O RN assistiu a maior revolta indígena do Brasil

guerra dos bárbaros

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A Guerra dos Índios, também denominada Confederação dos Cariris ou Guerra dos Bárbaros foi a maior sublevação indígena da história do Brasil. Em síntese, constituiu-se na espantosa reação dos tapuias, habitantes do interior da Capitania do Rio Grande, contra as injustas e repetidas agressões dos desbravadores portugueses e brasileiros.

Gonçalves Dias, um dos primeiros historiadores a tratar do assunto, refere-se à perfídia dos sertanistas: “Sabemos qual era a tática seguida geralmente pelos colonos, depois das leis que aboliram a escravidão dos índios: era injuriá-los nas suas pessoas e propriedades, incitá-los por todos os meios à guerra contra os seus vizinhos ou contra os próprios colonos e daqui tiravam plausível pretexto para os guerrear e cativar” (“Catálogo dos Capitães-mores e Governadores do Rio Grande do Norte”, in Rev. do Instituto Histórico Brasileiro, tomo,17).

Existiam outras causas, entre estas a que se revela nas sementes de ódio ao português, deixadas entre os índios pelos holandeses. Como se sabe, os Janduís eram grandes aliados do dominador batavo.

Afirma o pesquisador Olavo de Medeiros Filho, em seu livro “Índios do Açu e Seridó”, que o levante teve inicio em 1683, prolongando-se até 1700. Houve um período de lutas encarniçadas entre 1687 e 1697 – a Guerra propriamente dita. (V. Vicente de Lemos, Tavares de Lyra, Afonso E. de Taunay e Câmara Cascudo).

Sertão livre?

Em 1689, clamava o Senado da Câmara de Natal:

“Representará o levantamento de todo este gentio o grande poder que uniram e as mortes que fizeram em mais de duzentos homens e em perto de trinta mil cabeças de gado grosso e mais de mil cavalgaduras e as ruínas dos mantimentos e lavouras para que S. Majestade ordene ao Governador Geral e os mais desta Capitania não faltem com os socorros a esta, ordenando ao Mestre de Campo dos paulistas e ao Governador dos índios de Pernambuco e ao Governador dos pretos de Henrique Dias assistam no dito sertão e dele se não retirem até com efeito se destruir e arruinar todo o gentio, ficando estes sertões livres para se colonizarem” (…) (Fragmento de Instrução e Memorial – Livro II do Registro de Cartas e Provisões do Senado da Câmara de Natal).

No longo curso da Guerra travaram-se inúmeros combates. De uma feita são aprisionados mil índios! Sucedem-se depredações, incêndios, emboscadas. Um tufão de morte varre a Capitania. Na metrópole percebem, até que enfim, a extensão e gravidade dos fatos. Mandam vir reforços. Mas, não nos cabe, aqui, historiar toda a Campanha. Vale dizer que, já em 1696, o Capitão-mor Bernardo Vieira de Melo vai ao palco das lutas e funda o arraial de Nossa Senhora dos Prazeres do Açu.

Pacificação violenta

Na virada do século está consumada a “pacificação”. Rendem-se os bravos tapuias. Com pouco, muitos deles foram aldeados, sob a autoridade dos missionários. Passaram a sofrer outras formas de violência, agredidos em sua identidade cultural.

Por volta de 1749 tínhamos as seguintes aldeias indígenas: GUAJIRU (Estremoz), invocação de S. Miguel. Caboclos da língua geral (Tupis) e Tapuios da nação Paiacu. Direção dos Jesuítas. APODI, invocação de S. João Batista, direção dos Religiosos de Santa Teresa (Carmelitas), Paiacus. MIPIBU, invocação de Santana. Caboclos da língua geral sob a direção dos Capuchinhos. GUARAIRAS (Arez), invocação de S. João Batista. Caboclos da língua geral sob a direção dos Jesuítas. GRAMACIÓ (Canguaretama), invocação de Nossa Senhora do Carmo, sob a direção dos Carmelitas Reformados, com os caboclos da língua geral. Informação de Câmara Cascudo. (“História do Rio Grande do Norte” – 1955- -pág. 42.)

Viviam os índios nas aldeias em regime de prisão aberta. A propósito, vejamos o que dizem os Freis Fidelis Motta de Primerio e M. Cappuc em seu livro “Capucinhos em Terras de Santa Cruz”, com referência ao cotidiano dessas aldeias. Vale a longa citação:

“…ao alvorecer percorriam dois tambores o arraial despertando com os seus rufos os habitantes. Durava esta tamborilagem nada menos de meia hora. Depois o sacristão tocava as três Ave-Marias, convocando a todos para o serviço divino. Punham-se os convocados à direita e à esquerda do corpo da Igreja, homens de um lado, mulheres do outro; o missionário passava no meio corrigindo os erros. Então recitavam todos a doutrina cristã e findo este exercício, começava a Missa. Ao se dar a elevação, o coro das cunhãs entoava o Tantum ergo e outros belos cânticos espirituais, até o fim  da missa. Finda a Missa recolhia-se o celebrante à casa paroquial, onde o capitão-mor diariamente ia ter com ele a receber ordens para execução do programa do dia. À tardinha, nova convocação à igreja para recitação do rosário de Nossa Senhora. Às oito, anunciava-se o toque de recolher; os dois tambores durante meia hora rufavam, fechando-se as portas do quadro do arraial cujas chaves o oficial da semana entregava ao pároco. Um alferes, comandando uma ronda de quatro soldados, verificava se havia algum ausente, para isto indo de casa em casa. Se algum faltasse à revista devia o oficial levar o caso ao conhecimento do missionário” ( Cit. p\ Gilberto Guerreiro Barbalho in “História do Município de São José de Mipibu” – 1961- pág. 54).

Dizem os referidos frades, de palavra insuspeita, referindo-se, ainda, à aldeia de Mipibu: “Aconselhava o antecessor de Frei Anibal ao seu substituto que não deixasse de ser ríspido com os jurisdicionados. Nada de muita afabilidade”. ( Ob.cit. pág. 54).

Mais adiante, estas passagens, reveladoras da inadaptação dos índios: “Teve o missionário má impressão do estado de cristianização dos índios de São José de Mipibu. Iam à Missa mais pelo receio de penalidade do que por devoção” (….) “… levavam os filhos recém-nascidos à pia batismal, mas já ao saírem da Igreja para casa, os rebatizavam dando-lhes nomes de animais, aves ou quadrúpedes”. (Ob. cit., pág. 55).

Dissolução étnica

Extintas as Missões, por determinação do Marquês de Pombal, são os pobres indígenas conduzidos, como rebanhos a caminho do matadouro, para serem vilados. Entregues à própria sorte, decaíram mais depressa. E dissolveram-se etnicamente, na expressão de Cascudo.

Dos valorosos Janduís, Canindés, Paiacus, Jenipapos, Pegas, Sucurus, Panatis, Caratius, Cariris, Icós (para não falar nos Potiguares, estes da nação tupi, mais dóceis, logos subjugados) restou só a lembrança. Tinham virado caboclos, párias.

Depois de dois séculos e meio de “colonização”, não mais havia índio no Rio Grande do Norte.


PINTURA: Jean -Batiste Debret

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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