Sem a menor originalidade, mas falando do fundo da alma, posso dizer que tenho no coração quatro cidades: Santana do Matos, Martins, Mossoró e Natal.
Afora Santana, minha terra-berço, de onde saí para não mais voltar, com apenas 1 ano e poucos meses de idade, as demais formam o meu itinerário de Pasárgada…
Em Martins, no alto de uma serra paradisíaca (vá lá o clichê), vivi a infância, uma década cujos encantos a memória sentimental vai ampliando à medida em que passam os anos e a gente vai ficando cada vez mais nostálgico.
Como Martins não dispunha, então, de uma escola secundária, meus pais me mandaram continuar os estudos em Mossoró, interno no Colégio Diocesano Santo Luzia, que ainda funcionava no velho prédio da Praça Vigário Antonio Joaquim (Anos depois, lamentavelmente, demolido). Era o ano de 1956. Mossoró era uma cidade tranquila e provinciana, mas já cognominada Capital do Oeste. Desenvolvia-se graças ao comércio e indústria do algodão, principalmente.
Para que se avalie a sua crescente importância sócio-econômica, basta dizer que contava com uma instituição bancária local, o Banco de Mossoró, sediado num “arranha-céu” (cinco andares!), linha aérea regular e estrada de ferro – a “Mossoró-Souza”.
Um jornal, “O Mossoroense” velho de guerra, e duas rádios – Rádio Difusora de Mossoró e Rádio Tapuio – constituíam a impressa escrita e falada, como então se dizia.
Dois clubes movimentavam a sociedade com festas animadas: Ipiranga e ACDP (Associação Cultural e Desportiva Potiguar, que, inicialmente, chamava-se apenas ADP), situada à margem do rio Mossoró, logo após a ponte “Jerônimo Rosado”. O povo, gaiatamente, dizia que a sigla ADP significativa “Adepois da ponte”, e ACDP “Adepois da curva da ponte”.
No plano cultural, Vingt-Un Rosado e João Batista Cascudo Rodrigues eram os nomes em evidência, grandes animadores, ou melhor, ativistas, para usar a linguagem de hoje. Vingt-Un à frente da “Coleção Mossoroense”, já a todo vapor; livros e plaquetes editados em profusão; João Batista no ICOP (Instituto Cultural do Oeste Potiguar) e n´outras frentes, ambos cheios de ideias e sempre dispostos a coloca-las em prática.
“O Mossoroense”, fazendo jus à tradição, tinha a eficiência de Lauro da Escóssia, seu diretor, e a pena afiadíssima de Jaime Hipólito Dantas. Outros nomes – Rafael Negreiros, Elder Heronildes – participavam do jornal como colaboradores.
Em 1957 meus pais vieram residir em Mossoró (papai, Juiz de Direito, fora promovido para a terceira entrância, vindo ocupar uma das duas Varas da Comarca de Mossoró), e eu, até então interno no “Santa Luzia”, ganhei harbeas corpus, passei a estudar externo. Foi um alívio, uma felicidade. Vale dizer, entre parêntesis, que o Colégio havia se mudado, no meio do ano anterior, para o prédio novo, construído na periferia da cidade.
Sobre a minha vivência no tradicional educandário, que me deixou tantas marcas, escrevi página de memórias, incluída no meu livro “O Caçador de Jandairas” (3ª. edição, revista e aumentada. Natal: Oito Editora, 2019).
Morávamos em casa alugada, na rua Tibério Burlamaqui um casarão com não sei quantos quartos e salas. A rua sem calçamento tinha um doce ar de subúrbio.
Adolescente, 13 anos em flor, sempre às voltas com os desencontros e alumbramentos próprios da idade, eu começava a descobrir a Vida… Minha maior curtição eram as matinês nos cinemas Pax e Caiçara. Duas a três vezes por semana me largava pela rua Mário Negócio em direção ao centro da cidade, ansioso para assistir à fita em cartaz.
Às vezes, depois do filme, voltava pra casa quase correndo, não podia perder, no rádio, mais um capítulo da novela “Jerônimo, o Herói do Sertão”.
Foi na Mário Negócio que descobri a Biblioteca Pública Municipal, instalada num salão do andar térreo do Clube Ipiranga; ali mantive os primeiros encontros com a Literatura e findei virando leitor inveterado.
Muita coisa ainda teria a dizer sobre Mossoró do meu tempo. Mas, ela tornou-se, como a Itabira de Drummond, apenas “um retrato na parede”… E como dói.
Chega de saudade.