A falta de gás carbônico ameaça a produção de cerveja artesanal

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Olá, cervejeiros gaseificados!

Sei que os tons dos últimos dois textos parecem um pouco apocalípticos. Talvez seja o próprio ambiente caótico e conturbado de (pré) tensões eleitorais que o deixe assim. Por consequência, isso acaba por se refletir um pouco nas demandas culturais de alguma forma.

Similarmente, a cultura cervejeira também acaba sendo impactada pela escassez dos insumos. Situação fortemente incrementada pelas conturbadas relações comerciais pós-COVID e ainda mais deterioradas pelo clima de Guerra no leste da Europa.

Uma crise global acaba impactando a todos. Atingindo, inclusive, os pequenos produtores cervejeiros ao redor do mundo. Por isso, a repercussão acaba chegando aos fabricantes nacionais, e, por conseguinte, gera aumento nos preços (mais inflação generalizada).

O elemento de debate no texto de hoje é a questão da falta de um insumo bastante peculiar e por vezes relegado pelo consumidor mais desatento: o gás carbônico (ou dióxido de carbono, conhecido pela representação química: CO2).

De igual modo, a falta da matéria-prima utilizada para carbonatar a cerveja pode ser crucial tanto em termos produtivos (de quantidade e variedade) bem como também na questão da inflação atrelada aos custos de produção.

Resumidamente, de uma forma ou de outra, teremos más notícias com relação ao uso do gás carbônico na produção cervejeira para os próximos meses.

O culpado pela falta de gás carbônico

Do que adiantaria esse texto se não fosse para apontar culpados pela falta do insumo em tela?

De nada, eu suponho. Certamente, vamos a eles.

Nesse passo, é fácil adiantar que o culpado pela falta do gás carbônico para a produção cervejeira é a temida frase: problemas na cadeia de suprimentos. Decerto, com a escassez de dióxido de carbono advém o aumento de preços e cortes de produção das cervejas artesanais.

Para os veteranos na indústria cervejeira, a escassez mencionada não é novidade. Ano passado, algumas cervejarias tiveram que paralisar sua produção por pelo menos uma semana por causa da quantidade limitada de suprimento do gás.

Assim, ainda que os motivos dos cortes naquela altura não fossem claros, eles foram deveras preocupantes. Supostamente, os insumos tiveram que ter outras destinações, como suprir demandas de outros ramos industriais, embora tais motivações não tenham ficado claras com os cortes de fornecimento.

Sobretudo, existem outros elementos a serem mais bem explanados como veremos a seguir…

A Inflação galopante do preço do gás carbônico

Não é novidade alguma que o preço dos insumos alimentícios está sofrendo com uma inflação galopante. No Brasil, esses efeitos são ainda piores (por causa da política econômica desastrosa do desgoverno mítico que temos – em breve mudaremos isso nas urnas).

Quem está conseguindo CO2 comprar está pagando, em média, 20% mais caro por ele. Trata-se de mais um aumento de preço para as cervejarias dentre muitos outros, como, por exemplo, nos preços dos maltes, lúpulos, garrafas e rótulos. Em virtude disso, é bem provável que os preços finais aumentem bastante até o final do ano.

Importante destacar que as cervejarias não usam o gás carbônico apenas para carbonatar as cervejas (ainda que seja sua finalidade principal). Ele possui um uso industrial muito mais amplo. Esse gás é usado também para mover as cervejas entre os tanques, ou dos tanques pros kegs. Também é usado nas linhas que enlatam e para purgar o oxigênio dos tanques.

Apesar de não parecer, é um elemento-chave na produção cervejeira.

Os fatores da escassez: produção de etanol, contaminações, fábricas de amônia e o verão

Nessa seção, vamos explicar que, para entender melhor o contexto mais amplo da atualidade, é preciso retornar ao auge da pandemia do COVID-19. Especificamente, meados de 2020. Foi nesse período que se deram os primeiros cortes de fornecimento de CO2 para as pequenas cervejarias.

Primeiramente, essa onda inicial de escassez foi motivada pela diminuição no ritmo da atividade econômica global. Com as pessoas saindo menos de casa, a produção de etanol acabou sendo reduzida. Consequentemente, a produção de CO2 também, haja vista que se trata de um subproduto do etanol.

O problema atual, no entanto, tem outras razões, já que as atividades econômicas foram retomadas em patamares similares aos de 2019.

Nos Estados Unidos, o problema foi agravado em julho de 2022 em função de uma contaminação em um dos maiores sítios produtores de dióxido de carbono em Jackson Dome, no Mississippi. Trata-se de um campo de fonte de carbono natural, que atualmente detém uma das maiores reservas mundiais do gás em apreço.

Em Jackson Dome, o gás bruto de uma mina reduziu a quantidade de gás carbônico de grau alimentício disponível (cadeia trófica), afetando todo o ecossistema, inclusive a extração mineral do insumo.

