O extermínio da arte e a implosão da liberdade

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por Marcius Cortez

“Pra que a censura se temos a blindagem”.

“Globo, a escória humana brasileira”.

“Fora Michelzinho”.

Vou escrever essas frases nos muros de São Paulo. Os franceses escreveram os melhores muros da história: “Prenons la révolution au sérieux mais ne nous prenons pas au serieux”. “Bientôt de charmantes ruines”. “Le sexe de la nuit souri a l’oeil unanime de la révolution”.

Não acredito nesse Brasil abençoado pela vara de condão da economia neoliberal. O mercado senhor e feitor da sociedade não deu certo em lugar nenhum, desde os tempos do John Maynard Keines. Desenvolvimento é mais do que o controle da inflação, do câmbio e da balança comercial. Quando se fala de uma nação se fala de um povo. Ignorar isso é ignorar que o oxigênio de qualquer país que se pretende grandioso é a sua cultura e sua autonomia.

Os tempos são de facada na inteligência. De censura, manipulação, divulgação de informações falsas e blindagem. As quatro principais trevas da fogueira do atraso. Quem filtrou uma informação pertinente e deseja reparti-la com a sociedade pode tirar o cavalinho da chuva que vai ficar tocando harpa no Himalaia. Reina a lei dos canalhas. Marcham firme e forte os pelotões do controle da opinião. A Prefeitura da maior cidade do país vai fazer um concurso para grafiteiros, mas o tema política é proibido.

Eu, vigilante desde o tempo em que a gente via boto no Rio Potengi, venho tentando divulgar uma informação que carrego desde as eras da minha segunda prisão no Dops da Duque de Caxias e na Operação Bandeirantes da Tutóia, em São Paulo, no ano de 1968. Era voz corrente entre os presos políticos que a Rede Globo de Televisão cedia seus estúdios do Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, para que fossem gravados os videoteipes da garotada dizendo que errara ao aderir ao terrorismo e que arrependidos, acreditavam agora na Revolução de 1964, no Brasil Grande, no Milagre Econômico, etc etc…

Os meninos chegavam mais mortos do que vivos, geralmente, encapuzados e imediatamente encaminhados para a equipe de maquiadores. Os teipes tinham de trinta a sessenta segundos e entravam no ar, às vezes, no mesmo dia da gravação. Portanto, eles deviam ser aprovados na ilha de edição. Eram veiculados em todo o país, as emissoras de rádio e televisão ofereciam seu espaço gratuitamente sob a coordenação da deplorável Rede Globo.

Falando sério, se eu tivesse vinte anos e estudasse jornalismo, faria uma pesquisa sobre como atua a blindagem no Brasil do arremedo democrático. Minha tese seria sobre o caso de certo político mineiro que abordado em uma blitz de trânsito recusou-se a fazer o teste do bafômetro porque estaria embriagado, além de dirigir com a carteira vencida. A notícia teve um relativo destaque na televisão e em alguns jornais de circulação nacional. Porém, na santa terrinha do emérito ex-Governador, hoje em franca decadência como líder de um partido golpista, consta o “nada consta”, pois nas Minas Gerais, o silêncio é de ouro.

A matéria só foi publicada no resto do país porque o jornalista Miguel do Rosário, editor do “blog sujo” O Cafezinho “furou” a imprensa puxa-saco. Miguel conhecia um dos soldados que participou da blitz, se não fosse isso só a irmãzinha do ex-Governador tomaria conhecimento da apreensão da carta do Mineirim delatado pela Odebrecht.

Em São Paulo, a blindagem “funciona” muito bem no que diz respeito à segurança pública. O rapaz que em ataque homofóbico quebrou a lâmpada no rosto de outro rapaz em frente ao Conjunto Nacional, na Avenida Paulista, teve a prisão decretada pela Justiça, mas a Polícia não o deteve. O jovem foragido, segundo fontes confiáveis, tem grana e isso é passaporte para a impunidade. Há também uma blindagem poderosa em torno da fuga de dois integrantes do bando de sequestradores de certo publicitário. Essa misteriosa fuga é segredo nacional.

No Recife, há uma informação que não se divulga de jeito nenhum: a “deduragem” do elegante Duque de Apipucos. Não saiu em jornal nenhum que Gilberto Freyre é o autor da letra do Hino da Arena, o partido político da Ditadura Militar. O ilustre nobre amava a Gloriosa. Na criação da letra, ele soltou todo o seu fervor golpista. Acho que essa informação não devia ser omitida porque, por exemplo, o Dr. Gilberto em termos culturais estava anos na frente de muitos jovens militantes xiitas. Há um depoimento do autor de “Casa Grande & Senzala” em um documentário para televisão, editado pelo jornalista Geneton Moraes, que mostra que a maconha não era nenhum bicho de sete cabeças para o Duque. Podes crer, o Freyre com “y” era bem louquinho…

Desconfio que estou me excedendo nas galhofas. Então vou falar de um assunto pertinente. Ah, se me dessem trinta segundinhos no horário nobre da Rede Escória Nacional, também conhecida como Rede Bobo, a casa ia cair. Não precisava nem muita verba para produção, uma câmera na mão e uma ideia na cabeça já começaram muitas revoluções.

Perdão pelo estilo grotesco, mas a blindagem ao livre pensar me deixa mal humorado. Há cinquenta anos quando tinha dezoito primaveras e escrevia em uma revista de cultura, sentia orgulho de participar de uma publicação que aborrecia a esquerda sectária e a direita raivosa. A gente descia o cacete no realismo socialista, no autoritarismo stalinista, no panfletarismo demagógico do CPC/UNE, mas também não alisava para cima dos exploradores do povo, dos mesquinhos acumuladores de riquezas, dos tubarões do capitalismo selvagem.

O saldo foi positivo. Hoje somos vanguarda. Nosso único compromisso é com o rigor e com o livre pensar e o livre falar. Esse é o único andor que topo carregar nas costas nesse novo tempo de extermínio da arte.

Marcius Cortez

Marcius Cortez

Cinco livros publicados e o jogo ainda não acabou. Escrever é um embate que resulta em vitórias, derrotas e empates. O primeiro livro de Borges vendeu apenas 37 exemplares. O gol é quando encontramos um significado que melhore a realidade.

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