por Marcius Cortez
O conde construiu um castelinho todo branco no bairro do Tirol, atrás do Aero Clube, para morar com a senhora condessa, sua esposa e a senhorita viscondessa, sua filha. O que diabo é ser nobre num país pobre? Digo numa palavra é truque, é um jeito moleque de criar uma realidade paralela e tentar ser feliz, muito feliz.
Meta que João Alfredo Pegado Cortez, natalense de tradicional família, alto funcionário da Marinha Mercante, alcançou por méritos próprios. Sua figura não me sai da cabeça, debruçado sobre a mesa de trabalho na torrinha do seu castelo, num lugar onde só ele entrava a escrever cartas e mais cartas para reis e príncipes do mundo inteiro. Escrevia, escrevia e depois sapecava em letras floreadas a sua identidade real: Conde de Miramonte, Senhor do Principado de Arez.
Titio queria porque queria que o Brasil fosse uma monarquia. Não tinha esse negócio de Presidente não, o país precisava ser governado por um Rei. De preferência amigo dele. Ou ele próprio.
“O Conde é a nossa maior liberdade poética, em pessoa”, isso era seu amigo Ticiano Duarte, falando dele. Escritor e membro da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, titio era conhecido por dar ótimas festas no castelinho do Tirol.
O Conde de Miramonte se pautava pelos altos valores praticados na corte. Mas quando precisava era um matuto danado de sabido, um amarelinho ligeirinho que só a gota. Ele tinha algumas casas de aluguel e uma vez encontrou uma maneira supimpa de se livrar de certo inquilino tratante. Mandou Chico Tromba fazer um servicinho no imóvel. E quando o mau pagador retornou da viagem encontrou a casa destelhada. Num átimo, tratou de quitar a dívida.
Quem o conhecia e o admirava era o jornalista Woden Madruga. Titio era mesmo digno de toda a simpatia. Miguel de Cervantes precisou inventar Dom Quixote, mas o Conde de Miramonte dispensou essa trabalheira, ele mesmo se transformou numa ficção. Ele mesmo se aprumou no jumento puro-sangue, empunhou lança e escudo e saiu galopando pela cidade de Natal a conversar com um e com outro enquanto o sol se deitava no Potengi.
Com o tempo, os seus olhos foram se tornando mais luminosos. Formou-se em seu semblante uma fonte serena e um vinco de risos sucessivamente percorridos a desaguar na satisfação de alguém que semeou a boa aventurança. Seu maior legado foi ele em si, vestiu a fantasia de Conde, construiu o Castelinho que acabou virando cartão-postal da cidade, foi o marido da Condessa, o pai da Viscondessa e foi o único poeta que não escreveu verso nenhum, pois aonde ia, a poesia ia atrás.