Além disso, outro fator importante na equação da escassez são as manutenções planejadas e as extraordinárias em fábricas de amônia. Sua importância decorre do fato que outra forma de se obter dióxido de carbono para fins industriais é através da amônia. Por causa disso a oferta é variável, necessitando de manutenções não-programadas previamente, o que afetou a produção geral do CO2.

O último fator a ser levado em consideração é o verão no hemisfério norte, que ocasiona maior demanda por bebidas (geladas). Como o gás carbônico também é essencial para a fabricação de gelo, a oferta acaba sendo superada pela sua demanda.

A oferta variável do gás carbônico e porque algumas cervejarias sofrem mais que outras

Por mais que a situação, em um primeiro momento, soe cataclísmica, ela não atingiu todas as cervejarias artesanais ao redor do globo. Ou, pelo menos, não atingiu a todas com a mesma intensidade danosa. Algumas, de fato, não sofreram qualquer impacto.

Porém, para as micro cervejarias (ou nano cervejarias), as mínimas variações de preço ou de ofertas de gás carbônico já são suficientes para impactar fortemente e serem difíceis de serem absorvidas.

O cenário se agrava ainda mais nesse estágio pós-pandêmico, de tal sorte que muitas cervejarias tem que contrair empréstimos para poder se reerguer. Isso tudo sem falar nos aumentos significativos de outros custos fixos, com água e energia (principalmente), por exemplo.

Nos locais em que não houve a falta de CO2 ocorreu ao menos uma oferta não perene e os aumentos foram significativos (acima dos 10%). Adicionalmente, a maior parte na irrupção de preços nas commodities atinge desproporcionalmente os cervejeiros de menores capacidades financeiras.

Acima de tudo, a falta do dióxido de carbono é mais impactante para os cervejeiros de produção mais modesta.

A dificuldade em obter o insumo é tão grande, que certas cervejarias tentam recapturar o gás carbônico produzido naturalmente no processo de produção cervejeiro. Não é um procedimento simples ou barato, contudo, pode ajudar a compensar a necessidade de se obter o CO2. É apenas um paliativo para quem tem menos acesso ao gás indispensável para a produção cervejeira.

Além disso, boas práticas ajudam a economizar.

Exemplificativamente, certificar-se que não há vazamentos do gás nos dutos e nos demais processos em que ele é utilizado ajuda a diminuir as perdas e otimiza a produção como um todo.

Em outras palavras, todas as maneiras de economizar custos são bem vindas quando se trata de incrementar a produção e disponibilizar o insumo com um melhor direcionamento.

Saideira

A falta de gás carbônico no mercado cervejeiro é um tema que certamente não gera uma preocupação imediata nos consumidores. Aliás, alguns outros assuntos tem gerado mais repercussão, como o aumento no preço dos vasilhames de vidro e nos custos de embalagem.

Portanto, baseado nas dificuldades pontualmente indicadas sobre a produção e a oferta do dióxido de carbono para fins industriais, podemos perceber que o mercado cervejeiro pode passar por alguns problemas em um futuro próximo.

Talvez não se chegue ao extremo de haver uma escassez muito profunda que comprometa toda a produção cervejeira artesanal. Mas, a mínima variação na oferta do insumo já é capaz de ocasionar aumentos significativos nos preços das cervejas.

Infelizmente!

Recomendação Musical

A recomendação musical de hoje é uma canção que já fez muito sucesso no Brasil porque foi o tema musical de uma novela das oito, Mulheres Apaixonadas, de 2003.

A música é da banda de Pop Rock mexicana: Maná, conhecida por suas baladinhas românticas, e se chama Vivir Sin Aire.

Como quisiera

Poder vivir sin aire

Espero que o trocadilho seja alcançado, afinal, como a cultura cervejeira vai se manter “sem ar” como na canção?

Saúde e boas cervejas bem carbonatadas a todos!


FOTO: Postada no blog Central Brew

Lauro Ericksen

Lauro Ericksen

Um cervejeiro fiel, opositor ferrenho de Mammon (מָמוֹן) - o "deus mercado" -, e que só gosta de beber cerveja boa, a preços justos, sempre fazendo análise sensorial do que degusta.
Ministro honorário do STC: Supremo Tribunal da Cerveja.
Doutor (com doutorado) pela UFRN, mas, que, para pagar as contas das cervejas, a divisão social do trabalho obriga a ser: Oficial de Justiça Avaliador Federal e Professor Universitário. Flamenguista por opção do coração (ou seja, campeão sempre!).

Sigam-me no Untappd (https://untappd.com/user/Ericksen) para mais avaliações cervejeiras sinceras, sem jabá (todavia, se for dado, eu só não bebo veneno).

A verdade doa a quem doer... E aí, doeu?

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