão e da direita que estiveram com Bolsonaro durante muito tempo também já o deixaram. Boa parte do alto escalão de militares já empurrou o ex-paraquedista do avião sem paraquedas e os que legislam a favor dele já clamam pela anistia de seus crimes, o que demonstra o quanto todos sabem do que acontece nos bastidores de Brasília.

A partir de sua presença no velório da rainha, pudemos perceber o quanto Bolsonaro de fato não se importa com os brasileiros vítimas da Covid-19, com as mulheres agredidas e assassinadas pelo machismo ou com a violência que as pessoas LGBT sofrem nas ruas de maneira cruel. Aquela história do “eu não sou coveiro” só vale para suas próprias vítimas.

Não bastasse a vergonha que sentimos aqui, tivemos de dar conta da vergonha alheia mundo afora, embora seja ainda muito pouco perto do que vivemos em nosso país nestes últimos quatro anos. Lá, pelo menos ao que sabemos, Bolsonaro não imitou a rainha morrendo na frente do Príncipe Charles III.

Minha avó sempre dizia que “costume de casa não se leva à praça”, porém, agora já chega. É tempo do coveiro de Buckingham parar de nos envergonhar, seja em casa ou fora dela.

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

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