Características de (hiper) sensibilidade nas cervejas

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Saudações, cervejeiros sensíveis! (Não no mau sentido…)

Apesar de o título do texto não destacar de pronto, o texto de hoje tem um direcionamento mais voltado às cervejas artesanais que as de massa. O motivo para tanto é bem simples, as cervejas de massa não costumam ter nenhum dos elementos tratados em maior intensidade.

Ainda que o objetivo não seja exatamente tratar da intensidade de algum ou de outro elemento, a sensibilidade de cada degustador a tais características tende a gerar umas percepção maior. Logo, uma maior intensidade percebida por quem degusta as cervejas.

Existem quase que uma infinidade de elementos contidos nas cervejas que podem causar hipersensibilidade nas pessoas. Note-se que quando falo de hipersensibilidade não me refiro a nenhuma condição fisiológica alérgica ou algo do tipo. Falo apenas de hipersensibilidade no sentido de uma rejeição pessoal àquela característica.

Então, vamos tratar no texto de hoje sobre algumas delas. Acidez, amargor e dulçor. Elas possuem uma combinação recíproca ou divergente entre si, a qual poderá aumentar ainda mais a percepção isolada ou combinada de cada uma delas.

Daí, por vezes, ser necessário conectar o que se percebe sobre uma com a outra, para entendê-las melhor.

De imediato, pegue uma cerveja, e deguste o texto!

Acidez de tirar o esmalte do dente

Eu sou um defensor ferrenho de que uma das características da cerveja que deveria vir em tamanhos descomunais no rótulo deveria ser o medidor de acidez (pH). Essa é uma informação relevantíssima que, por vezes, é relegada ao segundo plano ou sequer mencionada nas embalagens das cervejas.

Vou começar falando desse elemento de hipersensibilidade porque, nesse ponto, estou advogando em causa própria: tenho uma forte sensação da acidez e isso é algo que tende a me incomodar muito nas cervejas.

Acredito que esse fato passa primeiramente pela noção de que acidez pode ser considerada, na maioria dos estilos cervejeiros (exceto na escola belga) como um defeito (ou vocês aceitam beber American Barley Wine ácida?), daí a minha repulsa inicial. Claro que existem alguns estilos em que uma acidez mais baixa (ou pH mais baixo e uma maior sensação ácida) é algo mandatório.

Essas são as hipóteses em que a salivação é aguçada de forma voraz pelas papilas gustativas. Afinal, esse é o principal efeito na acidez na boca, mesmo que você não seja um canino de Pavlov.

De toda maneira, sendo cabível ou não no estilo proposto, a acidez (geralmente algo abaixo do pH 5 – sendo 7 o limiar da neutralidade, abaixo disso é considerado ácido) me causa incômodo. Muitas das cervejas mais extremas possuem pH’s extremamente baixos, são tão ácidas que podem causar azia, atacar sua gastrite ou tirar seu esmalte do dente.

Ademais, há de se mencionar que existem vários tipos de acidez (málica, cítrica, fosfórica, lática), cada uma com sua peculiaridade e propensão à sensibilidade, contudo, discorrer mais sobre elas nas cervejas é assunto para um próximo texto.

Alguns desses pontos podem ser exagero da minha parte (e são), mas a hipersensibilidade à acidez é real, por isso, mesmo conhecendo os estilos ácidos, prefiro passar longe.

O diabo do amargor!

O amargor talvez seja o único elemento de sensibilidade descrito hoje que seja mais acessível, perceptível e também vilanizado pelo grande público das cervejas de massa. Por ser tido como um grande vilão da drinkability (capacidade de beber cervejas seguidamente sem enjoar), é comum que o amargor seja a característica mais primária da hipersensibilidade comum.

Embora as cervejas mais comumente vendidas em supermercado raramente ultrapassem a medida de 15 ou 20 IBU (International Bitterness Unit – traduzida como unidade internacional de amargor), qualquer cerveja que passe dos 10 já chama atenção de quem não está acostumado com algo mais amargo.

Certamente que os comedores de jiló e chocolate amargo não se incomodam em beber uma IPA (quem sabe Double IPA) mais amarga. Todavia, é bem comum que a maioria dos bebedores de cerveja, mesmo aqueles mais iniciados na cultura cervejeira artesanal, podem ser bem sensíveis a teores mais altos de IBU.

