Jarbas Martins: 80 anos de poesia e histórias de perseguição pelo Comando de Caça aos Comunistas

Jarbas Martins

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Poeta, escritor, promotor de justiça e professor aposentado da UFRN, Jarbas Martins (1943) é membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.  Autor de Contracanto, (Fundação José Augusto, 1979), reeditado em 1996 pela EDUFRN, 14 versus 14 (Editora Sebo Vermelho, 1994) e 44 Haicais (8 Editora, 2018).

Mais recentemente, por iniciativa do escritor Manoel Onofre Jr, em parceria conosco, e apoio da família, Jarbas Martins publicou o livro Terceiro Canto (Offset Editora, 2023). No trabalho em foco, reunimos 50 poemas de Jarbas Martins, publicados na Revista da Academia Norte-rio-grandense de Letras, no período compreendido entre julho de 2005 e junho de 2023, todos inéditos em livro. A arte da capa, uma obra abstrata, foi cedida gentilmente pelo escritor e artista plástico Alfredo Neves.

Nascido e criado na cidade de Angicos, interior do Rio Grande do Norte, Jarbas Martins tem um grande carinho pela sua terra natal. De uma entrevista que nos concedeu, destacamos a seguir alguns trechos sobre sua vida e obra literária.

“Da minha cidade guardo lembranças intensas, vividas quando, em minha primeira infância, ainda morava lá. Minha casa, remodelada hoje, fica perto da Igreja, na praça Capitão J. da Penha. Procissões, novenas, agitações políticas, como a chegada à cidade do filho ilustre: o senador Georgino Avelino. Festas, enterros sob o repicar do sino a caminho do Cemitério. Fogueiras de São João e, vez ou outra, a presença do circo, armado bem em frente à minha casa. Quando minha família veio para Natal, nas vésperas de eu completar 7 anos, recordo as viagens de trem durante as férias. A Estação… Era a alma da cidade. Caminhões, de boleias duplas, os chamados “mistos”, chegavam de cidades vizinhas e de algumas mais distantes, como Mossoró, para levar os passageiros que desembarcavam do trem. Durante a adolescência tinha a permissão de viajar sozinho, e meu fascínio era ir até o vagão onde ficava o restaurante… Entre 1964 e 1971, quando estudava Direito, e até quando era recém-formado, viajava, pelo menos, duas ou três vezes a cada mês, para Angicos, no exercício do cargo de adjunto de promotor de justiça. Foi nessa época que conheci o poeta Luís Carlos Guimarães, juiz de direito da Comarca de Lajes e que substituía o juiz da Comarca de Angicos. Grande amizade com quem muito aprendi a técnica do verso. O haicai, forma poética utilizada por Luís Carlos, aprendi a fazer com ele.

Vim com minha família para Natal em 1950. Meu pai já se encontrava aqui, esperando por nós. Tinha sido nomeado para um cargo no antigo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas, terminando sua carreira como funcionário público, na função de auditor do atual INAMPS”.

Jarbas teve  a sua formação escolar em  Natal. Concluindo o colegial  (atual ensino médio), passou a cursar Direito. Nas linhas seguintes ele conta como era ser estudante universitário.

