Meu amigo Nelson Patriota

andreia braz e nelson patriota

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O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica…

Vinicius de Moraes

Minha admiração por ele nasceu antes mesmo de nos conhecermos pessoalmente. Acho que a primeira vez que o vi foi numa Bienal do Livro de Natal. Não lembro o ano. 2007? Talvez. Ele estava participando de um bate-papo com Fernando Morais. Ainda lembro da pergunta que fez ao biógrafo de Olga Benario e de Assis Chateaubriand: “O que motivou o senhor a escrever a biografia de Paulo Coelho?”.

Alguns anos depois, nos encontramos na Editora da UFRN, onde comecei a atuar como bolsista na área de revisão de textos, por indicação da professora Penha Casado Alves, que continuou me acompanhando até a especialização. Seu apoio e orientação foram fundamentais para que eu seguisse atuando na área. Na Edufrn, fui muito bem acolhida por Risoleide Rosa e Wildson Confessor, revisores experientes que me ensinaram lições importantes para a atuação do revisor de textos e me passaram a segurança necessária para que eu pudesse desenvolver meu próprio trabalho com autonomia.

O ano era 2009. De início não houve muito contato com Nelson, mas aos poucos fomos nos aproximando. Ali nasceria a melhor das parcerias de trabalho e uma sólida amizade. Costumo dizer que nossa amizade e aproximação intelectual começou em 2010, quando começamos a fazer alguns trabalhos juntos e a conversar mais sobre o ofício do revisor. Aliás, essas foram as “aulas” mais importantes da minha trajetória profissional. Aulas que se estendem até hoje, pois quando tenho alguma dúvida, lhe escrevo um e-mail ou espero um encontro presencial para discutirmos tal questão. Professor melhor eu não poderia ter. Portanto, considero que estamos completando dez anos de amizade e parceria de trabalho em 2020.

E o propósito desta crônica é, também, celebrar esse nosso encontro. Sim, porque gostaria de lembrar, ainda, a passagem do seu aniversário de 71 anos. Um aniversário diferente dos demais, é verdade, em virtude da pandemia. Um aniversário em que fui tomada por um profundo sentimento de nostalgia, mas também de gratidão e de muitos desejos de saúde e felicidade para o meu amigo que não vejo há alguns meses, mas está sempre comigo. Agora mesmo, enquanto escrevo esta crônica, tenho ao meu lado todos os livros publicados e/ou organizados por ele. Nelson está sempre por perto, mesmo quando não. Como diz Chico César, “sua presença me faz rir nos dias feitos pra chover”. Rubem Alves tinha toda razão quando disse que perante um amigo sabemos que não estamos sós, e alegria maior não pode existir.

Ah, como eu gostaria de tomar um café com ele hoje! Aliás, desde 2010, comemoramos seu aniversário com um almoço junto aos amigos da Confraria do Café, que se reúne para trocar ideias sobre livros, política, viagens… Esse ano a comemoração não pôde acontecer, mas o importante é que ele esteja bem e cuidando de sua saúde. Não vejo a hora de retomar minha rotina e vez por outra partilharmos um café na Cooperativa Cultural, ou mesmo um coquetel naqueles eventos literários e musicais que acontecem na livraria do campus. Que saudade desses momentos na presença de Carlos Braga, João Paulo Araújo, Priscila Matos e outros amigos queridos da UFRN! Sem falar nos livreiros – Adriano, Andrade e Wilson – com quem a conversa é sempre edificante.

O último evento de que participei na livraria foi uma homenagem ao sambista Elton Medeiros. Entre outros clássicos, Priscila Matos interpretou “Pressentimento” (Elton Medeiros e Hermínio Bello de Carvalho), um dos meus sambas prediletos. Outro evento marcante foi a homenagem a Chico Buarque. Ao interpretar grandes clássicos do músico carioca, a cantora e pianista Priscila Matos levou a plateia ao êxtase.

Voltemos ao início de nossa amizade e parceria de trabalho. Depois de um ano estagiando na Edufrn, recebi o primeiro convite para auxiliá-lo na revisão de um livro. Um trabalho desafiador, digamos assim. Lembro da minha alegria quando fui ao Centro de Convivência fazer uma cópia do material original para começar a trabalhar. Nelson estava responsável pela terceira edição do livro “A biblioteca e seus habitantes”, de Américo de Oliveira Costa, uma obra-prima da literatura potiguar que, aliás, merece ser mais popularizada. Por se tratar de um livro da década de 1970 que não estava digitalizado, tivemos de digitar e revisar a obra, sob a supervisão de Nelson, que também assina a apresentação, “Roteiro alternativo para ler Américo”, um texto fundamental especialmente para aqueles que estão conhecendo o livro. Nas palavras do crítico literário: “Livro sobre amor (e, eventualmente, o ódio) aos livros, A biblioteca e seus habitantes é um guia indispensável para quem deseja dispor de uma bússola quando tiver de adentrar os desvãos das bibliotecas”.

Depois, outros projetos partilhados e um aprendizado constante. Um outro trabalho marcante dessa nossa parceria foi a revisão do livro “Prelúdio e fuga do real”, do mestre Câmara Cascudo, cuja revisão ficou a cargo de quatro profissionais. A reedição da obra foi uma parceria entre a Edufrn e a Global e trouxe à baila uma obra que há muito carecia voltar às mãos dos leitores. Um deleite à parte o privilégio de ter um contato tão próximo com a obra de Cascudo (revisei outros dois livros dele enquanto estagiei na Edufrn, “Ontem” e “Pequeno manual do doente aprendiz”), que nesse livro constrói diálogos imaginários com figuras bíblicas, históricas e mitológicas, entre elas Camões, Dom Quixote, Montaigne, Jean-Jacques Rosseau.

