Exu matou um pássaro ontem

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O antigo ditado iorubá que diz “Exu matou um pássaro ontem com uma pedra que só jogou hoje” já circula há muito tempo entre nós, mas é verdade que seu uso pelo rapper Emicida fez com que se tornasse ainda mais popular, chegando a muitas pessoas que não tinham acesso a ele. É o que hoje convencionamos chamar de “furar a bolha”.

A beleza dessa assertiva reside, entre outras coisas, em suas múltiplas possibilidades de entendimento e hoje trago uma leitura dela que muito me agrada: a de que as batalhas de hoje já começaram há muito tempo e que Exu está em cada uma dessas lutas desde muito antes até muito depois. O combate de agora não é de agora que se luta.

O motivo para lembrar aqui este ditado iorubá é que temos visto um palco sangrento de lutas em que as eleições para presidente são o combate principal deste momento. Muito se fala em polarização, esquerda e direita, bem e mal, democracia e ditadura, liberdade e autoritarismo e outras tantas antíteses que andam movimentando o cenário de discussões nacionais.

No entanto, é preciso dizer que essas lutas são travadas diariamente desde muito, muito tempo e, por isso, a pedra que Exu lançou hoje já atingiu esse pássaro, mas deve ser lançada todos os dias.

Disputar terreno em nome da democracia, da arte, cultura, das pautas identitárias de respeito e inclusão, da equidade, antirracistas e em favor das comunidades LGBT, por exemplo, assim como as questões econômicas, educacionais, de saúde e segurança pública são atividades que nada têm de novo para quem já viu o pássaro que Exu derrubou no passado.

Porém, esse espaço é alvo diário de disputa. Não há dia em que se possa descansar sob a trégua das batalhas, sem bandeiras brancas, sem armistícios. Assim, os que agora se juntam nesta trincheira para combater a intolerância e o fascismo precisam estar cientes de que não há um dia sem que sejamos a pedra de Exu, atirada sempre em nome da liberdade e do respeito.

Esse combate tão antigo continuará aberto e vivo, porque as forças nunca dormem.

E, mais que a pedra de Exu, sejamos também sempre a flecha de Oxóssi para podermos afastar a miséria e trazer tempos de alguma alegria para os nossos.

Theo Alves

Theo Alves

Theo G. Alves nasceu em dezembro de 1980, em Natal, mas cresceu em Currais Novos e é radicado em Santa Cruz, cidades do interior potiguar. Escritor e fotógrafo, publicou os livros artesanais Loa de Pedra (poesia) e A Casa Miúda (contos), além de ter participado das coletâneas Tamborete (poesia) e Triacanto: Trilogia da Dor e Outras Mazelas. Em 2009 lançou seu Pequeno Manual Prático de Coisas Inúteis (poesia e contos); em 2015, A Máquina de Avessar os Dias (poesia), ambos pela Editora Flor do Sal. Em 2018, através da Editora Moinhos, publicou Doce Azedo Amaro (poesia).

Como fotógrafo, dedica-se em especial à fotografia documental e de rua, tendo participado de exposições que discutiam relações de trabalho e a vida em comunidades das regiões Trairi e Seridó. Também ministra aulas de fotografia digital com aparelhos celulares em projetos de extensão do IFRN, onde é servidor.

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