Mudei esse texto em cima da hora, eu ia falar de algo ligeiramente correlato, que também tangenciava o conceito de Hype (se não sabe o que é ou não lembra bem do que se trata, clique AQUI). Mas decidi fazer uma breve retrospectiva estilística que, de certa forma, também tem a ver com estilos (mais ou menos) hypados.
E nesse resgate (afinal, é final de ano, todo mundo adora uma retrospectiva), vamos passar por dois estilos modinhas, um que já morreu (Brut IPA) e outro que vem perdendo sua força paulatinamente (graças a Deus! – Pastries Stout e Sours).
Brut IPA – uma péssima ideia
Quando pensamos em junções que não podem dar certo, usualmente pensamos em Romeu e Julieta (tanto o romance quanto a “sobremesa”, ugh!), Vasco e Flamengo ou (P)MDB e PT…
Mas quem pensou que poderia juntar as Brut beer (um estilo frisante de cerveja, mais próximo ao espumante que ao conceito de cerveja tradicional) com as já estabelecidas IPA’s está de parabéns! Porque dessa improvável união não teria como vingar nada mesmo.
As Bruts parecem muito mais um espumante que uma cerveja. Quem já teve a oportunidade de degustar algo no estilo pode avalizar essa informação com garantias.
Aos mais desavisados, em um teste cego, se não for um grande conhecedor dos espumantes ou se nunca tiver sequer provado o estilo da Brut, uma passa pela outra desavisadamente, como se fossem um líquido da mesma classe, gênero ou espécie. Tomaria um pelo outro tranquilamente, em caso de desconhecimento.
Assim, percebe-se que Brut já não é um dos estilos cervejeiros mais acessíveis (no Brasil devem ter sido comercialmente feito, no máximo, umas 5 cervejas nesse estilo em toda a História) e muito menos um dos mais próximos ao que se tem ao arquétipo de “cerveja” (por mais que você seja acostumado a degustar estilos menos usuais e não tão próximos dos estilos de massa – American Lagers, por exemplo).
A ideia mercadológica era juntar a refrescância e o caráter frisante das Bruts com a lupulagem assertiva das IPAS, atendendo ao mantra comercial do: é tudo IPA!
Todavia, para o bem, o “deus” Mamon[1] (no original em hebraico: מָמוֹן), o “deus” (ou melhor dizendo, entidade demoníaca) da usura, da ganância e do mercado (aquele miraculoso ser invisível que aumenta sorrateiramente as margen$$$ dos produtos quando os intrépidos bons cervejeiros vão descansar após um dia árduo de trabalho), não foi tão bem sucedido em sua empreitada diabólica.
Algumas grandes cervejarias até tentaram, como a Dogma, lançar um produto como esse, mas a aceitação de um estilo que fosse ao mesmo tempo frisante e lupulado (cítrico e amargo) não caiu nas graças dos reis do camarote do untappd (pun intented). Para o bem de todos e felicidade geral da nação, esse estilo já foi sepultado e devidamente exorcizado, amém!
Pastries das Stouts às Sours
O movimento mercadológico mais “recente” e também mais agudo foi na direção das Pastries, ou como o nome alude, às sobremesas em forma de cerveja.
Coloquei como “recente” porque, tecnicamente, o uso de qualquer adjunto que remonte a uma sobremesa pode dar azo a se pensar em uma Pastry, e, nesse sentido, por exemplo, a cervejaria Tupiniquim já fazia sua série “Manjar” há uns 5 anos aproximadamente, adicionando quantidades generosas de coco e de chocolate à sua Stout. Na época, parecia ser algo inovador, ainda que bastante isolado. O resultado era ótimo, mas a história não se desenvolveu tão bem assim.
Certamente que, caso se compare as Pastries com as Brut IPA, o fracasso dessa última é retumbante, enquanto que as primeiras conseguem se manter no mercado já há algum tempo, e com alguns exemplos, até conseguem entregar boas cervejas.
Todavia, de uma maneira mais ampla, é correto dizer que as Pastry Stouts já não estão mais no seu auge, como aproximadamente um ano atrás, quando realmente eram febre.