E as revisões em parceria continuaram com o passar dos anos. Vez por outra, eu o convido para dividir comigo a revisão de alguns trabalhos, especialmente quando se trata de textos literários, tendo em vista sua vasta experiência na área e o fato de também escrever ficção. Foi o que aconteceu com a revisão dos romances “Francisca”, de Ana Cláudia Trigueiro, e “Sertão de bem-querer e desamor”, de Fátima Medeiros. Revisamos juntos cerca de quinze livros. Bartolomeu Correia de Melo, Câmara Cascudo, Dorinha Costa, Dorian Gray Caldas, Francisca Miller, Luciana Moreira, Luís Carlos Guimarães são alguns dos autores cujas obras revisamos juntos.

Depois de algum tempo, tornei-me sua revisora. Durante alguns anos, revisei seus artigos publicados semanalmente na “Tribuna do Norte” e no Substantivo Plural, além de alguns livros, palestras, discursos etc. Aliás, seu discurso de posse na Academia Norte-rio-grandense de Letras é um dos meus textos prediletos. Seu último livro também figura entre os meus preferidos. O próprio título – “Caderno de espantos” – já chama a atenção do leitor para os assombros desse escritor maduro e crítico literário dos mais consagrados em nosso estado. Nas palavras do autor, esse seu novo livro, composto de “textos inclassificáveis”, é “um conjunto híbrido escrito ao longo dos últimos dois anos, sem que pudéssemos atinar, até quase o último momento, a que finalidade se prestariam. Ecos de conversas, leituras, sonhos e pesadelos, lembranças longínquas e recentes, acontecimentos que protagonizamos ou nos tocaram de perto”.

Voltemos a nossa parceria de trabalho, que vai além da revisão de livros. Em 2019, por exemplo, o convidei para me acompanhar num bate-papo sobre editoração de livros no curso de Biblioteconomia da UFRN. A atividade foi idealizada pela professora Ana Cláudia Costa, que ministrava a disciplina de Editoração à época. Foi uma experiência incrível dividir com Nelson aquele momento. Duas gerações de revisores/editores partilhando suas experiências com estudantes que um dia podem vir a atuar nessa área. Impossível descrever a emoção de partilhar essa vivência do lado do meu mestre. Espero que um dia possamos dividir uma mesa para falar de literatura do Rio Grande do Norte, uma de nossas paixões em comum. A propósito, já idealizamos uma mesa sobre a crônica e o conto potiguar que seria apresentada num evento literário do Ceará. Aliás, seu livro “Uns Potiguares” (Sarau das Letras, 2012), reúne artigos sobre literatura potiguar publicados em jornais de Natal.

E por falar em artigos sobre literatura, ser amiga de Nelson é também partilhar de suas paixões/influências literárias: Franz Kafka, Jorge Luís Borges, Haruki Murakami, Américo de Oliveira Costa, Câmara Cascudo, Zila Mamede, Diva Cunha, Marize Castro e tantos outros. Como ele fez questão de dizer em discurso de posse, seu autor predileto é Câmara Cascudo. Não por acaso, Cascudo é o protagonista da novela publicada no livro Colóquio com um leitor kafkiano (Jovens Escribas, 2009).

Não conheço ninguém mais antenado que ele quando o assunto é literatura, sabe tudo quanto é novidade dos EUA, Europa… E foi por influência dele que li a trilogia “1Q84” e o romance de formação “Norwegian Wood” (Haruki Murakami), “Tirza” (Arnon Grumberg) e “O homem de Beijing” (Henning Mankel). Livros arrebatadores. Ele também me apresentou Otacílio Alecrim, Renard Perez… Admiro sua generosidade em partilhar suas experiências literárias e tantas vezes nos presentear com seus próprios livros. E foi assim que ganhei vários livros de Murakami e outros. Assim como Nilson Patriota, ele sabe que “a literatura nos salva da aridez de uma vida sem sentido”.

E à medida que o tempo passa, cresce a admiração pelo escritor, revisor, editor e tradutor que está sempre disposto a ensinar, corrigir, com muita delicadeza e elegância. Minha maior inspiração profissional. Com ele aprendi, e aprendo constantemente, sobre a importância de cumprir prazos, da disciplina e, principalmente, do autocuidado relativo ao trabalho, o que inclui pausas e lazer, para garantir mais qualidade ao que fazemos e não prejudicarmos nossa saúde. Levarei sempre comigo suas lições, mestre.

Tenho tantos motivos para agradecer por nossa amizade e parceria de trabalho, mas não quero enfadar dileto o leitor. Falar de um intelectual como você não é fácil, mas a prerrogativa da amizade me permite tal ousadia. Obrigada por acreditar em mim quando nem mesmo eu sabia que caminho trilhar. Obrigada por me incentivar a estudar para concursos. Obrigada por me incentivar a escrever e publicar minhas crônicas e, sobretudo, por me ensinar que “a literatura e a arte são princípios dignos de fé, plenos de sentido e valores, com uma vantagem adicional: oferece material inesgotável para suprir toda uma vida”, como você mesmo ressaltou em seu discurso de posse no ANRL.

Escrevo esta crônica no dia do seu aniversário de 71 anos e meu maior desejo é este: um breve reencontro para um almoço, um café e uma tarde de bate-papo sem hora para terminar. Assim como Rubem Alves, também acredito que “tudo o que fazemos na vida pode se resumir nisto: a busca de um amigo, uma luta contra a solidão…”. Ele também diz que “a amizade é a coisa mais alegre que a vida nos dá”. Que a alegria da nossa amizade seja eterna.

Andreia Braz

Andreia Braz

Escritora e revisora de textos.

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