No, we can’t!

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Este é um tempo de profundo cansaço. Já devo estar cansado de repetir isso, aliás. E quando o digo sei que não falo apenas por mim, mas por toda uma geração que está entre o esgotamento e o desespero.

As cobranças, metas, frustrações, inseguranças e expectativas inalcançáveis têm construído para nós um mundo de exaustão e culpa que não nos permite viver em paz. Nessa conta estão questões de foro muito pessoal, mas também algumas maiores, como o modelo de sociedade que construímos, uma crise de valores, o cenário econômico, político e social do país, ainda que algumas pessoas nem se deem conta do quanto são diretamente afetadas por isso.

É claro que ver os desmandos e barbáries políticas impetradas pelo presidente e a corja que o segue nos maltrata: um ogro de poucas letras que recebe uma comenda da Biblioteca Nacional, assassinatos e descasos de indígenas e ativistas na Amazônia, bilhões e bilhões de dinheiro público gastos na nossa cara para comprar uma eleição, inflação, fome, miséria… não é possível passar por isso sem sentir algum tipo de cansaço, de desesperança, eu sei. Penso que é preciso ser muito doente para não adoecer devido ao país em que vivemos. Somos muitos os doentes de Brasil.

No entanto, não é só isso. Como se isso fosse pouco.

Estamos sempre a nos cobrar mais, a nos exigir mais, a chicotear nossas próprias costas porque todos dizem “Yes, we can!” o tempo todo sem perceber que, em algumas vezes, “we can’t” e isso não deveria ser nada tão grave.

Há sempre algo por fazer, uma obrigação não cumprida: a casa por varrer, um relatório por entregar, os exercícios físicos por cumprir, dilemas a resolver, a obrigação de se divertir, a exigência inexorável de ser feliz quando apenas se quer existir (ou nem isso). E tudo o que há para se cumprir parece sempre maior do que as coisas já feitas. Deve ser algo ligado àquela ideia de que a ovelha perdida vale mais que as outras do rebanho.

O filósofo sul-coreano Byung Chul Han escreve muito melhor e cuidadosamente sobre isso, especialmente em seu livro “Sociedade do Cansaço”, que estou sempre a indicar e escrever a respeito.

Temos tantas missões a cumprir, tanto trabalho a fazer, tantas ações para desempenhar que tem nos faltado o tempo da contemplação, da pausa, da espera. Só o que é imediato parece produtivo e ser “produtivo” se mete nas nossas agendas como uma pedra de salvação para a humanidade. Tudo o que não é produtivo ou prático se impõe como inútil. Assim, deixamos de pensar, sentir, contemplar, lembrar e até mesmo esquecer porque nos falta tempo e nos sobra uma objetividade absolutamente desgastante, exaustiva.

Por isso, a vocês, quatro ou cinco leitores que chegaram até aqui, tenho de agradecer por compartilharem estas linhas comigo. Por aceitarem o convite para debruçar-se sobre os infinitos três minutos de leitura desta crônica absolutamente sincera que diz ao mundo: “estou cansado!”. Mesmo sabendo que o mundo não ouvirá.


IMAGEM: Postada no blog Arierbos

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

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4 Comments

  • Theo Alves
    Theo Alves

    Muito obrigado pela leitura generosa, minha cara Eva!

  • Eva Potiguara

    Aûîébeté Xe irû 🙌🏾
    Parabéns Companheiro, por tamanha sensibilidade crítica de temas tão emergentes.
    Por isso, amo viver no Mato. As coisas simples da vida, são as mais preciosas. A sinceridade do sorriso e do olhar, da flor ao vento e dos bichos na comunhão com a natureza. Me ensinam muito e alimentam minha energia de seguir em frente em meio as cinzas desta sociedade quase gasosa.

  • Theo Alves
    Theo Alves

    Muito obrigado, meu amigo.
    Vou ler sua indicação também!
    Abraço!

  • Uma boa crônica como essa é revigorante. Vou ler a obra por vc indicada. Indico-lhe outra: “A felicidade, desesperadamente”, do filósofo André Comte-Sponville. Livro curto, resultante de uma aula.

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