Um dos motivos para que as Pastries não tenham sido calcinadas como as Brut IPA’s reside, principalmente, no fato de que a ideia da qual elas se originam não é algo atroz, na verdade, é até uma boa ideia, adicionar adjuntos para fazer com que as antigas RIS (Russian Imperial Stouts) ganhassem uma nova roupagem, fossem menos torradas, corpo mais alto ainda, dulçor mais proeminente e até mesmo adição de lactose para dar aquele tchan.
Os elementos constitutivos das Pastry Stouts são bons em sua “essência”, o problema é na execução. E a palavra “essência” ganha um significado além do posto por Sartre ao justificar seu existencialismo ao dizer que “a existência precede a essência” [2].
No caso das Pastries, a maioria dos adjuntos (ou seria a totalidade? Fica aí mais um questionamento filosófico) é colocado na forma de essências: de avelã, de baunilha, de coco, de cereja, do que quer que seja para agregar o caráter de sobremesa ao líquido sagrado.
O grande problema é que essas essências costumam dar um aspecto artificial e plastificado à cerveja. Seu uso, ainda que contido e comedido, deixa uma marca indelével nessas Stouts, que parecem ter sido dosadas por um robô, retirando boa parte do sabor natural que as cervejas poderiam ter.
Em síntese, a execução da maioria das Pastries acaba recaindo no mesmo problema: cervejas que são sugar bomb para matar diabéticos, essências artificiais e aquele mais do mesmo que já estamos acostumados. Next!
Pastries Sours
Felizmente, parece que a demanda por mais Pastry Stouts parece estar na descendente. Isso não quer dizer que todo dia seja lançada uma nova cerveja nesse estilo, mas que estão sendo mais comedidos, e tomara que isso ajude a maneirar no uso das famigeradas essências.
No entanto, Mamon é ardiloso (e pelo visto adora um doce!). Tanto que circulam algumas cervejas nomeadas de Pastry Sour, ou sobremesas azedas/ácidas (seja lá o que isso signifique em essência).
O ponto é que com o arrefecimento de se buscar mais e mais Pastry Stouts, o mercado se guiou para desenvolver a modinha das Sours alinhando-as àquela pegada Pastry (“doce doce, viver no planeta doce!”, cantaria Jô Soares).
Daí surgem cervejas carregadas na lactose, bem doces, e com alguma inserção de fruta para agregar à acidez típica das Sours, com um corpo mais elevado e com uma graduação alcoólica superior, para dar vazão à quantidade elevada de dulçor.
Por enquanto, as Pastries Sours ainda não vingaram, nem tiveram um desempenho semelhante ao das suas irmãs em doçura, as Pastry Stouts, ainda que estejam engatinhando sua entrada no mercado.
De toda maneira, não parecem ter uma ideia tão boa quanto foram as Pastry Stouts no começo, mas, há de se dizer, também não soam como uma aberração cervejeira, tal qual as Brut IPA sempre foram.
A Saideira
Oh Mamon! “deus” de tanta criatividade e perspicácia ímpar para inventar modinhas e demais apetrechos de hype! Por que nos trouxeste as Brut IPA? Não que alguém sinta falta delas. Trouxe também as Pastries, mas parece que esse afã também já está de passagem (para bem longe, tomara!).
E dizem que a próxima modinha a hypar vai ser a das Lagers… Bohemian, Czech, Vienna, Helles e demais Lagers mais leves (sem vez para as Bock, DoppelBock, Schwarzbier e assemelhadas… nessas Mamon não vai investir, sorry!).
Vamos rezar a Deus (mas para o Deus certo dessa vez) que essa nova modinha não vingue… e torcer para que os pajés, druidas, xamãs, videntes e magos cervejeiros não acertem seus sortilégios e previsões sobre a nova modinha das Lagers.
Música para degustação
E como o papo hoje foi doce (Pastry até demais, eu diria), deixo de sugestão musical o clássico oitentista que embalou parte da trilha do especial infantil Plunct Plact Zum, na voz do versátil Jô Soares, vamos de “Planeta Doce”!
Cheers!
[1] Vide Lucas 16:13 e Mateus 6:19-24.
[2] SARTRE, Jean-Paul. O Existencialismo é um Humanismo. Trad. Vergílio Ferreira. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 5.