História do Rio Grande do Norte, de Augusto Tavares de Lyra
Rio de Janeiro: Tipografia Leuzinger, 1921 – 2ª edição: Brasília: Fundação José Augusto/Centro Gráfico do Senado Federal, 1982. 3ª ed. Natal: Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1998.
Tavares de Lyra peca por transcrever em excesso. O livro quase parece uma “colcha de retalhos”.
Quando a transcrição é de documentos históricos ou de antigos cronistas – muito bem. Vale pelo fato de colocar esses textos raros ao alcance do leitor comum, que, de outra maneira, não teria acesso aos mesmos. E vale, também, por provar de imediato aquilo que o historiador diz, sem deixar sombras de dúvida.
Mas, o que não é certo é transcrever longos trechos de outros historiadores, servindo-se dos mesmos para fazer o relato. Tal como acontece no primeiro capítulo. Aí, em vez de narrar a conquista da Capitania e dar a sua interpretação dos fatos, o autor acha mais cômodo passar a palavra a Frei Vicente do Salvador. Páginas e páginas da “História do Brasil” deste autor são transcritas integralmente. A certa altura, no mesmo capítulo, tratando das tentativas de colonização pelo donatário, lança mão de outro grande trecho, este porém da “História do Brasil”, de Porto Seguro. E repete este “método” várias outras vezes. Ora, desse jeito, o livro termina por ganhar um vago caráter de coletânea.
Câmara Cascudo conceitua o seu confrade Tavares de Lyra nesta frase: “Historiador honesto e sereno, documentando-se excelentemente”. Concordamos em parte. Quanto à serenidade, temos nossas dúvidas. Tavares de Lyra é dos historiadores que julgam. Neste livro, por exemplo, ele condena o domínio holandês. Lá para as tantas, afirma: “Em maio de 1654, o domínio português estava restaurado em todas as capitanias anteriormente ocupadas pelos holandeses. A expulsão destes, era um fato. Foi um bem ou um mal? Se a questão fosse posta em outros termos, isto é, de saber se conquistado primitivamente por outro povo, o Brasil teria tido sorte diferente da que teve, ainda admitíamos que pudessem ser discutidas as excelências ilusórias da colonização dos flamengos. Mas não foi isto que se deu. Quando eles aqui chegaram, foi para apoderar-se de uma colônia em franco desenvolvimento, colhendo os frutos do trabalho e dos esforços dos outros. Raça, religião, língua, costumes, família, interesses, tudo nos prendia já aos portugueses: a sua ação seria, pois necessariamente perturbadora. E, se realizáveis os seus desígnios, que chamaríamos hoje de imperialistas, não cremos que melhor tivesse sido o nosso futuro”. (Pág. 207, 1ª. ed.).
Há outros julgamentos.
Já no capítulo das notas biográficas (final), algumas louvações denotam um espírito algo apaixonado. Anteriormente (pág. 627), Pedro Velho (aliás, sogro do autor) surge como “o maior e o mais benemérito dos filhos do Rio Grande do Norte”.
Por todos estes aspectos – “colcha de retalhos”, parcialidade, etc. – o livro não resiste a um paralelo com a “História do Rio Grande do Norte”, de Câmara Cascudo, mas fica no mesmo nível da “História do Estado do Rio Grande do Norte”, de Rocha Pombo.
Foi o primeiro estudo geral em profundidade e, por isto, tem o seu mérito, além de inegáveis qualidades, tais como a honestidade na informação, riqueza documental e razoável forma literária.
História do Estado do Rio Grande do Norte, de Rocha Pombo
Rio de Janeiro: Editores Anuário do Brasil, 1922. 2ª edição. Natal: EDUFRN, 2019.
Este livro se fez por encomenda do Governador Ferreira Chaves, com vistas às comemorações do centenário da Independência.
Tem de saída um pecado mortal: é mal escrito. Bem entendendo: não queremos dizer que seja mal concebido em sua arquitetura ou que possua incorreções comprometedoras, etc. Não. Nada disso.
Acontece que Rocha Pombo consegue ser chato como poucos. Parece que, de tanto ler velhos documentos, ele pegou aquele modo ultrapassado de escrever. Frases arrumadinhas, como que feitas numa mesma forma, estiram-se monotonamente, sem expressar algo de mais interessante além da narrativa insossa, quase sempre baseada em revelações de Vicente de Lemos, Tavares de Lyra – historiadores potiguares – e outras fontes impressas.
Também sob o aspecto da forma, há coisas aparentemente insignificantes, que comprometem. Por exemplo: a fixação do autor no emprego do substantivo escarmento e verbo escarmentar.
A propósito destas questões, algum leitor poderá refletir que aspecto literário é de importância menor em obra de História. Terá razão?
Nós somos de opinião que o historiador deve ser, pelo menos, razoável escritor. Porque do contrário condenará sua obra às traças. O valor literário importa tanto que, às vezes, no campo da ciência humana ou social, um trabalho fica, resiste ao tempo, não pelo seu conteúdo pretensamente científico, mas pela forma literária excepcional. Exemplo: “Os Sertões”, de Euclídes da Cunha, antes de tudo, uma obra de arte.
Historiador nacional, Rocha Pombo procura sempre ver os fatos do ponto de vista da História do Brasil. Ou seja: partindo do geral para o particular. Sem dúvidas, essa cuidadosa inserção dos acontecimentos regionais no contexto do país resulta numa melhor compreensão para o leitor comum, especialmente nos capítulos referentes às lutas políticas pré e pós independência. Mas, em outras partes do livro, há em tal proceder, um exagero prejudicial à concisão, que todo livro de História deve possuir. O capítulo inicial trata do descobrimento e das primeiras tentativas de colonização do Brasil. Assunto do conhecimento de todo colegial. Seria necessário? E, como justificar-se um outro capítulo inteirinho sobre a administração de Nassau, que nada fez no Rio Grande do Norte?
São coisas como estas que engordam o livro.
Mesmo assim vale a pena uma leitura. Vale a pena, realmente.
Capítulos especiais são dedicados aos seguintes temas: desenvolvimento econômico, ensino público (durante o Império), imprensa (até 1900), com base nos estudos do historiador potiguar Luís Fernandes, e vida literária. Neste último capítulo, alguns dados bibliográficos e observações em regra judiciosas. Destaque para Nísia Floresta, Lourival Açucena, Auta de Souza, Itajubá – poetas, e Vicente de Lemos – historiador. Transcrição de poemas – uns antológicos verdadeiramente, outros dispensáveis. Sobre Segundo Wanderley diz com razão: “Passa por ser o príncipe dos poetas potiguares. Não sabemos com que justiça numa terra que conta com um Açucena, um Itajubá e outras figuras” (Pág. 424). Refere-se em notas separadas a Antônio de Souza e a Polycarpo Feitosa, ignorando que este é pseudônimo daquele. Sobre Henrique Castriciano, duas linhas, apenas. Nessa época (1922), o poeta de “O Aboio”, também notável como ensaísta, já havia publicado o melhor de sua obra. Merecia realce.
Em suma, traça-se aí o primeiro panorama de nossa vida literária. Digno de mérito, portanto, como aliás, sob este prisma, toda a obra, “História” pioneira.