Fragmentos literários: do novo livro de José de Castro e outros comentários

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O português de Portugal

O português de Portugal (refiro-me ao idioma) é mais puro do que o do Brasil. E sua expressão, quase sempre, mais precisa. Por exemplo: “Paragem do comboio” a que corresponde, em “nossa língua”, “parada do trem”.

Nós, brasileiros, não podemos conter o riso diante de certas expressões portuguesas.

Na montra (vitrina) de uma loja de confecções em Lisboa, vi um cartaz com estes dizeres:

FATINHOS DE MIUDOS.

“Tradução”: Roupinhas para crianças.

Certa vez, eu estava na fila (na bicha, como dizem lá) do ônibus (autocarro), quando um rapaz, depois de saudar, cerimoniosamente, o senhor de idade ao seu lado, indagou-lhe, cortês:

-E suas raparigas, como vão?

Eles perceberam o meu sorriso e olharam-me de cenho franzido. Na verdade, não havia motivo para riso. Rapariga, no verdadeiro sentido, não é o feminino de rapaz?

Nós, brasileiros, emprestamos à palavra um significado ilógico, e não damos conta disto.

De outra feita, uma empregada do hotel, ao entregar-me a camisa que eu havia mandado lavar e passar, disse-me:

-Sua camisola, senhor.

Os portugueses falam depressa e, não raro, “comem” as vogais. Exemplo: sprança (esperança), bleza (beleza). E tendem a pronunciar o “e” por “a”:

-Avairo (Aveiro).

Num supermercado me vi enrolado.

-Esqueceste o caijo – diz-me o caixa.

-O quê? !

-O caijo!

Perdi a paciência, disse-lhe em bom matutês:

-Que danado é caijo, esse menino?

Mas, neste momento, um outro funcionário do supermercado trazia-me o queijo que eu deixara sobre a esteira rolante do caixa.

Turista brasileiro recém-chegado a Portugal, quase sempre atrapalha-se ao ler o cardápio (a ementa, como se diz lá) de um Café. Que vai pedir? Uma bica? Um galão? Uma sandes de fiambre? Pois saiba que bica é cafezinho; galão, café com leite servido em copo; sandes de fiambre, sanduiche de presunto.

Também podem constar do cardápio: Cacete (baguete), batido (milk-shake), gelado (sorvete), tosta mista (misto quente), tarte (torta), fino (chope).

(Do livro  “Portão de Embarque  2- Portugal”, de minha autoria).

Desditos Populares e Outros Textos

Em seu novo livro “Desditos Populares e Outros Textos”, ainda inédito, o escritor José de Castro glosa inúmeros provérbios e inventa outros, em frases curtas, sempre reflexivas, com grande senso de humor e umas pitadas de ironia e lirismo.

Exemplos:

“Luvas de pobre só de segunda mão.

Beijo de carteiro é selinho.

Canoa furada é que ensina a nadar.

Quem está com a corda toda, cuidado para não se enfocar.

Se pé de coelho traz sorte, azar é o dele.

Tempo é dinheiro. Principalmente para quem usa um rolex”

São ao todo cerca de 300 desditos.

Sou grato ao autor pelo privilégio, que me deu de ler os originais do livro em primeira mão.

Alfabético poético

No livro “ Porta Giratória”, Mário Quintana diz, a certa altura:

– “O” é uma letra bocó: está sempre de boca aberta, se espantando de tudo.

Essa brincadeira do poeta deu-me vontade de fazer algo semelhante.

Pois, então, fui brincar com o alfabeto à maneira de Quintana.

Não me atrevo a divulgar, na íntegra, o meu ABC brincalhão, mas não resisto à tentação de pinçar algumas letras: O F, por exemplo, é um E ranzinza; o I sofre de anorexia, quer ser modelo; J ( quem esqueceu aqui esse anzol?) ; K é um R que perdeu a cabeça; L é um retângulo com complexo de inferioridade; N é um V rebelde e seu irmão bem comportado; P, um R perneta; R irmão gêmeo do $; o S sonha em ser um cisne; o U está sempre de braços erguidos a pedir socorro; X, dois Is espadachins em plena luta; Y (que bela tulipa!) e o Z é um S esquizofrênico.

A propósito, os poetas Diógenes da Cunha Lima e Roberto Lima preparam, em parceria, um Alfabeto Ecológico. O livro, com este título, deverá ser editado dentro em breve.

Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr.

Desembargador aposentado, pesquisador e escritor. Autor de “Chão dos Simples”, “Ficcionistas Potiguares”, “Contistas Potiguares” e outros livros. Ocupa a cadeira nº 5 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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