O cantor chegou!

PIX: 007.486.114-01

Colabore com o jornalismo independente

Na Grécia antiga, a palavra trilogia era usada para definir um poema dramático composto de três tragédias. Hoje, serve para definir qualquer obra ou poema dividido em três partes. Em literatura, como também no cinema, trata-se de um grupo de três obras unidas entre si por um tema idêntico.

Nos meus dois artigos anteriores (AQUI e AQUI) descrevi em detalhes a importância que os circos têm na formação de artistas populares, principalmente cantores; falei também como as dezenas de apresentações em circos foram importantes na minha trajetória como cantor. Hoje, quero pedir permissão aos leitores para concluir a série de artigos sobre o tema, contando uma história verídica de um show que fui fazer em um circo na cidade de Touros, no princípio dos anos oitenta. Com este artigo, encerro aqui a série sobre o tema. Vou tomar a liberdade de denominar estes três artigos (não sei se inadequadamente), como uma espécie de “trilogia”.

Em 1982 eu apresentava o programa Geração Colorida na rádio Trairy (que passou a ser rádio Tropical e atualmente é CBN Natal). O programa, que ia ao ar das 13 às 16 horas, de segunda a sexta-feira, era líder de audiência no horário. Eu havia lançado um compacto simples pelo selo Jangada, da gravadora Odeon, com as músicas Onde Ela Está e Padre, Pare o Casamento e graças ao sucesso do disco no Rio Grande do Norte, na Paraíba e em Pernambuco, eu fazia muitos shows em circos nestes três estados.

Uma vez fui fazer um show no circo de Zé Palito, que estava armado na cidade de Touros. Eu não podia imaginar o que me esperava…

Viajei de ônibus, com meu violão a tiracolo e uma bolsa samsonite contendo um terno, uma pasta dental, um pente e uma escova de dentes (a bolsa e o terno eram heranças do meu tempo de vendedor da Abril Cultural no Rio de Janeiro). Na Estação Rodoviária, além da passagem para Touros, comprei uma revista Seleções. Ocupei um lugar no último banco do ônibus e viajei o tempo todo com a cara enterrada na revista com medo de ser reconhecido – o que, graças a Deus, não aconteceu. Zé Palito, o dono do circo e meu amigo, era de confiança e por isso não levei ninguém para ficar na portaria do circo.

Viajei bastante otimista: era época da safra da lagosta, o circo estava agradando e na véspera do meu show, lotara com a luta de box dos anões. Na época, não havia estação rodoviária em Touros e Zé Palito iria me pegar em um jipe de praça no ponto de apoio que funcionava como terminal rodoviário, próximo do local onde o circo estava armado.

Ao chegar em Touros, deixei que todos os passageiros descessem, mas fiquei apreensivo, pois Zé Palito não tinha ido me esperar, como havia prometido. Fui o último a descer do ônibus e quando pisei no solo tourense, gelei: vi, no ponto de apoio, um cartaz com uma foto minha em preto e branco, onde eu aparecia recebendo um troféu das mãos do Chacrinha (Eu havia ganhado em 1979 o título de Melhor Intérprete de Roberto Carlos na Buzina do Chacrinha (confira essa história em detalhes AQUI), que na época estava na TV Bandeirantes; ao voltar do Rio para morar em Natal, eu consegui um patrocínio com a loja PROVENDAS que fez para mim mil cartazes, que eu usava para divulgar meus shows nos circos). Embaixo da foto, uma frase: FERNANDO LUIZ – DO CHACRINHA PARA O NORDESTE. Logo abaixo desta legenda, estava escrito com pincel atômico em letras garrafais vermelhas: HOJE NO CIRCO.

Sozinho e sem saber o que fazer, tomei a única decisão que me pareceu a mais sensata: pedi a um garoto para me levar até o circo. E aí aconteceu o pior: ao ver o cartaz com minha foto, o garoto começou a gritar: O CANTOR CHEGOU! O CANTOR CHEGOU! Nesse momento, igual a formigas saindo de um formigueiro, surgiram, como num passe de mágica, vindas só Deus sabe de onde, inúmeros outros garotos, que me pareceram dezenas, gritando incessantemente em uníssimo: O CANTOR CHEGOU! O CANTOR CHEGOU! Em poucos minutos eu estava caminhando na areia (a rua não era asfaltada) em direção ao circo, com a bolsa samsonite numa mão e o meu violão da marca Tonante na outra, com a cara de condenado à morte, ouvindo aquele coro ensurdecedor atrás de mim: O CANTOR CHEGOU, O CANTOR CHEGOU…

Cheguei no circo suado e empoeirado. À noite não foi vendido nenhum ingresso. Não entrou uma só pessoa no circo. Não houve espetáculo. Eu jantei peixe agulha com farinha e café junto com o elenco do circo, dormi no picadeiro usando minha samsonite como travesseiro e viajei de volta no caminhão que levava os feirantes para a feira de Ceará-Mirim, de onde peguei um ônibus para Natal, e ainda tive que ir a pé da estação rodoviária para a minha casa, que ficava no Alecrim.

Hoje, quando conto essa história, as pessoas riem e eu também. Mas naquele dia foi diferente. Não tinha nenhuma graça. Ao chegar em casa, chorei.

Na semana seguinte fiz um show no Circo de Facilita, no bairro de Pirangi. Aí veio a recompensa: o circo estava tão lotado que o pano de roda teve que ser suspenso por causa do calor e um carro da Radio Patrulha foi acionado para conter o tumulto que se formou na frente da bilheteria do circo.

O show foi um sucesso e eu voltei para casa com “um bolo de dinheiro” enrolado num papel de pão.

Fernando Luiz

Fernando Luiz

Cantor, compositor, produtor cultural e apresentador do programa Talento Potiguar, que é exibido aos sábados, às 8 horas pela TV Ponta Negra, afiliada do SBT no RN.

WhatsApp
Telegram
Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Mais lidas da semana