Inobstante, também é de mais valia pontuar que o auge das cervejas que tinham percepções estonteantes de amargor já passou um pouco. No início da década de 2010, era mais comum que os cervejeiros artesanais caprichassem em lúpulos de amargor para turbinar as suas criações. No entanto, com o surgimento das Hazies IPAs, o foco deixou de ser amargor para se deter em outros elementos mais frutados.

De toda maneira, não há como se fugir ao fato que o amargor é um elemento de hipersensibilidade para muita gente, e isso acaba moldando o mercado como um todo. Por isso, cervejas mais amargas costumam ser descritas como extremas e afugentam boa parte do público. Mas, se a sua praia é sentir a pujança excruciante de uma boa cerveja amarga, deguste-as com parcimônia.

Doce feito mel, ou mais! Cervejas sugar bomb!

Bom, não!

Mel!

É o que diz o bordão de um pseudo-influencer qualquer. Porém, não posso deixar passar que o dulçor também é um elemento que está usualmente presente em alguns estilos artesanais e que pode causar hipersensibilidade.

Claro que, em alguns estilos, como, por exemplo, Barley Wine, Wheatwine e nas Pastries, sejam Sour ou Stout, é comum que o dulçor seja o elemento preponderante nas cervejas. Isso ocorre em virtude de dois fatores, a alta carga maltada aportada ao caldo, e também, e em maior parte, eu diria, por causa dos mais diversos adjuntos utilizados.

No entanto, é sabido e percebido pelos degustadores, que a percepção açucarada, em doses cavalares, acarreta no que se costumou denominar entre os cervejeiros de sugar bomb, ou, bomba de açúcar. Tal fato acontece quando o dulçor na cerveja passa do ponto, fazendo com que ela fique deveras enjoativa, quase que intragável.

Ainda que algumas pessoas até prefiram bebidas mais doces (porque esse atributo é capaz de mascarar a percepção de álcool na cerveja, é bem comum que o dulçor mais alto afugente alguns mais sensíveis.

Proibida para os diabéticos, a doçura em profusão acaba causando a hipersensibilidade naqueles que costumam preferir cervejas mais secas e mais amargas, ao ponto que o dulçor acaba atenuando esses elementos também.

Derradeiramente, rapadura é doce mas não é mole, não (nem é para todos)!

Saideira

Em um sentido bastante singular, a sensibilidade é a medida da percepção. Nessa toada, quando eu destaco os parâmetros da hipersensibilidade ao amargor, à acidez e ao dulçor, estou colocando os limites da tolerabilidade de cada um deles, de degustador para degustador.

É imperioso destacar que as experiências variam, são múltiplas. Alguém pode achar uma Heineken muito amarga e não gostar dela, isso pode denotar uma hipersensibilidade ao amargor (ou um leque pouco amplo de experiências também, não se pode olvidar). Da mesma forma que eu acho quase que qualquer uma Sour ofensiva, em termos de acidez, ao meu paladar…

Basta que cada um saiba mensurar até que ponto é sensível a determinada característica das cervejas e assim moldar melhor suas escolhas pelos seus gostos pessoais. Minha missão é apenas direcionar a forma como cada elemento pode ser percebido e processado como uma questão pessoal de gosto, atrelado à noção de hipersensibilidade.

E você?

Já identificou a qual dessas características debatidas é mais sensível?

Recomendação Musical

Quando se fala em hipersensibilidade a algum elemento característico da cerveja eu me recordo logo do ponto fraco do super-homem, a kriptonita. É algo que causa vulnerabilidade imediata a quem chega perto.

Por causa da referência, a recomendação musical de hoje é justamente a canção Kryptonite, da banda de pop-rock (alternativo) Three Doors Down.

Banda essa que fez muita gente feliz nos tempos áureos de Malhação na Rede Globo, ainda que com outra música.

Saúde!

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CRÉDITO DA FOTO: Shutterstock

 

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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1 Comment

  • Odilene Monteiro

    O brilhantismo e requinte sempre fazendo parte dos seus artigos! Parabéns pela crítica quase que totalmente imparcial!

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