Nossa língua brasilês: coisa de papagaio

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Nascido em Santa Cruz (RN), 1924, o jornalista e escritor José Lívio Dantas viveu boa parte de sua juventude em Natal, onde concluiu os seus estudos secundários. Em 1955 transferiu-se para Niterói, e lá fincou raízes, tendo atuado, intensamente, na vida cultural do Rio de Janeiro. Faleceu há alguns anos, deixando vários livros publicados, entre estes, “Romaneio”, ensaios e crônicas, e “Ninguém Pode Ser Feliz Sozinho”, biografia.

José Lívio está, injustamente, esquecido em sua terra.

Por algum tempo, tive o privilégio de me corresponder com ele. Certa vez, remeteu-me um recorte de um artigo de sua autoria, publicado no jornal “Tribuna da Imprensa”, do Rio de Janeiro, sob o título “Crime de Lesa-Idioma”, no qual, com a sua autoridade de tradutor, profundo conhecedor da língua portuguesa, começa por citar Norman Mailer, e comenta:

“Vejam só quem está falando! O representante e produto acabado de um império que, como a Roma dos césares, impõe seu idioma a todas as províncias do mundo. É uma imposição hegemônica em que a língua inglesa, através da tecnologia, dos negócios e das relações políticas e culturais, assume na prática o papel que o visionário Zamenhof previa para o esperanto. Aos demais idiomas, só resta defenderem-se da intromissão poluente, como faz a França, onde ninguém ousaria colocar em circulação palavras como “software”, “hardware”, “design”, “cult”, “promoter” e quejandos, em detrimento dos equivalentes vernaculares.

“Mas isso é na França, que tem uma Academia criada há quase 400 anos, por Richelieu, exatamente sob a égide de “travailler à la pureté de la langue française”. No Brasil, não por ignorância, por síndrome de neocolonizados ou por mero psitacismo, corremos não só a integrar ao uso corrente os mais crassos estrangeirismos, como até abrimos mão de nossos direitos de primogenitura, grafando palavras que são nossas de direito e de fato segundo a pronúncia do colonizador.”

E acrescenta José Lívio Dantas, com inquestionável argúcia: “É o caso da nefanda “mídia”, que nos expõe ao ridículo perante os idiomas coirmãos, o francês, o italiano, o espanhol ou mesmo o português de Portugal. “Media”, (assim escrito sem acento agudo) é o nominativo do plural de medium, medii-os meios. Por ser uma língua paupérrima de léxico próprio, o inglês costuma valer-se do latim para batizar seus inventos e fazer seus neologismos. Daí as palavras áudio e video, primeira pessoa do indicativo presente dos verbos audie e videre. Daí também os media para designar meios de comunicação, nominativo do plural que eles muito honestamente escrevem certo, embora pronunciem errado. Nós, porém, erramos duas vezes: na grafia e na pronúncia. E damos curso e uso comum a uma excrescência que é um verdadeiro crime de lesa-idioma”.

O articulista argumenta, de modo convincente, não haver problema de se dizer média. E conclui:

“A verdade é que estamos conhecendo uma geração sem amor algum pela língua pátria (…)

“Sei que “nesta altura do campeonato” ninguém vai deixar de usar a vexaminosa “mídia”, tão generalizado está seu emprego por gregos e troianos. Mas a grande vingança da filologia virá no dia em que um gringo chegar ao Brasil, pegar um jornal e pronunciar “maidia” onde estiver escrito “mídia”. Será a vingança da verdade etimológica e prosódica, pelo ridículo, contra o psitacismo mais larvar. Que é coisa de papagaio.”

Ariano Suassuna foi outro grande escritor brasileiro, que defendeu o nosso idioma, não só em suas aulas-espetáculos, mas também na própria obra ficcional – teatro e romance. Ariano execrava estrangeirismos, principalmente os de procedência norte-americana incorporados sem nenhum critério ao português (leia-se “brasilês”), na maioria das vezes por pedantismo e subserviência cultural. Por exemplo, a utilização do apóstrofo na denominação de lojas, bares, etc.: SACHA’S, PEDRINHO’S…

Imagine, caro leitor, se o autor da “Farsa da Boa Preguiça” vivesse hoje, com a Internet dominando tudo. É site (em Portugal dizem, apropriadamente, sítio), é blog, é e-mail, é whatsapp

Ariano não era xenófobo, apenas lutava para que se preservasse com dignidade o idioma de Camões e Machado de Assis.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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