Ninguém passará impune a ‘Deus me perdoe por quem eu sou’, novo romance de Theo Alves

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Por Itaércio Porpino

Na divulgação de seu novo livro, o romance “Deus me perdoe por quem eu sou”, em pré-venda pela Editora Libertinagem, de São Paulo, o escritor potiguar Theo G. Alves, 44, poderia destacar situações envolvendo os personagens que provavelmente elevariam o interesse dos leitores ou de um certo nicho de público, mas ele acredita que se fizesse isso estaria sendo desrespeitoso com sua escrita e diminuindo o universo que criou. Pelo mesmo motivo, procura não enquadrar a obra em um gênero.

“Eu tenho um imenso respeito pelo que escrevo e isso significa que não posso me dar ao direito de diminuir o universo que crio. Encontrar um gênero para o livro é uma tarefa muito mais da crítica e do leitor que minha. Eu quero é dificultar essa tarefa, então nunca pensei em ‘Deus me perdoe…’ como um livro policial ou um romance queer, literatura regional ou sei que mais lá. Para mim, é um romance, um livro, uma história. E os aspectos da poesia, da tragédia, violência e melancolia são inerentes ao mundo em que a história acontece, que é este nosso mundo, cercado de coisas que nos colocam contra a parede todos os dias. É uma história que pode ser real em inúmeras possibilidades, mesmo que seja toda criada e, para mim, isso importa.”

A construção da narrativa, segundo o autor, é ao mesmo tempo simples e rebuscada. O enredo parte de uma história de amor e não pertencimento e acaba por construir e apresentar a estrutura que leva seus três personagens centrais – Severino, Dalva e Naldo – a se tornarem quem são, sujeitos de um bairro pobre de uma cidade interiorana do Rio Grande do Norte que vão se construindo a partir do que têm e do que lhes falta, do pouco mundo ao seu redor, que, em contraponto, é o universo inteiro em que existem. “Por isso há muitos flashbacks na história e ainda um lugar especial para o caderno de sonhos de Dalva, que aparece entre os capítulos do eixo narrativo principal. Há especialmente uma alta dose de poesia nas narrativas oníricas de Dalva, que é uma personagem apaixonante”, diz Theo Alves.

Embora predomine a narração em terceira pessoa, “Deus me perdoe por quem eu sou” é um livro íntimo, intimista, mas que convida ou convoca o leitor para a cumplicidade de suas tragédias, para se perceber parte do assunto e dos acontecimentos. “A intenção é que ninguém saia impune dessa história, seja personagem, autor ou leitor. Tudo no livro, ou quase tudo, é intencional. Espero que não haja acidentes nele, sendo tudo propositalmente disposto para provocar sensações, guiar o leitor por acontecimentos que causem espanto, horror, compaixão e amor”, comenta.

O título, ao mesmo tempo que revela uma carga emocional dos personagens, indicando que há algo moralmente deplorável a ser revelado, não diz absolutamente nada da história, o que o torna intrigante e sedutor. De acordo com Theo, o enredo permanece em segredo porque os personagens e seus sentimentos são maiores que a própria história. “Ele é uma fala de Severino, um dos eixos dessa trama, e ela traduz um sentimento de muitos de nós em diversas situações. Ele só me apareceu com o livro em andamento, o que me angustia um bocado, afinal, tenho por hábito começar os projetos pelos títulos. Este parecia um livro que andava acéfalo porque eu ia escrevendo, mas não havia ainda um título que juntasse as pontas da história. Em uma das cenas, então, um personagem me disse isso. ‘Deus me perdoe por quem eu sou’ pareceu uma frase tão sincera e autêntica que de alguma maneira condensava os vigores do livro. Não tive dúvidas de que seria esse o título.”

O tom exato da oralidade e a mistura das vozes dos personagens com a narração, além da construção de imagens poéticas na medida certa e em função da narrativa, elevam a qualidade da obra e lhe dão uma identidade. “Esse caminho da oralidade é algo que tenho buscado nos últimos anos e já aparece pujante no ‘Barreiro das Almas’ [romance de 2022]. Acho que em ‘Deus me perdoe…’ o exercício chegou ao ponto esperado, ao resultado que eu buscava ao inserir a voz dos personagens junto à do narrador, mas permitindo que o leitor consiga perceber a assinatura de cada um. Então, não houve um estudo específico para essa representação da oralidade, mas inúmeros estudos ao considerar que tudo o que escrevi em prosa nos últimos anos exercita essa técnica. No final das contas, acho que ela reúne tudo o que ouvi das pessoas ao longo da vida e ouço até hoje. Nada me encanta mais na linguagem que a fala do dia a dia, o quanto as pessoas são habilidosas para a comunicação, mesmo sem o letramento formal das escolas.”