“Pouca afeição às disciplinas da grade curricular e muita agitação na área da Política e da Literatura. Ingressei no curso de Direito quando este fazia parte de uma Faculdade – instalada na Ribeira, vizinha ao Teatro Alberto Maranhão. Cenário romântico: em frente, a praça, jardins, árvores e, não muito distante, os bares, a “zona” – os cabarés ainda efervescentes, como na época da segunda guerra mundial. É certo que a praça já não era tão bonita. Dividiram-na em duas vias para os carros e colocaram lá um edifício horroroso: a Estação Rodoviária. Colegas e professores (grandes nomes como Luís da Câmara Cascudo, Edgar Barbosa, Américo de Oliveira Costa… Foram nossos mestres, e nos interessavam mais os seus conhecimentos literários que os jurídicos). Nós, jovens, contestadores, líamos Jean-Paul Sartre, Camus e a poesia engajada e revolucionária de Neruda, Thiago de Mello, João Cabral de Melo Neto. Eu, estudante ligado à ação Católica, ingressei na JUC (Juventude Universitária Católica) que controlava a União Nacional dos Estudantes. A esquerda católica disputava com o Partido Comunista a hegemonia sobre o Movimento Estudantil. Ingressei na Ação Popular, que, depois do golpe militar adotou um discurso e uma prática ideologicamente radical, preparando-se para o confronto armado com o governo militar. Em 1966 fui destacado para reorganizar o Movimento Estudantil, levando até às outras faculdades os líderes da UNE que aqui chegavam clandestinamente. Nomes como José Luís Moreira Guedes, José Carlos da Mata Machado – último dirigente da AP (Ação Popular), e que foi trucidado pelos agentes do DOI-CODI, passaram por aqui. Tive contato direto com esses nomes e os líderes locais, como Emmanuel Bezerra, Juliano Siqueira, Maria Luiza Nóbrega, Hermano Paiva, Arlindo Freire, Francisco Alves da Costa Sobrinho, muitos deles presos (Emmanuel foi assassinado pela repressão) e forçosamente levados ao exílio. Ressalte-se que minha participação foi modesta (como assinala Gileno Guanabara, em sua História da Faculdade de Direito), mas determinante; acreditando piamente na Revolução Socialista que pretendíamos fazer em nosso País. Essa atuação política ligava-se à literatura. Fazíamos parte de revista como Rumos (que tinha nomes como Manoel Onofre Jr. e Deífilo Gurgel) e de jornais “subversivos” que circulavam pelas salas de aula. Havia até um jornal do qual participavam Gileno Guanabara, eu e Moacy Cirne. Era um jornal que tinha o título de “Diálogo”. E que foi destruído por uma organização direitista, o C.C.C (Comando de Caça aos Comunistas)”.

Com o seu primeiro trabalho poético, Contracanto, publicado no final dos anos 70, Jarbas ganhou um Prêmio de Poesia da Fundação José Augusto. E nos explicou como o livro nasceu.

“Quando me casei com Lúcia, fui morar em Assu, onde exercia o cargo de Promotor de Justiça, 1978. Estava na Terra dos Poetas, terra de João Lins Caldas, Moysés Sesyom, Américo Macedo. Senti-me na obrigação de escrever um livro. Até então só tinha poemas publicados em suplementos literários daqui, de Recife e numa revista alternativa chamada “Escrita” – da qual eu e Jota Medeiros éramos correspondentes no Rio Grande do Norte. Para matar o tédio forense naquele vale abençoado e vizinho a Angicos, reuni alguns poemas esparsos e me inscrevi no concurso “Prêmio Fundação José Augusto”, onde ganhei o primeiro lugar. Um bom prêmio em dinheiro e com a publicação garantida. Foi publicada a sua primeira edição em 1979, sob os cuidados do editor, promotor cultural Francisco Alves da Costa Sobrinho, velho amigo e companheiro dos perigosos anos de chumbo, quando pertencíamos à Ação Popular.

Comecei a ensinar Português no curso secundário, dando ênfase, no clássico e científico (segmentos da segunda parte do curso secundário) à Literatura Portuguesa e Brasileira. Era a minha praia. Dei tanta importância ao ensino da Literatura Portuguesa que um ex-aluno famoso, o odontólogo José Campos, da UFRN, ainda hoje, de forma brincalhona, só me chama de Gil Vicente. No ensino universitário comecei a ensinar Ciência Política e História das Ideias Políticas, e depois do curso de mestrado na PUC (não cheguei a defender minha tese; não sou mestre) passei a lecionar Cultura Brasileira (na PUC/SP me dediquei ao estudo da Semiótica da Cultura) e Comunicação e Artes Visuais, tendo em vista os meus conhecimentos adquiridos no mestrado, e, em grande parte, com minha ligação com a Poesia de Vanguarda no meu Estado. A experiência longa como professor universitário foi, além de prazerosa, muito proveitosa”.

Depois de publicar, uma edição especial (2008) o elogiado poema Antielegia para Emmanuel Bezerra (Editora Sebo Vermelho), Jarbas Martins, lançou, como já dissemos, 44 Haicais, com prefácio de nossa autoria, no qual destacamos considerações sobre essa forma breve e leve de poesia.

O haicai jarbiano – vale salientar – não se atém a regras e preceitos; embora, ás vezes, seja extremamente fiel à forma, nem sempre adota a “forma” original, adaptando-se a diversas circunstâncias. É o haicai tipicamente brasileiro. Eis outro mérito do poeta.

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Terceiro Canto está disponível para venda na Livraria do Campus da UFRN, além do Sebo Vermelho e na Banca Atheneu.

Thiago Gonzaga

Thiago Gonzaga

Pesquisador da literatura potiguar e um amante dos livros.

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