Theo Alves se diz uma pessoa alfabetizada pela poesia, especialmente um escritor forjado pela palavra poética, pela construção de imagens. Desde menino decidiu que escreveria porque essa era a única ferramenta da qual dispunha para criar imagens. Então, seu jeito de narrar, de contar as coisas, passa perenemente pela poesia. “Mesmo as cenas mais violentas do livro estão marcadas por dois elementos sem os quais não sei escrever: poesia e cinema. Assim, minha busca é para que a poesia seja um instrumento capaz de contar histórias por meio de imagens sem fazer disso uma muleta cansativa e tediosa para o leitor. Acho que essa é minha assinatura, espero que as pessoas vejam o que escrevo e reconheçam a autoria pelo estilo.”

 

‘Não é fácil ser poeta a tempo inteiro’

Com prefácio do escritor e mestre em literatura brasileira Tarcísio Gurgel, também potiguar, “Deus me perdoe por quem eu sou” é o décimo livro de Theo G. Alves e seu segundo romance em 15 anos, desde que estreou na literatura com “Pequeno manual prático de coisas inúteis” (poesia), de 2009.

Uma média de publicação considerável, levando em conta que suas atividades profissionais lhe tomam todo o dia. “Sinto falta de poder ser escritor por mais tempo. Durante o dia, penso como escritor em boa parte dele, mas o trabalho de fato fica sempre para mais tarde. Para ser muito sincero, acho que a maior rebeldia que cometo é escrever livros. No caso de ‘Deus me perdoe…’, por exemplo, foram quatro anos desde a primeira ideia até ter um livro pronto e editado. É muito tempo, aparentemente, entretanto, se você pensar que ele foi escrito em dias de intervalo, férias, ou cedinho, às 6h da manhã, antes de começar o expediente, até que foi rápido. Eu queria ter mais tempo para ser escritor e o José Miguel tem toda razão [refere-se ao poeta português e seu poema ‘Não é fácil ser poeta a tempo inteiro’], especialmente quando você precisa ir lá fora ganhar o pão do dia por outros meios.”

De toda maneira, Theo considera que a literatura é muito generosa com ele. Já o mercado editorial o incomoda um bocado. O escritor andou batendo em algumas portas com o “Deus me perdoe…”. “Sei que é um bom livro, mas não consegui muita coisa. Inclusive por aqui. Quem queria editar não tinha grana, eu também não tinha. Quem tinha não pareceu querer publicar. Alguns contatos com editoras paulistas foram mais alvissareiros, especialmente a Libertinagem, do Bibiano, a quem já conheço há anos das redes sociais. E a parceria tem sido ótima. É fantástico lidar com gente sensível e que entende o caminho do livro. Tem sido isto: um contato constante e fluido, respeitoso, bonito e que revela o desejo de ambas as partes de fazer um livro lindo. Enviei algumas fotos como sugestão para o clima que a edição precisava ter e o Bibiano me surpreendeu com a capa e uma imagem que encarta o caderno de sonhos no livro. As imagens são minhas, de um ensaio feito em uma olaria na minha cidade, o que me deixou feliz e honrado. Confesso que senti vontade de voltar a fotografar depois de Bibiano ter gostado tanto das imagens a ponto de colocá-las no livro.”

Nascido em Natal e escrevendo em um mercado periférico que é o Nordeste, mais periférico ainda que é o Rio Grande do Norte, na periferia de uma cidade do interior [Santa Cruz], Theo Alves se vê ignorado por Natal enquanto escritor periférico do estado, da mesma maneira que o Rio o ignora enquanto escritor periférico do Brasil. “Aliás, acho até mais fácil ser ouvido no resto do país do que por aqui. Não à toa, a maior parte dos meus livros – como este – saiu por editoras sudestinas”, diz.

Vencedor de alguns concursos literários, como o Prêmio Nacional de Contos Ignácio de Loyola Brandão 2017, Theo Alves considera que os prêmios para escritores são importantes, embora não definam muita coisa. “Há livros medianos com muitos prêmios, há autores que vencem prêmios antes de seus livros serem publicados. Entretanto sei que isso é parte do mercado, do jeito capitalista de fazer livros. Eu continuo fazendo os meus e espero ganhar todos os prêmios do planeta, ainda que raramente me inscreva nesses concursos. Acho que sou um escritor cansado de juntar material para inscrições e coisas do tipo. O que mais desejo alcançar nem são os prêmios. Quero alcançar leitores, quero que leiam meu livro e falem dele, que questionem, duvidem, enalteçam, que gostem do livro, que pensem nele, que o tenham como referência e, numa conversa, perguntem ‘você já leu o livro novo de Theo Alves?’ Pensar nisso me diverte mais do que imaginar os discursos que faria recebendo prêmios.”

SERVIÇO
Título: Deus me perdoe por quem eu sou
Autor: Theo G. Alves
Editora: Libertinagem
Páginas: 162
Preço (pré-venda): R$ 40,50
Link para compra:www.editoralibertinagem.com

Redação

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